Na Quinta da Torre Bela, em Aveiras de Cima, concelho da Azambuja, numa quinta murada, 540 veados, gamos e javalis foram massacrados por 16 aberrações da natureza, sob a égide de um casal de energúmenos, porventura saudosos da Guernica…
Ora bem, como declaração de princípios, considero a caça e os caçadores como resquícios atávicos que, como sói dizer-se, nos correm na «massa do sangue» e, enquanto tal, uma prática em declínio, a caça, e uma espécie em vias de extinção, os caçadores, com o avanço civilizacional.
Serão excepções notáveis todos quantos tentam introduzir alguns aspectos de humanidade e, até, cientificidade aos instintos mais básicos que presidem a tal «desporto», tal como é doentiamente considerado.
Por exemplo, não é despiciendo o argumento segundo o qual algumas espécies selvagens apenas existem, nos nossos dias, porque existem caçadores…
Mas, na maioria dos casos, invoca-se a cultura e a tradição apenas para dar pretexto justificativo ao instinto predatório, muito desajustado aos dias que correm, quando não dar livre curso a outras psicoses mais obscuras.
Mas os interesses capitalistas são sempre, nos tempos em que vivemos, mais fortes do que qualquer lógica ou bom senso. E não venham para cá com tretas de esquerdismo e tal… Atenhamo-nos aos factos conhecidos:
Numa coutada privada, gerida pelo tal casal espanhol, onde está prevista a instalação de uma central fotovoltaica com 775 hectares (num total de 1000 hectares da herdade) e cujo Estudo de Impacte Ambiental (EIA) se encontra em fase de consulta pública, até 20 de Janeiro de 2021, e onde se tem verificado uma significativa desflorestação nos últimos tempos, este massacre é só coincidência?
E vangloriam-se da façanha no «facebook», com imagens publicadas? E ousam chamar àquilo montaria, quando de um cobarde massacre se trata? Estão a gozar com as nossas caras?
Aqui ao lado, em Espanha, o então rei Juan Carlos foi veemente condenado pela opinião pública após a divulgação de uma fotografia sua ao lado de um elefante abatido num safari em África.
O que poderá suceder, proporcionalmente, a este casal de «empresários» e aos «16 indomáveis patifes» com o seu espólio tétrico de 540 animais selvagens?
Sabe-se já de movimentações de autarcas e de partidos. Sabe-se da invocação de total desconhecimento prévio dos factos por parte do Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF).
Mas fica uma pergunta aos intensos defensores do turismo em Portugal: é esta a imagem que se pretende dar do tal país de brandos costumes, à beira-mar plantado?
E nem me interessa saber se há legislação que contemple a penalização deste massacre ou se, como é hábito, o dinheiro fala mais alto.
Porque há uma coisa que deve prevalecer em cada ser humano, sob pena de deixar de o ser: a ética. E não há recanto onde, neste lamentável episódio, a possamos encontrar.
A meia-dúzia de dias do Natal, fuzilam-se a sangue-frio centenas de veados e gamos e javalis, como em qualquer episódio de uma guerra sangrenta… onde as vítimas nem sequer podem fugir ou ripostar. E tornam-se públicas as imagens. Eis um grandessíssimo exemplo de cobardia e falta de escrúpulos a transmitir às nossas crianças, no meio de uma pandemia às costas.
Se os autores deste inqualificável desmando saírem incólumes deste episódio, podemos bem, todos nós, limpar as mãos à parede por sermos o país que somos