O quanto agradeceria se alguém conseguisse contar-me quantos cabos irradiam deste poste.
Pobre poste de madeira, escorado à minha casa sem autorização prévia, começou por irradiar telefonemas em tal profusão que as conversas escorriam poste abaixo, até às raízes de um alpercheiro. Então, quando alguém comia um alperce, ficava a conhecer os segredos da vizinhança…
Com menos poesia e estando o pobre ali instalado há cerca de 50 anos, falecidos os velhos cabos telefónicos, foi sendo parasitado por tudo quanto foram e são empresas de telecomunicações que, a cada contrato, instalam um cabo novo… e nunca os retiram quando os contratos cessam, até chegarmos ao despautério que se documenta.
Como a artéria não tem passeio, uma vez por outra, alguma viatura de passagem dá-lhe uma porradinha amigável ainda que involuntária. E lá vai ficando a mossa.
Um dia, a ordem natural das coisas e as tensões a que está sujeito farão com que este poste venha abaixo. O cabo de aço que o escora fá-lo-á cair nos meus braços.
Se eu sobreviver, a quem pedir contas?
(Nota, para o caso improvável de alguém responsável por alguma coisa ler este texto, a imagem foi colhida, não em qualquer local esconso do terceiro mundo, mas em Sassoeiros, Carcavelos, Cascais).
Pensa positivo, carais!
Tanto poiso para passarinhos!
Se te ouve
dá-lhe a minha morada
diz-lhe que lhe ofereço
comida e roupa lavada
Em troca, como paga
que cada um dos seus cabos de aço
me conte a memória que guarda
e eu lhe farei o que sempre faço
conto-lhe a minha mágoa