diário breve de um pró-testante

( = indivíduo que está em vias de se submeter a um teste)

Isto está uma maçada. Depois de estar três dias para tentar fazer um teste à Covid sem conseguir chegar a ser atendido, tal o tamanho das filas de espera nos postos disponíveis na cidade, e de ter tentado, sem êxito, em duas urgências hospitalares, invocando dores de cabeça e, até, de barriga, decidi que hoje é que tinha de ser.

Assim, levantei-me às cinco da manhã e, às seis, já estava na fila do posto de testagem mais próximo de casa. Felizmente, hoje não chove. À minha frente estavam só uma família de cidadãos brasileiros que querem regressar ao Brasil e quatro jovens austríacas que tiveram de passar esta noite na rua, por não serem aceites no «hostel» onde tinham reserva, sem apresentarem teste válido.

Meia-hora depois, já a fila parecia uma autêntica bicha, com cerca de duzentos metros de gente, ansiosamente à espera do mesmo.

Às nove horas, já o movimento da feira, ali ao lado, estava em grande, quando abriu o centro de testagem e cerca de um quarto de hora depois já eu estava despachado, aguardando apenas o resultado, já do lado de fora…

Veio, então, uma senhora muito simpática que me informou de que estava tudo bem, com o teste negativo.

Pronto. Agora já posso ir à feira comprar umas coisitas que ainda me faltam para a passagem de ano. Depois vou ao supermercado para ver se ainda apanho umas gambas e duas garrafas de Raposeira. Não esquecer o bolo-rei e as passas na mercearia da rua, que já estão encomendados. De caminho, compro os jornais e as revistas para este fim de semana prolongado e bebo o cafezinho da praxe no café da esquina, onde sempre se trocam dois dedos de conversa com os «residentes» habituais.

Isto, parecendo que não, mas uma pessoa fazer o teste dá-nos muito mais tranquilidade…

Então, votos de um feliz ano novo para todos e com muita saúdinha, sim?

ora, brinquemos, pois… (na quadra natalícia)

Diz-me o feicebuque: “Jorge, encontra alguém que goste de ti por aquilo que és. Junta-te às 5.000 pessoas solteiras que estão a marcar encontros em Cascais”.
Isto só pode ser uma partida daquela personagem que nós sabemos que não existe, o tal de Pai Natal.
Mas, agora, fiquei com um problema: será que conheço muita gente que gosta de mim por aquilo que eu não sou? E, com os constrangimentos anunciados por António Costa, como é que vou juntar-me a 5.000 almas solteiras, em Cascais, estando eu casado?
O feicebuque anda com o algoritmo marafado, é o que é…

Acabado de ouvir num centro comercial perto de si:

  • O cavalheiro importa-se de não invadir os meus 5 metros quadrados?
  • Minha senhora, com o devido respeito, quem invadiu os meus foi a senhora…
  • Desculpe, mas eu já estava junto a esta prateleira, só que o artigo está muito alto e desequilibrei-me.
  • Pois… não sei. Mas agora como é que vamos resolver isto? Sempre é a saúde pública que está em risco… O melhor é chamar o segurança.

Isto da conversa politicamente correcta tem os seus quês.
Por exemplo, o défice cognitivo, querendo significar algum padecimento mental…
Eu tinha sempre défice cognitivo quando recebia uma negativa numa qualquer prova escolar.
Isto não está fácil…

Acabadinho de ouvir no noticiário da SIC, de um repórter de serviço: “… e se dúvidas houvessem…”.
Não, carais! É HOUVESSE, gente.
Chiça, que se errar é humano, errar demais é desumano!

