imagine

Nos dias que vão correndo, em que se adensam velhas querelas e se dão grandes passos no sentido de um conflito mundial generalizado pelas sempiternas vontades hegemónicas de uns poucos sobre as vidas de tantos outros, sob o manto pouco diáfano das múltiplas religiões, apeteceu-me relembrar aqui o sonhador John Lennon e o seu tema «Imagine», sempre oportuno, sempre actual.

Esta tradução é de minha responsabilidade, sem especiais preocupações de retroversão poética, porque o importante é a mensagem transmitida, que é para ser entendida muito para além de ser apenas cantarolada.

Imagine não haver paraíso
Imagine there’s no heaven
É fácil se você tentar
It’s easy if you try
Nenhum inferno por baixo de nós
No hell below us
E por cima somente o céu
Above us, only sky

Imagine todas as pessoas
Imagine all the people
Vivendo para o dia de hoje
Livin’ for today

Imagine não haver países
Imagine there’s no countries
Não é difícil fazê-lo
It isn’t hard to do
Nada por que matar ou morrer
Nothing to kill or die for
E também nenhuma religião
And no religion, too

Imagine todas as pessoas
Imagine all the people
Vivendo a vida em paz
Livin’ life in peace

Você pode dizer que eu sou um sonhador
You may say I’m a dreamer
Mas eu não sou o único
But I’m not the only one
Espero que um dia se junte a nós
I hope someday you’ll join us
E o mundo será um só
And the world will be as one

Imagine não haver possessões
Imagine no possessions
Pergunto-me se será capaz
I wonder if you can
Não haver necessidade de ganância ou fome
No need for greed or hunger
Uma irmandade do homem
A brotherhood of man

Imagine todas as pessoas
Imagine all the people
Partilhando todo o mundo
Sharing all the world

Você pode dizer que eu sou um sonhador
You may say I’m a dreamer
Mas eu não sou o único
But I’m not the only one
Espero que um dia se junte a nós
I hope someday you’ll join us
E o mundo viverá como um só
And the world will live as one

Enfim, será mesmo assim tão difícil de imaginar…?

exercício em defesa da escultura «Amores de Camilo» de Francisco Simões e contra os moralistas de outras eras

Em 2012, a Câmara do Porto aceitou a doação da estátua “Amores de Camilo”. Essa doação foi aprovada pelo Executivo Municipal, motivo que impede que seja retirada (felizmente…).

«que terão eles visto na estátua que eu não vi nem viste tu?
perturba-os a senhora nua ou o Camilo não estar nu?»
– isto vai dizendo o Eça à Verdade que ele enlaça…

ah houvera quem vos dera no vosso alvar frontispício
mesmo em retórico exercício
senhores donos do pudor
com um bronze ou um granito que vos esculpisse algum grito
sem vos causar mal maior
mas recentrando a esfera da cabeça… se a tivéreis

não sabeis vós que a nudez afinal foi quem vos fez?
ou será que a vossa afronta vem de algo de pouca monta
que sem força não ergueis
– falo eu do argumentário
que de frustre e passadista
mais soa a reaccionário com presunção moralista

«olhai bem para o que eu digo
não cuideis de quanto eu faço»
diz o abade ao abrigo de seus filhos no regaço…
não sejais tais sacripantas
sacristas ou até eunucos
tudo em redor conspurcando com seus aleivosos mucos

não frequentais vós as praias
oh cruzados da moral?
não vos perturbam as belas com tanto fio dental?
que mostra mais do que esconde
quanto na mulher avonde
e é de si primordial?

deixai-vos lá dessas tretas
ou armados em ascetas
proibireis o areal?

– até o mar que as banha
havia de vos querer mal!

  • Jorge Castro
    17 de Setembro de 2023

nos 100 anos de Natália Correia

No dia em que se celebram os 100 anos do nascimento de Natália Correia quero aqui destacar dois aspectos que considero primordiais na sua vida e na sua obra: o inconformismo militante e a irreverência permanente.

Natália diz-nos, também, que o poeta deve ter uma intervenção política e, se olharmos atentamente, não foram raros os casos entre a plêiade de excelentes poetas portugueses do nosso século XX cuja intervenção na «res publica» foi o pilar maior do seu destaque, a par da sua mestria, e por isso se mantêm como referências duradouras.

Natália, seguramente, mas também Pessoa, O’Neill, Gomes Ferreira, Aleixo, Saramago, Mourão-Ferreira, Ary, até Cesário, entre tantos outros mais.

Pensemos, pois, nisso e que extraia cada um as suas ilacções.

E como, por vezes, ser ibérico não será pecado, Gabriel Celaya, cantado por Paco Ibañez, já nos dizia:

«(…) Maldigo la poesía concebida como un lujo

cultural por los neutrales

que, lavándose las manos, se desentienden y evaden(…)»

Não é necessária tradução, pois não?

a propósito da opinião sobre quem opina

Leio, com frequência, a crítica nas redes sociais de que há, por aqui, gente que não se enxerga e opina sobre tudo como se de tudo fosse entendido.

Creio que esta crítica merece alguma ponderação. Opinar sobre tudo não trará mal ao mundo enquanto não pretendermos, ao emitir uma opinião, obrigar os outros a segui-la.

