Dia Internacional da Mulher…
Para que serve? Quem o quer?

Há cerca de vinte anos escrevi um poema longo, não propriamente dedicado à Mulher mas, antes de mais, à condição feminina. Para os corajosos ou muito pacientes, aqui fica:

O QUE EU SEI SOBRE A MULHER

tentei aprender nos livros
no diz-que-diz dos amigos
o que seria a mulher
isso mesmo: a mulher!

ouvi falar de beleza
sensualidade
ternura
li muito sobre a tristeza
o sofrimento
a amargura
nos poetas eu colhi flores feitas madrigais
onde a mulher é uma nuvem
ou é mar
ou nunca mais

soube também da notícia do lume
que o ciúme ateou nuns olhos doces
e que assim – quem diria?
feriram como punhais
mas segundo me constou
nesse entrecruzar de vidas
não houve sangue nem gritos
nem sequer amores aflitos
talvez só amor demais

pedi também à floresta
ao mar
às altas montanhas
que me ensinassem depressa
– estão cá há tanto tempo –
de que se faz o sorriso
fugaz
doce ou impreciso
que diviso fugidio no rosto de uma mulher

cheguei a pedir às nuvens
que perguntassem por mim
ao céu e ao firmamento
a cada sol
cada lua
o que seria a mulher
pouco mais vim a saber…

de uma tal nebulosa de que falar nem ouvira
chegou-me mais incerteza
de que a mulher como ela seria uma nebulosa
feita de aromas de rosas e salgada água do mar
algum sorriso que houvera não passara do que era
fora sorriso de amar
talvez até desamor
era tudo e nada mais

passei pelo fogo
pela água
pela terra e pela mágoa
tentei que alguém me dissesse
desse ser que anoitece e que gera madrugadas
ouvi apenas silêncios temperados de mistérios
ouvi sonhos muito leves
ouvi olhares e mais nada

por fim
estando assim perplexo
foi a mim que perguntei
não desta
daquela ou d’outra
mas de uma qualquer mulher
seria alguma magia?
obra de arte
uma pintura?
uma entrançada urdidura
de rara tapeçaria?
seria o riso das flores?
seria a fúria dos mares?
ou a dor desses lamentos
que eu tanta vez pressentia
ao ouvir a voz dos ventos?

talvez nada
talvez tudo

e de repente nasci do ventre da minha mãe
e de repente senti todo esse amor imenso
que nos faz doer o peito num enlevo de paixão
e que faz erguer do chão a solidão pressentida

da mulher que se faz mãe
e da mulher que é amante
o seio me deu a vida e quase no mesmo instante
foi ele que me deu guarida
de repente percebi a falta que me fazias
a sem-graça que seria se no mundo não houvesse
nada que se assemelhasse ou sequer se aproximasse
ao teu sorriso, mulher..

muito bem
estou convencido
nesta pele em que eu habito nasci homem – é um facto
mas por tanto que me falta
de bom grado eu admito
que se me dera escolher
não sei se logo ao nascer
e sabendo o que hoje sei
não seria mais sensato
porventura mais bonito
preferir nascer mulher.

Jorge Castro
04 de Março de 2003
(in Contra a Corrente, ed. Apenas Livros, 2005)

carnaval à portuguesa

E vivó Carnaval! Há uns dias fiquei de publicar por aqui, a pedido de várias famílias, uma brincadeira carnavalesca, em forma de poema, que fiz, já há uns anitos, mas que me parece não ter perdido muita actualidade. Cá fica, então, para cumprimento de promessa:

Carnaval à portuguesa

Lucinda veio a terreiro
trouxe um corpete ligeiro – saia curta – perna ao léu
no treme-treme da dança
treme o seio – treme a esperança
treme quanto Deus lhe deu
e no mar de lantejoulas entrevê o seu Honório
exibindo as ceroulas do avô que já morreu
– que em acabando a folia hão-de tratar do casório
tal qual ele lhe prometeu –

e a turba já se atordoa c’o trio eléctrico à toa
num espavento de som
que vindo lá dos brasis espanta os nossos civis
que aquilo sim é que é bom

Lucinda agita este corso
seio à mostra mostra o dorso – dá à pernoca com alma
haja calma – haja calma
grita o agente aflito agarrando um expedito
que corria no asfalto p‘ra tomar Lucinda a salto
que pernoca assim mostrada perturba a rapaziada
no desvendar do mistério
deixem lá que é Carnaval ninguém leva nada a mal
nem nada é caso sério

Lucinda toda ela vibra mostrando bem de que fibra
é o corpetinho de lã
e no cume do collant onde a saia acaba a racha
por lá se perde e se acha a rendinha da cueca
que desponta em cada passo queimando qual alforreca
um olhar sem embaraço

pretinha assim rendilhada no contraforte da meia
meia-volta volta e meia deixa a malta entusiasmada
quais brasis nem qual Veneza
assim sim à portuguesa
uma coxa bem mostrada

e as plumas do pavão em frente ao seu coração
vibram mais porque afinal
em tempos de Carnaval no tempo amargo de crise
o que o corpete desvenda é dádiva – não está à venda
dá de si o que ela entenda
enche um olhar que precise.

Jorge Castro

no 20º aniversário do Sete Mares

2023. Este foi o ano que passámos e no qual imprimimos a nossa marca, efémera, imprecisa, de relevância sempre subjectiva. Mas nossa e única.

A Terra girou sobre si mesma e em redor do Sol como sempre o fez, antes do nosso aparecimento. E assim se manterá depois de, inevitavelmente, abandonarmos esta nossa presente materialidade.

2024, o novo ano, aí vem. No fundo, nada se alterará significativamente no plano universal. Apenas os nossos actos poderão ser diversos e qualitativamente diferentes, assim nos valha o livre arbítrio.

Para quê? Ora, cada um saberá do seu caminho. Mas se o trilhar de mãos dadas com o seu semelhante, estou em crer que essa transcendência fica bem encaminhada.

Então, aqui ficam os meus votos de um bom ano novo para todos os humanos de boa vontade!   

Natal 2023
um brinde aos meus amigos

daqui segue o meu afecto
brindado com um bom Porto
ergo o meu copo bem certo
de ao manifesto dar corpo

passaste na minha vida
um pouco por mero acaso
mas ficou reconhecida
a vida por esse caso

se não for mais o Natal
do que um mero solstício
que ele nos deixe o sinal
de ensaiar um novo início

que te sirva como a mim
p’ra descobrir universos
num voto que deixo assim
nesta quadratura em versos.

  • Jorge Castro
    24 de Dezembro de 2023

Natal 2023

Boas festas, festas boas…!

Vai este meu arremedo de poema ao vosso encontro, esperando encontrar-vos de boa e duradoura saúde e com a força anímica necessária e suficiente para fazer da vida o que ela tenha de melhor para vos (nos) oferecer.