sugestão de leitura

Porque há mais vida para além da Covid, dos confinamentos e da mortandade que por aí campeia, deixo uma sugestão de leitura (para quem possa, claro) que reputo do maior interesse, que mais não seja para ajudar a passar o desgraçado confinamento com algo útil.

«O Infinito num Junco – a invenção do livro na Antiguidade e o nascer da sede de leitura», de Irene Vallejo, edição portuguesa da Bertrand.

«Um livro sobre a história dos livros. Uma narrativa desse artefacto fascinante que inventámos para que as palavras pudessem viajar no tempo e no espaço. É o relato do seu nascimento, da sua evolução e das suas muitas formas ao longo de mais de 30 séculos: livros de fumo, de pedra, de argila, de papiro, de seda, de pele, de árvore e, agora, de plástico e luz. (…) É, ainda, uma história íntima entrelaçada com evocações literárias, experiências pessoais e histórias antigas que nunca perderam a relevância: Heródoto e os factos alternativos, Aristófanes e os processos judiciais contra humoristas, Tito Lívio e o fenómeno dos fãs, Sulpícia e a voz literária das mulheres (…)».

450 páginas escritas com ampla mas acessível erudição, com um notável e elegante sentido de humor… enfim, um livro muito aprazível e recomendável para quem considera que a vida é uma constante aprendizagem.

e um dia há-de vir abaixo…

O quanto agradeceria se alguém conseguisse contar-me quantos cabos irradiam deste poste.
Pobre poste de madeira, escorado à minha casa sem autorização prévia, começou por irradiar telefonemas em tal profusão que as conversas escorriam poste abaixo, até às raízes de um alpercheiro. Então, quando alguém comia um alperce, ficava a conhecer os segredos da vizinhança…
Com menos poesia e estando o pobre ali instalado há cerca de 50 anos, falecidos os velhos cabos telefónicos, foi sendo parasitado por tudo quanto foram e são empresas de telecomunicações que, a cada contrato, instalam um cabo novo… e nunca os retiram quando os contratos cessam, até chegarmos ao despautério que se documenta.
Como a artéria não tem passeio, uma vez por outra, alguma viatura de passagem dá-lhe uma porradinha amigável ainda que involuntária. E lá vai ficando a mossa.
Um dia, a ordem natural das coisas e as tensões a que está sujeito farão com que este poste venha abaixo. O cabo de aço que o escora fá-lo-á cair nos meus braços.
Se eu sobreviver, a quem pedir contas?
(Nota, para o caso improvável de alguém responsável por alguma coisa ler este texto, a imagem foi colhida, não em qualquer local esconso do terceiro mundo, mas em Sassoeiros, Carcavelos, Cascais).

bom e feliz ano novo!

A vida tem muito daquilo que quisermos fazer dela.

Hoje, por exemplo, para aqui limitados e constrangidos, recebi de mão amiga uma sugestão para os aficionados dos fogos de artifício que estão tristes por não poderem sair à rua para deitar fora o ano velho e receber o ano novo.

Aqui a partilho, com a devida vénia, com os votos de que 2021 seja um ano pleno de criatividade e bom humor, com saudinha da boa à mistura.

https://www.facebook.com/andres.helgason/posts/10157668169492623

boas festas

Dos vários milhões de amigos, conhecidos e assim-assim a quem já fiz chegar os votos de saúde e de boas festas, esperando que 2021 seja para todos um auspicioso ano, recebi outras tantas respostas, o que é muito reconfortante.

Nalguns casos, estes amáveis votos já vão na terceira ou quarta réplicas… o que me cria a dúvida angustiante de saber se terei chegado a todos.

Assim, não me levem a mal que aqui formule, para todos e de novo, os meus votos de boa saúde e de boas festas, com a promessa solene de que este ano ficarei por aqui.

Com beijos e abraços, claro.

uma nova versão da Guernica no Ribatejo?

