ele é o homem na cidade o homem-voz de um povo inteiro que pela sua voz era diferente
cantor de um fado em dó maior por si sentido por esse povo em sua voz ser renascido a reinventar o amor nas ruas frias da cidade enferma enferma de liberdade até à redenção enferma de saudade até ao coração que a razão cultiva o outro fado do outro lado de toda a vida que há em Lisboa num beco esconso mas corre mundo e corre a vida até ao osso ou à medula do que mais vale
a nossa voz que ele redimiu e reforçou onde a palavra se engrandece de pedra e rosas de andorinhas de uma loucura ao desencanto e as tabuinhas de uma janela feita do espanto que acontece depois do pranto depois da prece quando se ergue a voz do povo onde Lisboa sempre amanhece…
Valendo mais cedo do que tarde, cá vos deixo o meu poema de Natal para 2020. Vai com ele um abraço e um brinde à Vida. E votos para que a vossa saúde esteja forte e para que continuemos a encontrar-nos por aí…
passo por este Natal como se Natal não fosse passo pelo Natal como se nem houvesse pedem-me que viva como se não vivesse – nunca estive preso que agradecesse… –
lá fora choveu está frio e eu vejo pela vidraça que tudo parou mas vendo melhor o Sol o mar o vento a soprar percebo que ao fim nada em mim mudou só este torpor o garrote imenso de mal respirar esse algo indizível que nos rouba o ar
mas passo o Natal como se nada fosse pois que há na Terra a fome e o frio o medo e a guerra que sempre acontece como há o riso o sonho e a vida que já amanhece
quero então que o Natal seja um recomeço e seja também quanto lhe apetece dar passos em frente a caminho da esperança
e que mais não seja – ao longe e muito ao de leve – o primeiro choro de alguma criança nascida a Dezembro deste inverno duro e a mãe que a teve se atreva a erguê-la aos céus deste mundo gritando que ali nasceu o futuro.
o Outono é a cor das folhas sem vida que anunciam o Inverno porque há sempre um propósito naquilo que aconteceu por ter de acontecer como se o inverno não tivesse a superior missão de anteceder a graciosidade da Primavera para então reconfortados nos regozijarmos no regaço do Verão!
Poema e grafismo de Jorge Castro 05 de Novembro de 2020
… após leitura de poemas de «autores consagrados» que li aqui e ali – alguns de vós entendereis melhor o alcance da proovocaçãozinha, mas nem todas as cumplicidades podem ser do mesmo tamanho.
Se, em tempos, escrevi um «pastiche» de José Saramago que mereceu um comentário elogioso do próprio – e acreditem porque sou eu a dizê-lo! – porque não enveredar por caminhos poéticos algo diversos dos que me são habituais? Ora, lede e vede:
A modos que um poema pós-moderno vejo-me daqui ali sem sair de onde estou as cadeiras em meu redor despertam o silêncio dançando um tema de Gardel numa esgrima de pernas tentacular em amontoados de mobília sem sentido o som dolente do tango funde-se numa valsa estranhamente austríaca onde os violinos são como gôndolas venezianas mergulhadas em glaucos abismos de estridências vibrantes e eu e tu sozinhos sob uma aurora boreal pressentimos o desejo do solstício
ah se uma gaivota portuguesmente voasse nos céus de Phuket outro galo nos cantaria na urbanidade de Auckland onde pai e mãe me afagam na derradeira carícia antes da tempestade
somos tão poucos a voar que parecemos todos pequenos vistos da lonjura de estarmos aqui e ali sem sairmos de onde estamos…
– não deixo de me comover com a imagem deste herói solitário, descendo a Avenida da Liberdade, em 25 de Abril de 2020…
Carlos Alberto Ferreira assim mesmo sem mais ser desce a Avenida liberto e a Liberdade é seu nome é o que tem de mais certo que assim se fez ao nascer
desce a passo compassado leva com ele o pendão que dá nome a uma nação e sobre os ombros transporta
leva o pendão em penhor de um destino maior futuro que mais importa
Carlos Alberto Ferreira desce trajado a rigor a Avenida e é senhor da verde e rubra bandeira que nas suas mãos é a flor de em Abril florescer para uma nação inteira.
Jorge Castro – 28 de Abril de 2020
(fotografia da autoria de José Sena Goulão, publicada pela Associação 25 de Abril)