crónicas de um reformado já muito para lá de um ataque de nervos (II)

Crónica 5

Magnífica a avenida, a caminho da praia. As árvores, frondosas, dão-lhe sombra e beleza no Verão e uma nostalgia estética no Inverno.

Os passeios, largos como é raro ver-se, já serviram para construir, de um dos lados, uma ciclovia de duas pistas por onde circulam os peões. No lado oposto, no passeio destinado aos peões, circulam as bicicletas, as trotinetas e, ocasionalmente, alguns peões.

Esta obsessão por prevaricar é um fenómeno que registo sempre com perplexidade misturada com um certo enlevo.

Ah, o quanto eu daria para poder circular, naquela avenida, a caminho da praia, preferencialmente de tanga e saltando de galho em galho, atordoando os ares com um sonoro ohuhouhohuooo….

Crónica 6

Já sei que esta minha divagação não vai ser nada popular mas, enfim, opiniões são opiniões e, tal como algumas maleitas, cada qual tem as suas e pronto.

Vem isto a propósito daquela coisa antiga, que nos preocupava tanto, enquanto jovens, e que se chamava coerência.

A rapaziada que anda, por aí, muito preocupada com a crise climática e esvazia pneus e borra quadros e pinta ministros nunca terá nada a dizer perante os descomunais navios de cruzeiro, as inúmeras e constantes competições motorizadas, os festivais aéreos e terrestres, a movimentação alucinada de turistas pelo mundo fora, etc., etc., etc.?

Eu sei que estas coisas não são nada populares, como digo acima, e beliscam interesses temíveis, mas metem-se de tal maneira pelos olhos dentro que a omissão dos supostos rebeldes acaba por se tornar demasiado suspeita, quando não óbvia.

Aqui fica, à consideração de espíritos mais lúcidos, combativos e mais coerentes.

Crónica 7

Montenegro propõe que o problema dos seis anos roubados aos professores seja resolvido nos próximos cinco anos.

Está bem… Como foi o PSD que retirou indevidamente aquele tempo aos professores, este rebate de consciência não lhe cai mal. Só se percebe mal que algo que foi retirado de um dia para o outro e violando contratos sociais, demore agora tanto tempo a ser reposto.

E quem diz aos professores, dirá também aos… e aos… e, ainda, aos…

Crónica 8

Não percebo. Cobrar uma taxa, na restauração, por um prato partilhado?

Não seria mais transparente criar, por exemplo, meia dose ou, até, um quarto de dose, com os respectivos preços, anunciados nas respectivas ementas?

Estamos a reinventar a roda?

Este gente é muito complicadinha…

crónicas de um reformado já muito para lá de um ataque de nervos (I)

Crónica 1

Novidade importante para quem esteja em condições de fazer meninos: se o fizerem por estes dias irão ter a licença parental a tempo de assistirem ao mundial de futebol, em casa.

Isto acabei eu de apurar num anúncio que está a passar nas televisões.

Claro que, acabado o mundial, as crianças-pretexto poderão ser descartadas. Não sei se já estão previstos e contemplados saquinhos autárquicos para o efeito…

Depois, queixamo-nos da ausência de valores na sociedade…

Crónica 2

Um concerto divulgado por uma câmara municipal. Tentativa de reserva de lugares para esse concerto através de número indicado pela mesma câmara. – Ah, não… para esse concerto terá de ligar para o 1820. – Muito obrigado. – Está, sim? Olhe, eu queria reservar bilhetes para o espectáculo x, que ocorrerá em tal sítio, no dia assim-assado. – Ah, pois, mas nós não temos esse concerto comercializado nos nossos serviços. Terá de enviar uma mensagem para o email tal-e-coiso@xpto.com. – Muito obrigado. Assim farei…

De súbito, trás-catrapás! A chamada que acabou de fazer vai custar-lhe este mundo e o outro, porque esse recurso não faz parte do seu pacote.