Na Quinta da Torre Bela, em Aveiras de Cima, concelho da Azambuja, numa quinta murada, 540 veados, gamos e javalis foram massacrados por 16 aberrações da natureza, sob a égide de um casal de energúmenos, porventura saudosos da Guernica…
Ora bem, como declaração de princípios, considero a caça e os caçadores como resquícios atávicos que, como sói dizer-se, nos correm na «massa do sangue» e, enquanto tal, uma prática em declínio, a caça, e uma espécie em vias de extinção, os caçadores, com o avanço civilizacional.
Serão excepções notáveis todos quantos tentam introduzir alguns aspectos de humanidade e, até, cientificidade aos instintos mais básicos que presidem a tal «desporto», tal como é doentiamente considerado.
Por exemplo, não é despiciendo o argumento segundo o qual algumas espécies selvagens apenas existem, nos nossos dias, porque existem caçadores…
Mas, na maioria dos casos, invoca-se a cultura e a tradição apenas para dar pretexto justificativo ao instinto predatório, muito desajustado aos dias que correm, quando não dar livre curso a outras psicoses mais obscuras.
Mas os interesses capitalistas são sempre, nos tempos em que vivemos, mais fortes do que qualquer lógica ou bom senso. E não venham para cá com tretas de esquerdismo e tal… Atenhamo-nos aos factos conhecidos:
Numa coutada privada, gerida pelo tal casal espanhol, onde está prevista a instalação de uma central fotovoltaica com 775 hectares (num total de 1000 hectares da herdade) e cujo Estudo de Impacte Ambiental (EIA) se encontra em fase de consulta pública, até 20 de Janeiro de 2021, e onde se tem verificado uma significativa desflorestação nos últimos tempos, este massacre é só coincidência?
E vangloriam-se da façanha no «facebook», com imagens publicadas? E ousam chamar àquilo montaria, quando de um cobarde massacre se trata? Estão a gozar com as nossas caras?
Aqui ao lado, em Espanha, o então rei Juan Carlos foi veemente condenado pela opinião pública após a divulgação de uma fotografia sua ao lado de um elefante abatido num safari em África.
O que poderá suceder, proporcionalmente, a este casal de «empresários» e aos «16 indomáveis patifes» com o seu espólio tétrico de 540 animais selvagens?
Sabe-se já de movimentações de autarcas e de partidos. Sabe-se da invocação de total desconhecimento prévio dos factos por parte do Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF).
Mas fica uma pergunta aos intensos defensores do turismo em Portugal: é esta a imagem que se pretende dar do tal país de brandos costumes, à beira-mar plantado?
E nem me interessa saber se há legislação que contemple a penalização deste massacre ou se, como é hábito, o dinheiro fala mais alto.
Porque há uma coisa que deve prevalecer em cada ser humano, sob pena de deixar de o ser: a ética. E não há recanto onde, neste lamentável episódio, a possamos encontrar.
A meia-dúzia de dias do Natal, fuzilam-se a sangue-frio centenas de veados e gamos e javalis, como em qualquer episódio de uma guerra sangrenta… onde as vítimas nem sequer podem fugir ou ripostar. E tornam-se públicas as imagens. Eis um grandessíssimo exemplo de cobardia e falta de escrúpulos a transmitir às nossas crianças, no meio de uma pandemia às costas.
Se os autores deste inqualificável desmando saírem incólumes deste episódio, podemos bem, todos nós, limpar as mãos à parede por sermos o país que somos

a EDP e a irrelevância de uma política nacional face aos interesses instalados

Era uma vez uma empresa pública, graças à qual se pôde electrificar todo o País.

Essa empresa, que liberais e neoliberais pouco iluminados (ou ofuscados com tanta luz) vituperaram alarvemente e anos a fio por se tratar de um «ignóbil monopólio», era a herdeira institucional de todas as empresas privadas que a integraram, na sua génese, herança essa que preservou e ampliou, nessa dimensão nacional que, entretanto, lhe fora atribuída.

Então, a primeira profunda machadada em favor dos «críticos» – no sentido de acabar com o tal «ignóbil monopólio» – foi, em determinado momento histórico muito ligada a cavacal figura, a sua privatização, ainda que o Estado mantivesse uma posição preponderante, a que se chamou, já na mania das inglesices, «golden share».

A seguir, um deus-nos-acuda porque o Estado não podia manter a «golden share», porque a Europa não nos autorizava e tal e urgia dar resposta aos ditames europeus, porque não podíamos ficar mal vistos e vinham aí penalizações graves.

Ditames esses para os quais os mesmos países que clamavam contra a «golden share» do Estado português se estavam, internamente, nas tintas. Veja-se o caso paradigmático da EDF, em França, que deu a volta ao assunto com luvinhas de pelica e sem dores de cabeça, mantendo, objectivamente, o status vigente, ou seja a sua posição preponderante na empresa francesa… até por causa da «importância estratégica» que, aparentemente, no caso de Portugal não se colocava.

