Sendo este um  espaço de marés, a inconstância delas reflectirá a intranquilidade do mundo.
Ficar-nos-á este imperativo de respirar o ar em grandes golfadas.

Pico – Açores – Setembro de 2021 – A saga (fotográfica) – I

Recepção, à chegada do voo da SATA
Vista da janela do meu quarto – possibilidade de sonhar acordado.
(São Jorge em fundo)
Primeiro visitante autóctone, a anunciar a exuberância das flores.
Segundo visitante autóctone, agora em chão de lava.
O bucolismo das paisagens… A calma fresca do ar que se respira… Ah, Açores, prouvera que não permitisses que o turismo que tudo destrói te destrua.
Esta simpática veio averiguar se não estragávamos o que estava.
Na Lagoa do Capitão, a resistência das árvores.
Não há bela sem senão. Nos Açores, a conteira (Hedychium gardnerianum) é uma planta invasora cuja proliferação prejudica grandemente a flora autóctone. Ainda assim, e seguindo a pujança que as flores mostram por aquelas paragens, é de uma beleza apelativa.
Na Lagoa do Capitão, com o Pico ao fundo e à esquerda, encoberto pelas nuvens, uma involuntária guardadora de patos mudos partilhou um pão com o bando… Foi amor à primeira vista!
Sua excelência, o Pico, e o seu inseparável Piquinho são personagens caprichosas. Surgem aos olhos da populaça apenas quando lhes dá na veneta… E bem podemos estar uma hora de cabeça no ar à espera do momento, que é tempo perdido. Aqui, piscou-me um olho e logo desapareceu no seu manto de nuvens.
Creio bem que, quando alguém fala de vacas felizes, deve estar a referir-se a estas criaturas, que são uma constante, deambulando por toda a ilha.
Na vila da Madalena, a homenagem do município e do povo do Pico aos Homens do Canal, na pessoa de Gilberto Mariano da Silva.
(Ver pormenores em https://acores.fandom.com/wiki/Gilberto_Mariano_da_Silva).
Em fundo, a Igreja de Santa Maria Madalena.
Vista geral do interior da Igreja de Santa Maria Madalena, na vila de Madalena.
Os moinhos de vento, de origem flamenga, pontuam a paisagem do Pico. A sua cor vibrante, na paisagem, destaca-os e transporta-nos para vivências não muito longínquas…
Na imagem, o moinho do Saca, no porto da Madalena.
O moinho do Frade, na Canada do Monte (freguesia de Criação Velha), rodeado pelo modo peculiar de cultivo da vinha, na ilha do Pico
Vista parcial do sistema de cultura da vinha na freguesia de Criação Velha, mas existente por toda a ilha.
Bilhete postal do ancoradouro da Madalena, com vista para o Faial.
A quase imprescindível visita ao Cella Bar, na Madalena. Bons petiscos, bons vinhos, magnífica vista… e convém levar uma carteira razoavelmente recheada, principalmente em dias de sol.
Vista parcial do interior do Cella Bar. Original e aprazível.
Bonecos confeccionados com folha de dragoeiro – outra originalidade.
Imperativa a visita ao Museu do Vinho, também na Madalena, para quem pretenda ter uma noção do trabalho ciclópico do cultivo da vinha naquele chão de lava.
No exterior do Museu, uma plataforma que, para além de uma paisagem soberba, permite apreciar, de alguma altura, a construção labiríntica de um «campo de cultivo».
Ainda no exterior do Museu do Vinho, a magnificência insólita dos dragoeiros.
Vá lá… não se trata de nenhum dragão de Komodo… Mas, ainda assim, trata-se de um dragãozinho de-qualquer-modo.

a ti, Porto
(apontamentos de viagem)

Tu sabes que eu te visito pouco. Trago saudades que, depois, levo. Mas sinto a falta, de longe em longe, da neblina que vem do rio e daquele «timbre pardacento», do Carlos Tê, que faz lembrar um portal do tempo a transportar-me para lá da vida.

Então eu cá venho, de longe em longe, pagar tributo de nascimento. A ver o Douro encrespar-se ao mar, espreitar furtivo e malicioso as pernas das pontes todas que o vão cruzando. O casario a vê-lo passar, espreitando-o por mil janelas, ora dourado, a fazer jus ao nome, ora eivado de tons de azul, em diálogo de nuvens, e carreando barcos que levam tantos turistas quantas as pipas que, antes, traziam.