Eu sempre digo que, estas coisas, quando envolvem pacotes, não são de fiar…

Crónica 3

Cidadão atento, idoso e cuidadoso, decidi aderir, desde a primeira hora e tendo em vista a minha qualidade de vida, ao anunciado programa de vacinação em curso.

Dirigi-me à farmácia mais próxima e informei a simpática jovem que me acolheu que pretendia inscrever-me para a vacina contra o aumento do preço da energia e dos combustíveis.

A jovem, depois de estar a olhar fixamente para mim durante cerca de dois minutos, informou-me de que essas vacinas estão, ainda, atrasadas mas eu que estivesse tranquilo pois ela iria ligar para uma tal von der Leyen – que deve ser a dona da farmácia… – e que me informaria logo que tivesse notícias.

Isto, sim, é um bom serviço público. Agradeci, encarecidamente, à simpática jovem e regressei a casa, feliz por ter nascido.

Crónica 4

Passeando-me, amiúde, por uma praia de belo areal (com incidência no IMI) e deparando com grande profusão de almas nobres que levam os seus animais de estimação – leia-se cãezinhos, canzarrões e vira-latas – a tomar o seu solzinho bronzeador e consequente mergulho nas salsas ondas (estou a referir-me aos animais, claro, que para os donos a água tem andado um bocado fria), apesar dos letreiros que nos avisam – pelos vistos não a todos mas só a alguns – que tal benfeitoria é proibida, dei por mim a pensar porque não seguir tão belo exemplo e facultar aos meus protegidos tal benesse.

Isto porque ou prevaricamos todos ou haja moralidade… e os meus bichinhos têm, tal como eu, iguais direitos em relação aos demais.

Com a minha gata, fora de hipótese. Demasiado senhora do seu focinho, declarou guerra a qualquer trela, quase morrendo enforcada na nespereira, para a qual fugiu espavorida, quando lhe coloquei tal adereço, rapidamente se enleando na galharia onde ficou pendurada…

Mas já a vaca Aldegundes me pareceu uma boa alternativa. Animal pachorrento, cordato e cordial, tirando uma ou outra satisfação de necessidades em público, nunca me deu razões de queixa comportamentais.

À cautela e antes de me meter à aventura, avisei alguns amigos com quem tenho trocado impressões sobre esta matéria, em busca de alguma solidariedade para esta minha decisão.

E foi assim que a referida praia de súbito se engrandeceu.

A Aldegundes desunha-se pelo passeio na rebentação, imagino que seja pela salsa massagem recebida nos fartos úberes que lhe dá aquele ar de vaca feliz, tão procurado por políticos e afins. Mal chegamos ao areal e ala que se faz tarde!, sai em correria desarvorada, comigo a reboque, pelo mar adentro.

Agora o que vocês não imaginam é que deparei com o Toríbio que não fez a coisa por menos: passeia com o Reco-Reco, o seu porco de estimação, a quem ensinou a andar de bicicleta e ei-los, ambos, no alto do paredão, a acenar aos amigos, enquanto fazem uma gincana pelo meio dos passantes, para grande gáudio dos mesmos, mesmo os atropelados.

Já o Asdrúbal se compraz, com o seu cágado Aparício, a surfar as esplêndidas ondas que as recentes marés vivas têm proporcionado. E não é que, desde que decidiu trazer o Aparício, o Asdrúbal, orientado pelo bichinho, já consegue fazer uns tubos dignos de causar inveja a qualquer McNamara de trazer por casa?

A Dulcineia, que andava angustiadíssima pela ausência reiterada de espectáculos, resolveu trazer as suas pulgas amestradas que, mal chegadas ao areal e em presença de tanto canídeo disponível, têm feito piqueniques a perder de vista, em verdadeiras transfusões de sangue a céu aberto.

Estou a pensar contactar o Vitorino no sentido de ele nos trazer a sua burricada até ao dourado areal… e aí é que vai ser! Ainda organizamos um desfile! E, se calhar, enchemo-nos todos de moscas, que o tempo a isso está favorável.

