Passam 500 anos e a malta esquece-se de que tem (devia ter…) à mão de semear um dos nomes maiores da poesia mundial.
Também porque a poesia é (pode/deve ser…) um momento de reflexão sobre a vida e nem sempre com flores, rodriguinhos ou mariposas, mas com a nudez crua da verdade.
Relembrem – mas saboreiem cada palavra, se fizerem o obséquio – estas suas breves palavras
Ao Desconcerto do Mundo
Os bons vi sempre passar No mundo graves tormentos; E para mais me espantar, Os maus vi sempre nadar Em mar de contentamentos. Cuidando alcançar assim O bem tão mal ordenado, Fui mau, mas fui castigado: Assim que só para mim Anda o mundo concertado.
se neste Abril plantaste por militância ou bom gosto o teu cravo de esperança rubro vivo em terra amena recorda bem meu amigo que ele viverá apenas se com desvelo o cuidares
que lhe não falte a tua rega nem o sufoquem as ervas daninhas deste penar e seja fecunda a terra enriquecida e criada pelos teus melhores ideais que um cravo tal qual a vida quer-se livre p’ra viver ter raízes e medrar.
Há cerca de vinte anos escrevi um poema longo, não propriamente dedicado à Mulher mas, antes de mais, à condição feminina. Para os corajosos ou muito pacientes, aqui fica:
O QUE EU SEI SOBRE A MULHER
tentei aprender nos livros no diz-que-diz dos amigos o que seria a mulher isso mesmo: a mulher!
ouvi falar de beleza sensualidade ternura li muito sobre a tristeza o sofrimento a amargura nos poetas eu colhi flores feitas madrigais onde a mulher é uma nuvem ou é mar ou nunca mais
soube também da notícia do lume que o ciúme ateou nuns olhos doces e que assim – quem diria? feriram como punhais mas segundo me constou nesse entrecruzar de vidas não houve sangue nem gritos nem sequer amores aflitos talvez só amor demais
pedi também à floresta ao mar às altas montanhas que me ensinassem depressa – estão cá há tanto tempo – de que se faz o sorriso fugaz doce ou impreciso que diviso fugidio no rosto de uma mulher
cheguei a pedir às nuvens que perguntassem por mim ao céu e ao firmamento a cada sol cada lua o que seria a mulher pouco mais vim a saber…
de uma tal nebulosa de que falar nem ouvira chegou-me mais incerteza de que a mulher como ela seria uma nebulosa feita de aromas de rosas e salgada água do mar algum sorriso que houvera não passara do que era fora sorriso de amar talvez até desamor era tudo e nada mais
passei pelo fogo pela água pela terra e pela mágoa tentei que alguém me dissesse desse ser que anoitece e que gera madrugadas ouvi apenas silêncios temperados de mistérios ouvi sonhos muito leves ouvi olhares e mais nada
por fim estando assim perplexo foi a mim que perguntei não desta daquela ou d’outra mas de uma qualquer mulher seria alguma magia? obra de arte uma pintura? uma entrançada urdidura de rara tapeçaria? seria o riso das flores? seria a fúria dos mares? ou a dor desses lamentos que eu tanta vez pressentia ao ouvir a voz dos ventos?
talvez nada talvez tudo
e de repente nasci do ventre da minha mãe e de repente senti todo esse amor imenso que nos faz doer o peito num enlevo de paixão e que faz erguer do chão a solidão pressentida
da mulher que se faz mãe e da mulher que é amante o seio me deu a vida e quase no mesmo instante foi ele que me deu guarida de repente percebi a falta que me fazias a sem-graça que seria se no mundo não houvesse nada que se assemelhasse ou sequer se aproximasse ao teu sorriso, mulher..
muito bem estou convencido nesta pele em que eu habito nasci homem – é um facto mas por tanto que me falta de bom grado eu admito que se me dera escolher não sei se logo ao nascer e sabendo o que hoje sei não seria mais sensato porventura mais bonito preferir nascer mulher.
– Jorge Castro 04 de Março de 2003 (in Contra a Corrente, ed. Apenas Livros, 2005)
E vivó Carnaval! Há uns dias fiquei de publicar por aqui, a pedido de várias famílias, uma brincadeira carnavalesca, em forma de poema, que fiz, já há uns anitos, mas que me parece não ter perdido muita actualidade. Cá fica, então, para cumprimento de promessa:
Carnaval à portuguesa
Lucinda veio a terreiro trouxe um corpete ligeiro – saia curta – perna ao léu no treme-treme da dança treme o seio – treme a esperança treme quanto Deus lhe deu e no mar de lantejoulas entrevê o seu Honório exibindo as ceroulas do avô que já morreu – que em acabando a folia hão-de tratar do casório tal qual ele lhe prometeu –
e a turba já se atordoa c’o trio eléctrico à toa num espavento de som que vindo lá dos brasis espanta os nossos civis que aquilo sim é que é bom
Lucinda agita este corso seio à mostra mostra o dorso – dá à pernoca com alma haja calma – haja calma grita o agente aflito agarrando um expedito que corria no asfalto p‘ra tomar Lucinda a salto que pernoca assim mostrada perturba a rapaziada no desvendar do mistério deixem lá que é Carnaval ninguém leva nada a mal nem nada é caso sério
Lucinda toda ela vibra mostrando bem de que fibra é o corpetinho de lã e no cume do collant onde a saia acaba a racha por lá se perde e se acha a rendinha da cueca que desponta em cada passo queimando qual alforreca um olhar sem embaraço
pretinha assim rendilhada no contraforte da meia meia-volta volta e meia deixa a malta entusiasmada quais brasis nem qual Veneza assim sim à portuguesa uma coxa bem mostrada
e as plumas do pavão em frente ao seu coração vibram mais porque afinal em tempos de Carnaval no tempo amargo de crise o que o corpete desvenda é dádiva – não está à venda dá de si o que ela entenda enche um olhar que precise.
Vai este meu arremedo de poema ao vosso encontro, esperando encontrar-vos de boa e duradoura saúde e com a força anímica necessária e suficiente para fazer da vida o que ela tenha de melhor para vos (nos) oferecer.