Até que enfim, tropecei numa notícia positiva.
Andava eu acabrunhado com o desaparecimento dos bidés das actuais casas de banho, sem saber como providenciar, nessa ausência, necessidades higiénicas elementares, e eis que descubro as “smart toilets”, equipadas com uns “multiclean advance square”, que fornecem jacto de água quente, limpeza a seco das partes pudendas…. e sei lá que mais!
Parece que os homens precisam apenas de ter cuidado para não carregar no botãozinho, com legendas em inglês, que se destina à remoção de pensos higiénicos.
A tecnologia é linda…!

a ti, Porto
(apontamentos de viagem)

Tu sabes que eu te visito pouco. Trago saudades que, depois, levo. Mas sinto a falta, de longe em longe, da neblina que vem do rio e daquele «timbre pardacento», do Carlos Tê, que faz lembrar um portal do tempo a transportar-me para lá da vida.

Então eu cá venho, de longe em longe, pagar tributo de nascimento. A ver o Douro encrespar-se ao mar, espreitar furtivo e malicioso as pernas das pontes todas que o vão cruzando. O casario a vê-lo passar, espreitando-o por mil janelas, ora dourado, a fazer jus ao nome, ora eivado de tons de azul, em diálogo de nuvens, e carreando barcos que levam tantos turistas quantas as pipas que, antes, traziam.

Rabelos sem velas desvendam as tuas margens, mas não mostram os teus segredos. As carqueijeiras a penar íngremes ladeiras. A canalha a mergulhar no rio à cata das cinco coroas lançadas por mão pródiga, quando não do mísero tostão. O vozear das crianças, nas «ilhas», a modos que creches de aflição, ou o menino de pé descalço que cantava, pelas esquinas, acompanhado pelo pai, com uma guitarra velha, e vendendo as letras, para arrecadar os tostões da sobrevivência. As lavadeiras a ensaboar as tuas águas de conversas brejeiras e palavrão de exorcizar pecados velhos, a perna ao léu que tinha sempre mirones a apreciar. As cheias, que subiam pelas casas acima, na zona ribeirinha, e que eram tanto espectáculo como aflição de rotina. A faina do rio, com o Gastão, pelo meio do enredo, a salvar vidas ou a resgatar corpos…

Quero confessar-te que nada tem de nostalgia esta minha conversa. Mas, mal atravesso uma das várias pontes que me fazem chegar a ti, estas memórias saltam-me, recorrentes. E que lhes hei-de eu fazer? Contrariá-las? Nem pensar… E, depois, eu fazia-me de quê?

  • Jorge Castro
    15 de Setembro de 2021

um copo de água não se nega a ninguém.

Estou a pensar que isto de viver num concelho que ganhou a fama de ser o mais chique de Portugal – ainda se lembram do termo? – tem, no entanto e nos entrefolhos dos interesses instalados, muito que se lhe diga e nem tudo é abonatório do estatuto.

Seria longa e fastidiosa a conversa, por isso vou encurtar. Falemos de água ou, mais exactamente, da facturação das Águas de Cascais, S.A., que é uma daquelas empresas privadas vá lá a gente saber porquê.

Nem tecerei grandes comentários. Deixo apenas um extracto da última factura recebida. Consumo real, lido e facturado, correspondendo a 60 dias: 3 metros cúbicos. Valor a pagar 36,11 €.

Estou a pensar muito seriamente em fazer um contrato de abastecimento com uma empresa de água mineral.
A chatice é que, alegadamente, no interesse da saúde pública e pela letra da lei, sou obrigado a ter um contrato com as Águas de Cascais.

Por acaso ou por razões de mau feitio, uma legislação que me obriga a ter um contrato com uma empresa privada, sem concorrência, também é uma história para a qual ainda hei-de pedir a um entendido que me faça um desenho para perceber melhor o conceito, que isto da idade anda a tirar-me muito discernimento…

Deixo-vos, então, o tal extracto que é um tratado de fintas e malabarismos dignos de um Cirque du Soleil.

em defesa dos alentejanos e do Alentejo e, afinal, de Portugal

Muitos se espantam, se vergastam e rasgam as vestes pelos resultados das recentes eleições presidenciais no Alentejo. O «Alentejo vermelho» terá dado lugar a um outro Alentejo, purpura funéreo…

Em desacordo com muito do que se tem dito, vou, pois, opinar sobre isso, não em abordagem pseudo-científica, mas com a visão que a vida nos traz quando tendemos a olhar em nosso redor com olhos de ver e com a objectividade possível, perseguida em cada palavra.