Meus amigos, tenhamos presente que, em boa verdade, a praia é de todos… Enfim, excepto ali para os lados de Tróia onde, pelo menos, em certos locais, parece que é só de alguns.

diário breve de um pró-testante

( = indivíduo que está em vias de se submeter a um teste)

Isto está uma maçada. Depois de estar três dias para tentar fazer um teste à Covid sem conseguir chegar a ser atendido, tal o tamanho das filas de espera nos postos disponíveis na cidade, e de ter tentado, sem êxito, em duas urgências hospitalares, invocando dores de cabeça e, até, de barriga, decidi que hoje é que tinha de ser.

Assim, levantei-me às cinco da manhã e, às seis, já estava na fila do posto de testagem mais próximo de casa. Felizmente, hoje não chove. À minha frente estavam só uma família de cidadãos brasileiros que querem regressar ao Brasil e quatro jovens austríacas que tiveram de passar esta noite na rua, por não serem aceites no «hostel» onde tinham reserva, sem apresentarem teste válido.

Meia-hora depois, já a fila parecia uma autêntica bicha, com cerca de duzentos metros de gente, ansiosamente à espera do mesmo.

Às nove horas, já o movimento da feira, ali ao lado, estava em grande, quando abriu o centro de testagem e cerca de um quarto de hora depois já eu estava despachado, aguardando apenas o resultado, já do lado de fora…

Veio, então, uma senhora muito simpática que me informou de que estava tudo bem, com o teste negativo.

Pronto. Agora já posso ir à feira comprar umas coisitas que ainda me faltam para a passagem de ano. Depois vou ao supermercado para ver se ainda apanho umas gambas e duas garrafas de Raposeira. Não esquecer o bolo-rei e as passas na mercearia da rua, que já estão encomendados. De caminho, compro os jornais e as revistas para este fim de semana prolongado e bebo o cafezinho da praxe no café da esquina, onde sempre se trocam dois dedos de conversa com os «residentes» habituais.

Isto, parecendo que não, mas uma pessoa fazer o teste dá-nos muito mais tranquilidade…

Então, votos de um feliz ano novo para todos e com muita saúdinha, sim?

ora, brinquemos, pois… (na quadra natalícia)

Diz-me o feicebuque: “Jorge, encontra alguém que goste de ti por aquilo que és. Junta-te às 5.000 pessoas solteiras que estão a marcar encontros em Cascais”.
Isto só pode ser uma partida daquela personagem que nós sabemos que não existe, o tal de Pai Natal.
Mas, agora, fiquei com um problema: será que conheço muita gente que gosta de mim por aquilo que eu não sou? E, com os constrangimentos anunciados por António Costa, como é que vou juntar-me a 5.000 almas solteiras, em Cascais, estando eu casado?
O feicebuque anda com o algoritmo marafado, é o que é…

Acabado de ouvir num centro comercial perto de si:

  • O cavalheiro importa-se de não invadir os meus 5 metros quadrados?
  • Minha senhora, com o devido respeito, quem invadiu os meus foi a senhora…
  • Desculpe, mas eu já estava junto a esta prateleira, só que o artigo está muito alto e desequilibrei-me.
  • Pois… não sei. Mas agora como é que vamos resolver isto? Sempre é a saúde pública que está em risco… O melhor é chamar o segurança.

Isto da conversa politicamente correcta tem os seus quês.
Por exemplo, o défice cognitivo, querendo significar algum padecimento mental…
Eu tinha sempre défice cognitivo quando recebia uma negativa numa qualquer prova escolar.
Isto não está fácil…

Acabadinho de ouvir no noticiário da SIC, de um repórter de serviço: “… e se dúvidas houvessem…”.
Não, carais! É HOUVESSE, gente.
Chiça, que se errar é humano, errar demais é desumano!

