liberdade (sobre o tema de «A Lista de Schindler»)

Revisitando «A Lista de Schindler»

A oportunidade das coisas que fazemos é, quase sempre, muito própria e, geralmente, intransmissível. Este quase-poema foi escrito sob a influência do tema do filme, da autoria de John Williams, e das imagens sempre aterradoras de uma realidade que nos está próxima e, lamentavelmente, sempre muito presente: o menosprezo pela vida. Aqui vo-lo deixo:

LIBERDADE (SOBRE O TEMA A LISTA DE SCHINDLER)

quanto tempo há-de passar
oh quanto tempo
quanto rios hão-de secar
até cessarem de se inundar com as lágrimas
da miséria humana?
porque percorremos os bosques
do contentamento
os céus puros
e até as melancolias
dos amantes enternecidos
se mergulhamos depois as mãos no sangue
dos nossos irmãos
por uma fé iníqua
ou pela mera angústia de viver
pelo medo sem sentido
de ser?

a liberdade
flui em cada vida que brota
no eterno retorno da mesma vida
essa liberdade
entranhada no ser que somos
razão e matriz de vida e razão de ser
uno e um no meio dos outros
mas partilhado por tudo quanto de nós
se faz com o fluir do tempo
desse tempo por onde todos vamos perpassando
na ininterrupta caminhada
até chegar a hora
de passarmos o nosso testemunho e legado
ao mundo que nos acolheu
e a quem de tudo somos devedores

pelo meio do troar hediondo da guerra
e os gritos desgarrados do horror
a morte do nosso semelhante às nossas mãos
é a derradeira manifestação de aviltamento
e cobardia
é a negação maior da nossa própria existência
da nossa razão de viver
da nossa própria liberdade.

  • Jorge Castro
    20 de Junho de 2021

reflexões avulsas entre uma denúncia à embaixada russa e as expectativas do euro 2020, em 2021

Eu, por acaso, cada vez percebo menos de tudo, aproximando-me, a passadas largas, do estadio do só sei que nada sei.
Mas a cena da divulgação dos dados dos elementos alegadamente russos que organizaram uma manifestação legal, em Portugal, não será, entre muitas outras coisas, uma grosseira violação à legislação da protecção de dados?
Ah, pois, claro… a legislação só obriga os cidadãos. As instituições são superiores a essas minudências.

Dia 10 de Junho, ainda versejando a propósito:
tão grandioso e medonho
um Portugal adiado
que o Sol a meio eclipse
deu lugar e vez ao sonho
e em jeito de apocalipse
foi brilhar para outro lado…

Pedimos desculpa por esta interrupção da capacidade de raciocinar. Portugal segue dentro de momentos.

Atenção aos incautos: aproxima-se aí uma vaga de patrioteirismo futebolístico que pode causar danos cerebrais irreversíveis.
Tente manter o seu cérebro em actividade autónoma… nem que seja só durante os intervalos dos jogos.

Pequeno conto tão ficcionado que até parece verdade, mas não é:
Funcionário de uma câmara municipal em modo queixinhas e com problemas de afirmação:
«- Oh, sotor, aquele menino diz que o sotor anda a bater nos meninos…»
O pai do menino funcionário diz que se trata de uma atitude errada e, para castigo, vai nomeá-lo para um cargo qualquer de direcção de qualquer coisa. E o pimpolho acabou por ser nomeado director de turma.
Assim se reconhecem e punem os erros úteis, a bem desta e de outras «nações».

Litania ao Dia de Portugal 2021

venha lá a sardinha
as papas e os bolos
de enganar os tolos
a chuva miudinha
uva sem grainha
venha lá o medo
venham os bretões
nos seus aviões
dar cor ao enredo
em cor de lagosta
como a gente gosta
mas sem sinapismo
venham lá depressa
espantar o Eça
criar mais turismo
venha lá a Covid
que ninguém duvide
que está p’ra ficar
assim como estamos
entre desenganos
a olhar para o mar
venha a valentia
de num qualquer dia
ao mar nos fazermos
mas com a alegria
de um submarino
que só anda a remos
venha lá o vinho
o amigo e o vizinho
e do mal venha o menos
venham caracóis
com os futebóis
tão bons de rimar
tal como a cerveja
e a tanta inveja
que temos p’ra dar
ah meu Portugal
plastificado
como o via O’Neill
como o canta o fado
não há outro igual

ou melhor dizendo
não há outro Abril…?