O Alentejo mirífico, idealizado, das extensas campinas e trigais, cravejados de papoilas, do agreste trabalho de sol a sol e cânticos elevados em entardeceres magníficos já não existe… nem, porventura, terá alguma vez existido, nomeadamente para aqueles que, para sobreviver, tinham de dobrar os costados de manhã à noite, nas «campanhas do trigo» do Estado Novo, nas propriedades de meia-dúzia de latifundiários.

Esse Alentejo existe apenas nos cartazes turísticos e para fotógrafo ver, pois as experiências inovadoras e aventurosas que tiveram lugar com o 25 de Abril de 1974 rapidamente foram massacradas pelos grandes interesses do costume, até para não constituírem «maus exemplos», que tendem a propagar-se.

O Alentejo actual vive sem futuro à vista. As Catarinas de hoje não caem às mãos de nenhum Carrajola. Mas caem pela ausência de trabalho, de remunerações condignas, de ausência de futuro que as conduzem à emigração ou ao suicídio. O resultado, por fim, será o mesmo.

Qualquer jovem que intente a criação de uma empresa, ou tem pais com dinheiro para desperdiçar, ou cai, de imediato, sob o peso atroz dos impostos, das dificuldades imensas na obtenção de apoios institucionais, dos custos de produção, etc..

Quanto a empregos, basta pensar na precaridade e no montante espectacular do ordenado mínimo (quase metade do que existe em Espanha, sendo dos mais baixos da Europa e o que menos evoluiu nos últimos vinte anos – ver dados comparados em:
https://www.pordata.pt/DB/Europa/Ambiente+de+Consulta/Tabela.

Sobre isto acrescentem-se pequenas minudências como, por exemplo, termos a electricidade mais cara da Europa (sendo que ao preço do Kwh há que acrescentar os sacrossantos encargos de potência, o que ainda mais agrava o custo final…).

Entretanto, o seu património histórico e, neste, muito especialmente a imensa riqueza arqueológica que poderia definir o Alentejo como um dos pólos de turismo cultural da Europa, pela sua especificidade, quantidade e qualidade, é sistematicamente pilhado e/ou destruído, perante a passividade criminosa das «forças vivas», quando não da sua cumplicidade.

Uma investigadora na matéria informou-me de que, nos últimos 25 anos, 80% das referências arqueológicas que ela própria assinalara, no Alentejo, tinham desaparecido!

A título de exemplo, temos presente as muito recentes destruições deliberadas de antas como ocorreu na Herdade de Vale da Moura (Évora), para o plantio extensivo de olivais e amendoais, sem consequências visíveis até à data. Olivais e amendoais cujo produto final é muito duvidoso que venha a constituir riqueza nacional, pois escoa-se para parte incerta.

Junto ao litoral, as diversas «aventuras» de estufas instaladas dão (?) emprego miserável a migrantes, onde não se paga, sequer, o salário mínimo, e muito próximas, nas condições de vida proporcionadas aos trabalhadores, ao que se passava nas roças africanas nos anos 50 e 60 do século passado.

As reformas dos trabalhadores rurais – dos poucos ainda sobrevivos – são a desgraça vergonhosa que todos conhecemos.

Conheço um trabalhador da construção civil, já idoso, que faz uns biscatos de sobrevivência na região de Lisboa, durante a semana, regressando à sua terra, no meio do Alentejo, aos fins de semana onde, além do cultivo de uma pequena horta, se afoga em vinho à espera do próximo trabalho. Como rotina de vida, não será auspiciosa.

E como estaremos nos apoios à cultura alentejana, para além dos foguetórios televisivos, na esmagadora maioria dos casos inconsequentes e distorcidos, quando não totalmente alienados?

Neste «caldo de cultura», que apenas peca por defeito, o que é que cada um de nós, gente atenta ao drama social que Portugal vive, poderia esperar nestas eleições?