Rabelos sem velas desvendam as tuas margens, mas não mostram os teus segredos. As carqueijeiras a penar íngremes ladeiras. A canalha a mergulhar no rio à cata das cinco coroas lançadas por mão pródiga, quando não do mísero tostão. O vozear das crianças, nas «ilhas», a modos que creches de aflição, ou o menino de pé descalço que cantava, pelas esquinas, acompanhado pelo pai, com uma guitarra velha, e vendendo as letras, para arrecadar os tostões da sobrevivência. As lavadeiras a ensaboar as tuas águas de conversas brejeiras e palavrão de exorcizar pecados velhos, a perna ao léu que tinha sempre mirones a apreciar. As cheias, que subiam pelas casas acima, na zona ribeirinha, e que eram tanto espectáculo como aflição de rotina. A faina do rio, com o Gastão, pelo meio do enredo, a salvar vidas ou a resgatar corpos…

Quero confessar-te que nada tem de nostalgia esta minha conversa. Mas, mal atravesso uma das várias pontes que me fazem chegar a ti, estas memórias saltam-me, recorrentes. E que lhes hei-de eu fazer? Contrariá-las? Nem pensar… E, depois, eu fazia-me de quê?

  • Jorge Castro
    15 de Setembro de 2021

Jorge Sampaio

(Lisboa, 18 de setembro de 1939 – Carnaxide, 10 de setembro de 2021)

Quando nos lamentamos por ausência de valores ou de referências nas nossas vidas que possamos transmitir às gerações vindouras, para além de nos auxiliarem a nós próprios a trilhar a dureza dos dias, lembremo-nos de um nome, que é um exemplo maior:

JORGE SAMPAIO

um poema talvez nostálgico

  • o que, por vezes, pode acontecer a qualquer um

cada verdade cria sob os nossos pés
o terreno instável espelhando estrelas
mas avançamos inseguros
sempre imprudentes
resvalando em covas de dimensão ignota
atolando-nos no pântano das convicções profundas
de onde emergimos por vezes inteiros
por vezes mais sábios
por vezes mais néscios
e criando deuses
que são como árvores entre neblinas
na nua paisagem
a anunciar guarida de incerta certeza
ou fogos fátuos
como faróis em costas de rochas agrestes
que se apagam prestes à chegada ao porto
para que o destino seja tremendo e incerto
e ainda assim lá vamos
um passo atrás de outro e outro depois
em busca do tempo
que passa por nós sem deixar aviso
e que nos vai deixando ficar para trás
para que o persigamos
para que o alcancemos
naquela utopia a que chamamos vida
onde todos corremos sem olhar para trás

e assim nunca vemos
aqueles que correm atrás desse tempo
connosco irmanados e tão lado a lado
que chega a parecer um só elemento
que infinitos espelhos replicam até
parecer – a quem queira olhar bem para ver –
haver um só corredor
chamado Humanidade.

  • Jorge Castro
    03 de Setembro de 2021

tu

TU

  • num dia em que dediquei uma manhã inteira a ouvir algumas das canções da minha vida, uma homenagem a todos quantos fazem da canção uma flor, uma ilusão e um combate

tu
meu amigo de sempre e meu irmão
que empunhas a canção
que me transporta
com a flor
a ilusão
e o combate
mas que vibra sempre em mim
pelo tempo fora
dás-me um mundo melhor para viver
e o sonho
de sonhar bem acordado
tu
serás para sempre a luz na treva
a esperança em cada novo amanhecer
mesmo no tempo de morte
e de desnorte
a vibrante evocação de acontecer
a emoção
que vem do fundo de nós
o arrepio
de sempre valer a pena
ser
estar
permanecer
na firmeza indefectível
do viver
a ti
agradeço então
essa canção que me trouxeste
e o quanto do que sou
a ti o devo
a ti
e à canção que me transporta
com a flor
a ilusão
e o combate
na alegria indefectível
de viver.

  • Jorge Castro
    21 de Agosto de 2021

Viva José Afonso!

Em 02 de Agosto de 1929 nasceu José Afonso.

Dele e do seu imenso legado musical e político eu e tantos já dissemos muito e outro tanto haverá a dizer, assim nos sobre engenho e arte.

Deixo aqui uma dessas simples homenagens de minha autoria que lhe dediquei, em projecto de Ernesto Matos – «25 Poemas para o Zeca» – e que viva o José Afonso!