  • Jorge Castro
    10 de Junho de 2021

reflexões quadradas sobre actualidade obtusa

não há bolha que me valha
nem marquise que me aflija
nem o fio da navalha
apara só barba rija

pelo ar vão perdigotos
da nossa boca e nariz
uns mais tristes outros rotos
filhos da mesma perdiz

mas se uns tossem baixinho
não querendo incomodar
há quem tussa no vizinho
e há quem tussa pró ar

somos grandes somos lindos
somos país tal e qual
Portugal sonhos infindos
cheios de etc e tal

ah quem me dera quem dera
ao menos o prometido
como quem fica à espera
do ouro de algum bandido

as três sílabas de O’Neill
quanto jeito dão agora
se nos virmos de perfil
só singramos bem lá fora

povo bom e povo inteiro
assim meio a dar pró torto
as mais das vezes carneiro
outras carneiro mal morto

futebóis oh futebóis
somos de causar inveja
num prato de caracóis
bem regadinho a cerveja

amarfanhados de impostos
pelo mau fado de um fado
temos por consolo os gostos
num “face” mal amanhado

quanto ao mais haja saúde
paz e amor em lume brando
tangendo algum alaúde
lá vamos… de vez em quando

ah mas um dia isto vira
ah mas um dia isto muda
surge algum vate de lira
vai ser um deus-nos-acuda!

  • Jorge Castro
    em Maio chegando ao fim, pim!

SINTRA – Cascatas e Lapiás
(Parte III)

Rumámos, depois, ao terceiro destino programado para este passeio: a cascata de Anços (ou cascata do Mourão).

Um cabo dos trabalhos para localizar placas indicativas, como é norma. Quando, finalmente e após muitas manobras em vias estreitíssimas, julgámos ter chegado a bom porto, estou convencido de que descobrimos, afinal, o caminho mais árduo e penoso para atingir o nosso destino.

Uma pequena chamada de atenção para os serviços das autarquias: já consideraram o potencial turístico – e refiro-me ao turismo interno – que estes pequenos recantos poderiam representar para o comércio local? E, de seguida, já pensaram que os cidadãos mais «antigos», aqueles que ainda tenham algum poder de compra, têm, por outro lado, aquelas maldades que a idade nos traz: articulações cansadas, capacidade pulmonar e cardíaca que já conheceram melhores dias, etc., etc.?

Se já pensaram nisso, porque é que oferecem estas pavorosas vias de acesso aos vossos lugares de encanto? Ainda por cima, sem uma ambulância do INEM ali à mão para as mais que prováveis ocorrências… Por acaso, o nosso grupo sentiu-lhe a falta, à força de um incidente ocorrido mas, como desenrascados que sempre somos, lá nos safámos.

Enfim, a cascata. Outro lugar magnífico. Ao contrário da água da cascata de Fervença, esta corria límpida. As cabeleiras de limos, saudáveis e viçosos, albergavam os habitantes do costume, rãs, sapos, e bicharada miúda que íamos divisando no correr da água.


Aqui e ali, ainda um saco de plástico que algum parvo-maior por lá deixou ficar, como depósito de lixo mas, ainda assim, sem grande impacto na paisagem.

Também deparámos com um cidadão, com um canzarrão monumental, que considerou que o melhor do seu esplendor cívico era entreter-se a atirar ramos de árvore para a lagoa que a cascata forma, a fim de que o animalzinho de estimação os fosse buscar. E foi, sim senhor, muito bem mandado e com grande estardalhaço e reboliço da tal água límpida que, assim, deixou momentaneamente de o ser.

Mas isso, como é bom de ver, não foi culpa da paisagem… Nem as rãs ou os sapos são seres muito dados a reivindicações de qualidade de vida e outras minudências.

(nota de rodapé – é extraordinária a quantidade de vezes que, nos dias que vão correndo e em espaços de utilização pública, tropeçamos com um qualquer cidadão agindo como se tivesse a presunção de que o mundo foi feito só para ele…)