Nesta história da Carochinha não devemos perder de vista a quantidade imensa de lobos maus que espreitavam, escondidos atrás das muitas árvores da floresta dos interesses, sempre à espera de comerem a Capuchinho Vermelho, a avozinha e o que mais viesse à rede.

Essa EDP, empresa pública, lucrativa a bem de nós todos, ainda que parasitada das mais diversas formas e feitios – veja-se a concelebrada Taxa da Radiodifusão Sonora, integrada na sua facturação sem qualquer lógica, sequer funcional – era tão relevante que chegava a funcionar, em tempos heroicos mas não muito longínquos, como avalista do Estado Português em momentos de aperto financeiro…

Como empresa pública eficaz e lucrativa que era, mete-se pelos olhos dentro que a sua privatização, se possível integral, daria de comer a muita gente, dessa que sobrevoa todos os negócios lucrativos em busca de carniça.

E, após episódios engraçados como a privatização de uma parte significativa da sua estrutura, que era a Rede Eléctrica Nacional, logo renacionalizada e, a seguir, privatizada, outra vez, e o que mais adiante se verá, lá privatizaram a EDP.

Então, já privatizada e dando de comer a tantos que têm sempre tanta fome de poder… volta a ser nacionalizada mas, agora, em prol de um estado estrangeiro, a China, que, como se sabe, está fora da jurisdição da Europa.

Pelo caminho, fica a certeza de que entre o preço do quilovátio acrescido dos «encargos de potência», mais as taxas e taxinhas concomitantes, no Portugal privatizado se paga das mais caras energias eléctricas do mundo.

Caso para se dizer que ainda bem que se acabou com o «ignóbil monopólio», não é? Pois é…

Também não adianta muito falar das empresas da «concorrência» pois que, estudando bem as suas facturas, nelas se verifica que, mais arroba, menos quintal, todas vão dar ao mesmo.

Na mesma lógica do «venha a nós o vosso reino», a actual gestão da EDP não tem qualquer pudor em alienar a uma empresa francesa, a ENGIE – cujo capital é detido, em cerca de um terço, pelo Estado Francês, o que não deixa de ser irónico –, boa parte das suas barragens do Rio Douro, nomeadamente as localizadas no Douro Internacional.

Essas três barragens – Picote, Miranda do Douro e Bemposta – foram inclusivamente intervencionadas muito recentemente, com significativo reforço do seu potencial produtivo, muito provavelmente a expensas do público pagante, naquela cena do apoio ao reforço das energias renováveis e tal…

A autarquia mirandesa – e, em minha modesta opinião, muito bem – reivindica uma série de contrapartidas, em relação à empresa compradora, decorrentes do facto de tais instalações produtivas se encontrarem em território concelhio.

Encurtando razões em texto já tão longo, diremos apenas que boa parte dessas contrapartidas foram votadas na Assembleia da República, no âmbito do Orçamento de Estado para 2021.

Assim, a região conseguiu ver aprovada, no OE 2021, norma que lhe garante uma parte maior dos impostos resultantes da actividade das barragens, reivindicação antiga reforçada, este ano, por um movimento cultural, com grande pujança, nascido e criado em Miranda do Douro e englobando todos quantos consideram Miranda a sua terra.

Uma curiosidade final: a votação à proposta apresentada pelo PSD, foi aprovada com os votos a favor do CDS, PCP e BE, a abstenção da Iniciativa Liberal e do Chega, e os votos contra do PS e do PAN (…?).

O actual governo garantia, há poucos meses, que a venda de tais barragens só ocorreria após profundo escrutínio governamental, a bem dos superiores interesses da nação. Mas, sem qualquer transparência informativa, as barragens lá foram vendidas, como se estivéssemos a tratar de sacos de batatas.

O autarca Artur Nunes considera que o «engrossar de voz» da população, muito apoiada nos movimentos culturais e na diáspora de mirandeses, ajudou a dar visibilidade a um problema antigo.

Sabendo nós que um dos defensores mais convictos e actuante – e daqui lhe tiro o meu chapéu por isso – é o senhor Presidente da Câmara de Miranda do Douro, eleito pelo PS, cá me fico pelo comentário de que, em face da votação verificada, haverá sempre razões que a razão desconhece…