A JOSÉ AFONSO – POR TER BARCOS POR TER REMOS

não havia qualquer som na neblina
que pairava densamente na cidade
quando amar era névoa clandestina
e balada só rimava com saudade

mas ergueu-se uma voz
doutras seguida
uma voz de cantar
a voz erguida
deste chão só de sombras e degredo
este chão e esta voz que desgarrada
soube ser
e crescer
e ser amada
essa voz que cresceu só contra o medo
essa voz que acordou a madrugada.

  • Jorge Castro
    06 de Março de 2012

exortação

não cales o que sabes
meu amigo
porque morrerá contigo
o quanto sabes saber
e o que sabes nem é teu
pois houve tantos que o deram
outros tantos o emprestaram
só para te ver crescer
lembra também o suor
e o sangue derramado
o labor de cada dia
em cada dia passado

há a imensa maravilha
de termos certa a certeza
de homem algum ser uma ilha
mas promontório natural
e ser maior seu tamanho
quanto maior o empenho
em ter o irmão seu igual

não cales o que sabes
meu amigo
que a prisão de um pensamento
rouba-te à vida o alento
e ficas só
sem abrigo

dá-nos de ti a pintura
o poema
a partitura do que melhor te aprouver
um chiste
porventura a escultura
o romance em cantochão
de amor ou de amargura
mas de sentir um coração
a bater
sempre a bater

temos pouco tempo
amigo
de viver
só por viver.

  • Jorge Castro
    01 de Agosto de 2021

a espuma dos dias e o Portugal dos pequenitos

Ainda a propósito de Otelo Saraiva de Carvalho e dos mitos fascistóides que foram levantados à sua volta, no que respeita ao seu alegado envolvimento com as FP25, alguns dados:

  • O julgamento das FP25 terminou no dia 7 de Abril de 2001, no Tribunal da Boa Hora, em Lisboa. Otelo foi ABSOLVIDO no processo pelo colectivo de juízes da 3a Vara Criminal da Boa Hora.
  • O indulto de Mário Soares, em 1991, destinou-se apenas a minorar o erro judicial que manteve Otelo preso preventivamente durante mais de 5 anos.
  • A amnistia para as FP25, ocorrida em 2004 já não tem, portanto, nada a ver com Otelo.
    Todos estes dados estão disponíveis um pouco por toda a parte. Reiterar na falácia é falsear a nossa História recente. E isto vale para o Observador, para o Expresso e para quantos articulistas andam a propalar deliberadamente falsidades, criando uma nuvem de fumo que só pode servir objectivos inconfessáveis, ao mesmo tempo que passam um atestado de indigência mental aos seus leitores.

—x—

O direito constitucional ao bom nome e à reputação cessa quando um cidadão morre? Não, pois não?
Então e que tal accionar judicialmente aqueles que acintosa e deliberadamente mentem, até na Assembleia da República, quanto ao passado de Otelo Saraiva de Carvalho?
Afinal, em tribunal ele foi ilibado integralmente.
Será que ainda vivemos num estado de direito? Então…

—x—

Quando ouço dizer que Otelo Saraiva de Carvalho não teve honras de luto nacional, tentando criar um paralelo com a mesma omissão no que respeita a Salgueiro Maia… apetece-me fazer recordar que o falecimento de Salgueiro Maia ocorreu em 1992, ano em que era primeiro-ministro Aníbal Cavaco Silva. O mesmo que lhe recusou uma pensão por relevantes serviços prestados à nação, mas a atribuiu a dois agentes da PIDE/DGS.
Quem é que quer comparar-se a Cavaco Silva?

—x—

O nosso governo anunciou que, após 45 anos do fim da guerra colonial, foi conferido aos antigos combatentes o estatuto de… antigos combatentes (Lei n. 46/2020, de Agosto, e que entrou em vigor em 01 de Setembro de 2020).
Confere, esse estatuto, alguns benefícios, mais do que justificados, em face das pensões miseráveis que grande parte dos ainda sobrevivos auferem. Nomeadamente, isenções de pagamento de taxas moderadoras, entradas grátis em museus e acesso gratuito a passe intermodal.
Já se ouvem os aplausos?
Então, vamos com calma, pois os transportes públicos e não só, alegando desconhecimento, não reconhecem o estatuto, tendo-se já gerado inúmeras situações vexatórias para aqueles que tentaram usufruir desses direitos, até com polícia à mistura.
Eu tenho para mim um preceito, aprendido há muito tempo, segundo o qual ninguém pode invocar o desconhecimento da lei.
Mas, como estamos em Porugal, deve haver umas excepções ainda não devidamente regulamentadas, onde imperam a idiotice e a obtusidade.
Será que nunca mais tomamos andadura?

