A «realidade Covid» torna desnecessário qualquer comentário ou pronunciamento actual sobre esse mesmo assunto.
No entanto e logo depois de ultrapassarmos a pandemia – que algum dia será – digam-me, por favor:
1 – Alguém vai preocupar-se com o número excessivo de alunos por turma nas escolas públicas, de que nos queixámos há cerca de uma vintena de anos?
2 – E aos professores, não será de equacionar uma nova política de remunerações mais condignas?
3 – Aliás, remunerações condignas, sendo algo que afecta quase todos os portugueses e demais trabalhadores, em Portugal, abaixo do cargo de director (que estes têm uma «lógica» toda particular), com uma incidência muito especial, como agora se vê, em médicos e enfermeiros dos serviços públicos, PSP, GNR, bombeiros, etc., não será preocupação prioritária no País pós-Covid?
(Só para evitar que desarvorem todos para os «países ricos», conforme conselho do Passos Coelho, contribuindo para as carências de que agora penamos…)
4 – Será, então, esse tempo novo, a altura para o Estado, numa verdadeira política de integração e protecção social, chamar a si a responsabilidade exclusiva da criação de centros de acolhimento e tratamento, a nível nacional, para a velhice desvalida ou enferma, para acabar com a negociata em que se transformaram os «lares de terceira idade» legais e ilegais?
Sim, porque a actual situação calamitosa dos incontáveis e incontroláveis surtos pandémicos em lares advêm, exactamente, da «pelintrice» endémica em que vivemos: deficientes ou más condições de alojamento e de tratamento, a par de serviços de profissionais técnicos mal pagos que, para sobreviverem, têm de andar a fazer «perninhas» em várias instituições.
Respigo de uma entrevista recente de Manuel Lemos, Presidente das Misericórdias – de que se aconselha vivamente a leitura integral no jornal I – o seguinte:
«Se não existir uma alteração da sociedade portuguesa em relação às políticas de envelhecimento – e temo que não haja – a situação mantém-se. Não é só alterar as políticas dos lares, é a política do envelhecimento. As pessoas que estão nos lares são cada vez mais pessoas com demência. Se uma pessoa é idosa, mas está lúcida, a família, mesmo com muita dificuldade, consegue mantê-la em casa. Mas se essa pessoa tiver demência não pode. É por isso que é imperioso que o Estado português olhe para as políticas de envelhecimento em Portugal, caso contrário, isto é cíclico. Cada vez que aparecer um vírus qualquer, a situação repete-se.»
E quem vier com a argumentação do «País pobre», pense primeiro no dinheiro que já pagou para o resgate dos diversos bancos… a troco de nada.
Se, por outro lado, pretender que agora não estamos em tempo de nos preocuparmos com isso, pergunte a si mesmo para quando essa oportunidade.
Mão amiga fez-me chegar este texto, cuja leitura ponderada recomendo:
«O Aníbal está em confinamento em casa. O Aníbal levanta-se de manhã pelas 08horas e vai passear o cão, porque a lei permite. As 09horas vai levar os filhos à escola porque a lei permite. Pelas 09:30horas vai ao pão porque a lei permite. Às 10h vai fazer exercício, porque a lei permite. Às 11horas vai às compras de bens essenciais, porque a lei permite. Ao 12:30 o Aníbal vai buscar o almoço a um take away, porque a lei permite. Pelas 14horas o cão tem de ir novamente à rua, porque a lei permite e lá vai o Aníbal. Às 14:30 vai ao banco, porque a lei permite. Pelas 16horas vai visitar os seus pais idosos que precisam de companhia, porque a lei permite. Pelas 18h vai buscar os filhos à escola, porque a lei permite. Depois do jantar o Aníbal vai fazer uma caminhada de curta duração, porque a lei permite. No domingo o Aníbal ainda vai á missa porque a lei permite e dia 24 vai votar porque a lei permite. Antes de se deitar o Aníbal recostado na sua poltrona sente-se feliz por ter cumprido a lei mantendo-se confinado. Texto original: Nita»
Talvez pareça cínico, mas o que está descrito é possível, viável e claramente necessário para que a vida se mantenha. Venha daí alguém contradizê-lo.