Até que enfim, tropecei numa notícia positiva.
Andava eu acabrunhado com o desaparecimento dos bidés das actuais casas de banho, sem saber como providenciar, nessa ausência, necessidades higiénicas elementares, e eis que descubro as “smart toilets”, equipadas com uns “multiclean advance square”, que fornecem jacto de água quente, limpeza a seco das partes pudendas…. e sei lá que mais!
Parece que os homens precisam apenas de ter cuidado para não carregar no botãozinho, com legendas em inglês, que se destina à remoção de pensos higiénicos.
A tecnologia é linda…!

a ti, Porto
(apontamentos de viagem)

Tu sabes que eu te visito pouco. Trago saudades que, depois, levo. Mas sinto a falta, de longe em longe, da neblina que vem do rio e daquele «timbre pardacento», do Carlos Tê, que faz lembrar um portal do tempo a transportar-me para lá da vida.

Então eu cá venho, de longe em longe, pagar tributo de nascimento. A ver o Douro encrespar-se ao mar, espreitar furtivo e malicioso as pernas das pontes todas que o vão cruzando. O casario a vê-lo passar, espreitando-o por mil janelas, ora dourado, a fazer jus ao nome, ora eivado de tons de azul, em diálogo de nuvens, e carreando barcos que levam tantos turistas quantas as pipas que, antes, traziam.

Rabelos sem velas desvendam as tuas margens, mas não mostram os teus segredos. As carqueijeiras a penar íngremes ladeiras. A canalha a mergulhar no rio à cata das cinco coroas lançadas por mão pródiga, quando não do mísero tostão. O vozear das crianças, nas «ilhas», a modos que creches de aflição, ou o menino de pé descalço que cantava, pelas esquinas, acompanhado pelo pai, com uma guitarra velha, e vendendo as letras, para arrecadar os tostões da sobrevivência. As lavadeiras a ensaboar as tuas águas de conversas brejeiras e palavrão de exorcizar pecados velhos, a perna ao léu que tinha sempre mirones a apreciar. As cheias, que subiam pelas casas acima, na zona ribeirinha, e que eram tanto espectáculo como aflição de rotina. A faina do rio, com o Gastão, pelo meio do enredo, a salvar vidas ou a resgatar corpos…

Quero confessar-te que nada tem de nostalgia esta minha conversa. Mas, mal atravesso uma das várias pontes que me fazem chegar a ti, estas memórias saltam-me, recorrentes. E que lhes hei-de eu fazer? Contrariá-las? Nem pensar… E, depois, eu fazia-me de quê?

  • Jorge Castro
    15 de Setembro de 2021

um copo de água não se nega a ninguém.

Estou a pensar que isto de viver num concelho que ganhou a fama de ser o mais chique de Portugal – ainda se lembram do termo? – tem, no entanto e nos entrefolhos dos interesses instalados, muito que se lhe diga e nem tudo é abonatório do estatuto.

Seria longa e fastidiosa a conversa, por isso vou encurtar. Falemos de água ou, mais exactamente, da facturação das Águas de Cascais, S.A., que é uma daquelas empresas privadas vá lá a gente saber porquê.

Nem tecerei grandes comentários. Deixo apenas um extracto da última factura recebida. Consumo real, lido e facturado, correspondendo a 60 dias: 3 metros cúbicos. Valor a pagar 36,11 €.

Estou a pensar muito seriamente em fazer um contrato de abastecimento com uma empresa de água mineral.
A chatice é que, alegadamente, no interesse da saúde pública e pela letra da lei, sou obrigado a ter um contrato com as Águas de Cascais.

Por acaso ou por razões de mau feitio, uma legislação que me obriga a ter um contrato com uma empresa privada, sem concorrência, também é uma história para a qual ainda hei-de pedir a um entendido que me faça um desenho para perceber melhor o conceito, que isto da idade anda a tirar-me muito discernimento…

Deixo-vos, então, o tal extracto que é um tratado de fintas e malabarismos dignos de um Cirque du Soleil.