—x—

O que mais me enerva no Portugal das taxas e taxinhas em que (des)vivemos é o espírito mesquinho que subjaz, quase invariavelmente, a qualquer medida que se anuncie.
Vem isto a propósito do dever de pagamento de imposto nas compras feitas na internet.
Vejamos, eu estou plenamente de acordo que esses bens sejam taxados como todos os demais… e isso já devia acontecer há muito tempo. A medida só peca por tardia.
Dito isto, porque é que os CTT retêm mercadorias cuja transacção se verificou ANTES da nova lei ter entrado em vigor para agora aplicarem a lei, dir-se-ia com retroactividade?
Foram mandatados pela Autoridade Tributária ou é só mesmo excesso de zelo?
Para cúmulo, os interessados apenas apuram essa retenção se contactarem o fornecedor, pois os CTT, até à data, não avisam nada nem ninguém.
Tudo pequenino, pequenino… rasteiro… frustre…

ainda e sempre Otelo Saraiva de Carvalho

Deixo-vos a mensagem de despedida da Associação 25 de Abril, assinada por Vasco Lourenço, «Abração de Abril a Otelo»:

Caros associados

É com enorme pesar que a Associação 25 de Abril comunica o falecimento de Otelo Nuno Romão Saraiva de Carvalho, o Capitão de Abril que, naquele “dia inicial, inteiro e limpo”, o 25 de Abril de 1974, liderou o Posto de Comando do Movimento das Forças Armadas, acção fundamental na vitória sobre uma ditadura de 48 anos que conduzira os portugueses ao obscurantismo, à guerra colonial e à pobreza.
Homem de enorme coragem e generosidade, sempre ao serviço dos seus ideais, com um coração onde cabiam, acima de tudo, os mais genuínos sentimentos da Amizade, serviu Portugal sem se servir, deixa um legado que a memória dos portugueses não esquecerá.
Otelo ficará na História de Portugal como um dos principais Capitães de Abril. O País fica mais pobre com a sua partida.
Como mais pobres ficam a sua Associação 25 de Abril e os seus Amigos.
Os nossos profundos e sentidos pêsames aos seus familiares.
Pessoalmente, vejo partir um grande Amigo, a quem envio um enorme abração de Abril!
Até sempre, caro Otelo

Vasco Lourenço

P. S.
Informamos que o corpo do Otelo será velado na Igreja da Academia Militar (Gomes Freire / Paços da Raínha, Lisboa).
O velório está previsto para o dia 27, terça-feira, e o funeral (cremação) para o dia seguinte, 28, quarta-feira.
Assim que obtivermos informações mais concretas, divulgá-las-emos.

um momento perfeito

Foram poucos, numa vida inteira. Mas cada um deixou marca indelével. De súbito, nada me faltava ou tudo o que tinha me bastava e havia uma sensação perto do irreal a que, se calhar, chamamos felicidade.

Hoje, dedico-lhe um poema.

UM MOMENTO PERFEITO

por vezes um sobressalto
um frémito sem cor nem tom
um sentir falar mais alto
uma razão sem razão
uma inércia em que vogamos
só porque sim e mais não
e vamos só porque andamos
em frente de corpo inteiro
e nem vemos quanto olhamos
e nem pensamos primeiro

um sobressalto por vezes
tantas vezes perseguido
como um salto entre revezes
para além do conhecido
e nada então nos faz falta
nada mais disto ou de nada
como se em qualquer ribalta
toda a vida fosse estrada
e uma certeza ressalta
fazer nossa caminhada

esse é o momento perfeito
onde tudo está mais claro
cada um com o seu jeito
cada um com seu amparo
mas um mar de quietude
nos invade em harmonia
desejos de solitude
com laivos de maresia
tal de um poema a virtude
de nos fazer companhia.

  • Jorge Castro
    25 de Julho de 2021
Todas as coisas têm o seu mistério
e a poesia
é o mistério de todas as coisas
– Federico García Lorca

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