Se se juntar a isto o desconhecimento das linhas de contágio em 87% dos casos Covid, conforme oficialmente anunciado, em que ficamos?
O «Aníbal» está apenas a fazer o que a lei permite e a sua natureza e circunstância impõem. O único óbice é saber se o «Aníbal» lava as mãos, se usa máscara, se mantém a distância física em cada um dos seus actos… Ou seja, interessa apurar se o «Aníbal» é um cidadão responsável ou se é uma besta.
E a quem compete apurar que tipo de «Aníbal» é o nosso vizinho na fila do supermercado? Um polícia para cada cidadão e/ou um cidadão para cada polícia?
Cá fica, para reflexão confinada ou, numa paráfrase que me parece apropriada: confinados de todo o mundo, uni-vos! Mas com distância física, claro…
Porque há mais vida para além da Covid, dos confinamentos e da mortandade que por aí campeia, deixo uma sugestão de leitura (para quem possa, claro) que reputo do maior interesse, que mais não seja para ajudar a passar o desgraçado confinamento com algo útil.
«O Infinito num Junco – a invenção do livro na Antiguidade e o nascer da sede de leitura», de Irene Vallejo, edição portuguesa da Bertrand.
«Um livro sobre a história dos livros. Uma narrativa desse artefacto fascinante que inventámos para que as palavras pudessem viajar no tempo e no espaço. É o relato do seu nascimento, da sua evolução e das suas muitas formas ao longo de mais de 30 séculos: livros de fumo, de pedra, de argila, de papiro, de seda, de pele, de árvore e, agora, de plástico e luz. (…) É, ainda, uma história íntima entrelaçada com evocações literárias, experiências pessoais e histórias antigas que nunca perderam a relevância: Heródoto e os factos alternativos, Aristófanes e os processos judiciais contra humoristas, Tito Lívio e o fenómeno dos fãs, Sulpícia e a voz literária das mulheres (…)».
450 páginas escritas com ampla mas acessível erudição, com um notável e elegante sentido de humor… enfim, um livro muito aprazível e recomendável para quem considera que a vida é uma constante aprendizagem.
O quanto agradeceria se alguém conseguisse contar-me quantos cabos irradiam deste poste. Pobre poste de madeira, escorado à minha casa sem autorização prévia, começou por irradiar telefonemas em tal profusão que as conversas escorriam poste abaixo, até às raízes de um alpercheiro. Então, quando alguém comia um alperce, ficava a conhecer os segredos da vizinhança… Com menos poesia e estando o pobre ali instalado há cerca de 50 anos, falecidos os velhos cabos telefónicos, foi sendo parasitado por tudo quanto foram e são empresas de telecomunicações que, a cada contrato, instalam um cabo novo… e nunca os retiram quando os contratos cessam, até chegarmos ao despautério que se documenta. Como a artéria não tem passeio, uma vez por outra, alguma viatura de passagem dá-lhe uma porradinha amigável ainda que involuntária. E lá vai ficando a mossa. Um dia, a ordem natural das coisas e as tensões a que está sujeito farão com que este poste venha abaixo. O cabo de aço que o escora fá-lo-á cair nos meus braços. Se eu sobreviver, a quem pedir contas? (Nota, para o caso improvável de alguém responsável por alguma coisa ler este texto, a imagem foi colhida, não em qualquer local esconso do terceiro mundo, mas em Sassoeiros, Carcavelos, Cascais).
ele é o homem na cidade o homem-voz de um povo inteiro que pela sua voz era diferente
cantor de um fado em dó maior por si sentido por esse povo em sua voz ser renascido a reinventar o amor nas ruas frias da cidade enferma enferma de liberdade até à redenção enferma de saudade até ao coração que a razão cultiva o outro fado do outro lado de toda a vida que há em Lisboa num beco esconso mas corre mundo e corre a vida até ao osso ou à medula do que mais vale
a nossa voz que ele redimiu e reforçou onde a palavra se engrandece de pedra e rosas de andorinhas de uma loucura ao desencanto e as tabuinhas de uma janela feita do espanto que acontece depois do pranto depois da prece quando se ergue a voz do povo onde Lisboa sempre amanhece…