Poderemos nós achar estranho que nas Legislativas de 1987 a abstenção no Alentejo tenha sido de 27,5% – das mais baixas do País – e que nas Legislativas de 2019 tenha sido de 67,1% – das mais elevadas do País?

E vá lá, vá lá, que o PCP manteve, agora, quase inalterada a sua votação – ao contrário do que propalam os órgãos da comunicação a que temos direito… E se, aqui, os cinquenta e tal porcento de Marcelo contaram com os votos do PS – que não terá votado expressivamente em Ana Gomes – o Chega contou com os votos de quem? Vejam lá se adivinham…

Alguém que tenha o golpe de asa de cativar os jovens, poucos mas que ainda existem, do Alentejo, com políticas de futuro, positivas e sustentadas em circunstâncias reais e que proporcionem dinheiro no bolso – porque é para isso que se trabalha, concomitantemente com a dignificação pessoal; alguém que tenha o golpe de asa de proporcionar o conforto na velhice, em vez da desertificação doentia que tem sido promovida e, decerto, outros amanhãs virão a florir na terra sagrada do pão.

algumas questões pós-Covid

A «realidade Covid» torna desnecessário qualquer comentário ou pronunciamento actual sobre esse mesmo assunto.

No entanto e logo depois de ultrapassarmos a pandemia – que algum dia será – digam-me, por favor:

1 – Alguém vai preocupar-se com o número excessivo de alunos por turma nas escolas públicas, de que nos queixámos há cerca de uma vintena de anos?

2 – E aos professores, não será de equacionar uma nova política de remunerações mais condignas?

3 – Aliás, remunerações condignas, sendo algo que afecta quase todos os portugueses e demais trabalhadores, em Portugal, abaixo do cargo de director (que estes têm uma «lógica» toda particular), com uma incidência muito especial, como agora se vê, em médicos e enfermeiros dos serviços públicos, PSP, GNR, bombeiros, etc., não será preocupação prioritária no País pós-Covid?

(Só para evitar que desarvorem todos para os «países ricos», conforme conselho do Passos Coelho, contribuindo para as carências de que agora penamos…)

4 – Será, então, esse tempo novo, a altura para o Estado, numa verdadeira política de integração e protecção social, chamar a si a responsabilidade exclusiva da criação de centros de acolhimento e tratamento, a nível nacional, para a velhice desvalida ou enferma, para acabar com a negociata em que se transformaram os «lares de terceira idade» legais e ilegais?

  • Sim, porque a actual situação calamitosa dos incontáveis e incontroláveis surtos pandémicos em lares advêm, exactamente, da «pelintrice» endémica em que vivemos: deficientes ou más condições de alojamento e de tratamento, a par de serviços de profissionais técnicos mal pagos que, para sobreviverem, têm de andar a fazer «perninhas» em várias instituições.

Respigo de uma entrevista recente de Manuel Lemos, Presidente das Misericórdias – de que se aconselha vivamente a leitura integral no jornal I – o seguinte:

«Se não existir uma alteração da sociedade portuguesa em relação às políticas de envelhecimento – e temo que não haja – a situação mantém-se. Não é só alterar as políticas dos lares, é a política do envelhecimento. As pessoas que estão nos lares são cada vez mais pessoas com demência. Se uma pessoa é idosa, mas está lúcida, a família, mesmo com muita dificuldade, consegue mantê-la em casa. Mas se essa pessoa tiver demência não pode. É por isso que é imperioso que o Estado português olhe para as políticas de envelhecimento em Portugal, caso contrário, isto é cíclico. Cada vez que aparecer um vírus qualquer, a situação repete-se

E quem vier com a argumentação do «País pobre», pense primeiro no dinheiro que já pagou para o resgate dos diversos bancos… a troco de nada.

Se, por outro lado, pretender que agora não estamos em tempo de nos preocuparmos com isso, pergunte a si mesmo para quando essa oportunidade.