Se, por outro lado, emitirmos uma opinião errada ou errónea que seja contraditada por alguém que saiba mais e melhor sobre esse assunto, ou por melhor acesso a informação ou por maior domínio de conhecimento, o contributo desse alguém será precioso para um melhor esclarecimento do primeiro emissor.

Pessoalmente, já fui inúmeras vezes corrigido por bons amigos que muito prezo e tanto mais pela sua frontalidade. Isso não me impede de, em cada passo da jornada, estar atento ao mundo que me rodeia, muito pelo contrário.
De Paulo Marques, professor, com a devida vénia, respigo a resposta de Ramalho Ortigão aos seus críticos que o acusavam de falar de tudo sem, verdadeiramente, aprofundar nada:

“O meu grande mal é não me interessar especialmente por uma coisa só, qualquer que ela seja, porque me interesso completamente e absolutamente por tudo. A indigente multiplicidade dos meus pontos de vista inabilita-me para o especialismo.»

Também o romano Públio Terêncio Afro terá proferido a frase, adoptada por Marx como lema, segundo a qual “sou homem e nada do que é humano me é estranho”.

Por outro lado, muitas vezes a crítica a uma opinião alegadamente superficial é, na verdade, sustentada por uma arrogância intelectual de quem, pretensamente, muito sabe, mas guarda esse saber no bolso interior do casaco, para que não lho roubem… Ainda que haja, por aí, muitos carteiristas do saber e do conhecimento.

da «peste grisalha» à Literatura

Recordareis, decerto, a polémica de 2013, quando o deputado Carlos Peixoto, do PSD, em artigo de opinião no jornal «I», de 10 de Janeiro daquele ano, se referiu com notável falta de sentido de oportunidade à expressão «peste grisalha», com que alguns «iluminatti» das eras modernas se referem ao envelhecimento da população, mormente no concelebrado «mundo ocidental», como flagelo sobre o exemplaríssimo mundo da alta finança.

Tropecei, recentemente, com um vídeo da COS.TV que refere, a este propósito mais três personalidades cujas afirmações afinam pelo mesmo diapasão: Dan Patrick (vice-governador do Texas), Christine Lagarde (gerente do Banco Central Europeu)e Taro Aso (Ministro das Finanças Japonês).

Aqui partilho este vídeo, cujo autor desconheço, mas em relação às palavras do qual subscrevo, com especial relevo para a afirmação de carácter literário com que encerra o referido vídeo.

afinal, Putin é o quê?

No esforço ingente para tentar perceber alguma coisa daquilo que vai pelo mundo, que faz sempre falta como forma elementar de combater insónias, dado que já não estou muito em idade própria para pegar em armas à conta de alguma causa, ocorreu-me esta reflexão, que partilho com quem tenha tempo para aturar reflexões alheias:

Aqueles que olham para Putin como um incontrolável agente do KGB, forjado nas fundições do estalinismo, com inegáveis instintos imperialistas, e, logo a seguir, misturam tudo no cadinho de 1917, receio bem que se tenham perdido nalgum caminho da História… Ou, então, não se perderam, de todo, e sabem muito bem o que dizem e porque o fazem.

Lembram-me, por outro lado e apenas em aparente oposição, aqueles que nos anos 70 clamavam que os «perigosos esquerdistas» que colocavam em pé de igualdade, contra os interesses do mundo, o imperialismo americano e o social-imperialismo russo (lembram-se?) não passavam de reles agentes da CIA.

É destas análises da treta sempre anunciadas como deveras objectivas que vivem, alegremente, tantos comentadores.

A Rússia «soviética» anterior à queda do muro de Berlim era, de facto, uma potência imperialista que teve de se reposicionar, no xadrez político, perante os ventos da História. E era neste contexto que o tal agente do KGB se movia.

A máquina estatal existente foi facilmente adaptável, abandonando uma fachada «socialista», que pouco ou nada mantinha enquanto tal, e assumindo aquilo a que os teóricos do marxismo chamam capitalismo monopolista de estado, sustentado, como qualquer sistema capitalista que se preze, no poder económico, de que os oligarcas, hoje tão falados, são a face visível.

A mistura entre governantes e interesses instalados dir-se-ia pornográfica… e nem é nada a que os povos do chamado mundo ocidental não estejam sobeja e democraticamente habituados no que aos seus próprios governantes diz respeito.

Dito isto, Putin será o governante (leia-se oligarca-mor) de um país que vive sob as regras do mais desenfreado espírito capitalista e onde a simples ideia de democracia não existe, o que, por outro lado, ainda vai subsistindo no tal mundo ocidental, ainda que tantas vezes mascarado já de «faz-de-conta».

Recordemos o desabafo de uma nossa ministra que, ainda há pouco tempo, aludia à eventualidade conveniente de interromper a democracia por alguns meses para levar à prática medidas impopulares…

Para além disto, podemos sempre ter como opção manter as nossas opiniões virgens e puras, coisa que não fará muito sentido no século XXI, convenhamos. O povo ucraniano que o diga.

Como habitualmente, isto é só mesmo uma opinião. Quem sabe se não estarei completamente enganado e mal aconselhado por leituras ínvias e amigos transviados? Minha é que a culpa não deve ser…