Eu, por acaso, cada vez percebo menos disto, o que me deixa à vontade para seguir a corrente e dizer uns disparates a armar ao analista político. Vejamos: pelo aparente conteúdo do orçamento para 2022, o que é que impede que o PSD faça um acordo geringonçante com o PS, alcançando-se, assim, a almejada e consensual estabilidade do regime? Pois, mas António Costa, numa lua cheia há uns largos mesitos, informou o povo de que acordos com o PSD, “jamé!”, que viria logo o governo ao chão e outras coisas assim catastróficas… Jogada de mestre, esta, que deixou o BE e o PCP reféns desta salada. Se aprovam orçamentos perdem eleitores; se tiram o apoio ao governo perdem eleitores… Tudo a bem de um governo de “esquerda”, claro. E num caso ou noutro ainda têm a acusação de chantagistas em cima. Nos entretantos, Costa ri-se, Rui desatina, a gasolina sobe a cumes incomensuráveis, a electricidade é o que se vê, os quadros da fiel depositária andam por aí, as “entidades reguladoras”, que nada regulam, pululam quais cogumelos, as negociatas miseráveis que se vêm fazendo de há uns bons 40 anos para cá não conhecem culpados nem remissão e Portugal vive com dois milhões de pobres, calma e tranquilamente… Claro que esta descrição pode pecar por simplista e caricatural, mas há algum erro no raciocínio? Façam lá uma pausa na telenovela e juntem os trapinhos, só para ver se podemos ficar um bocadinho mais felizes todos.
22 de Outubro
Quando ouço falar em “trabalho digno” sinto sempre um arrepio incómodo… É que me lembro de que a minha companheira foi professora do ensino oficial durante 40 anos, mas nos primeiros 17 andou em bolandas com o estatuto oficial de professora “definitiva-provisória”. Lembro, também, o esvaziamento avassalador de quadros na (grande) empresa onde trabalhei, substituídos por trabalhadores no malfadado “outsourcing”, alguns dos quais mantêm ainda esse estatuto há mais de vinte anos. Lembro a passividade cúmplice dos sindicatos para quem – e inúmeras vezes o ouvi – a desregulamentação do mercado do trabalho era uma “inevitabilidade”… quando deviam lutar por se tratar, isso sim, de uma ilegalidade. Lembro o atropelo, também ilegal, dos contratos colectivos de trabalho, obrigando as novas admissões à aceitação de contratos individuais com o pagamento de salários inferiores a metade do que auferiam os abrangidos pelos contratos colectivos. Lembro-me dessas realidades vividas e muitas mais do mesmo quilate… e quando ouço, agora, falar no trabalho digno corro a munir-me de uma toalha de banho para não me encharcar de lágrimas de crocodilo.
22 de Outubro
Esta ideia nasce de uma conversa com um familiar próximo que me é muito caro e assim aqui ficam os créditos que lhe são devidos. Mas nasce, também, porque me deu na cabeça fazer um teste de ADN. E escusam de estar para aí com palpitações, que eu não vou revelar minudências nenhumas acerca das minhas origens, que isso é muito coisa minha. Mas informo, muito humildemente, todos os meus amigos que, se alguém se quiser referir à minha pessoa, com alguma exactidão quanto à ascendência genética, o mais correcto é chamarem-me mestiço. Está combinado? Obrigado. (Curiosamente, depois desta alteração, hoje acordei exactamente igual a ontem…)
Dá que pensar… Em La Palma, cães que foram abandonados pela retirada precipitada dos donos estão a ser alimentados por drones. É bonito e humanitário. E quantos drones estarão disponíveis para alimentar, por esse mundo fora, os seres humanos que foram abandonados por outros seres humanos? Na verdade, vivemos num mundo cão e não num mundo humano, o que talvez explique disparidades destas.
15 de Outubro
Ouvido nos noticiários de hoje: os preços da electricidade no “mercado regulado” que, conforme tem vindo a ser exaustivamente anunciado, iam aumentar inevitavelmente e muito provavelmente já em Outubro, afinal vão baixar, de acordo com informações oficiais. Fui eu que ouvi mal? O Pai Natal enganou-se no calendário? Ou trata-se das negociações para aprovação do orçamento a fazerem-se ouvir? Ah, e os combustíveis, onde o governo informou, anteontem, de que não poderia diminuir impostos, afinal vai diminuir o ISP, conforme anunciou hoje? Não é preciso repetir as perguntas acima formuladas, pois não? A propósito, alguém sabe dizer-me onde se localiza a Disneylândia, em solo nacional? Ando a precisar de me distrair… Obrigado.
15 de Outubro
Por acaso, as Ciências nunca foram o meu forte, mas fonte de encantamento… Li, recentemente – atrasado que eu ando nestas coisas – que já há viaturas movidas a hidrogénio, comercializadas de há uns anitos para cá. Da altitude das minhas ignorâncias, li e reli, e decidi que vou já adquirir uma viatura destas. Nem que tenha de vender a casa e os anéis, pois aquilo não só não polui como purifica o ambiente. Uma comodidade ainda por cima boa para o mundo? É uma verdadeira causa filantrópica! De repente, informaram-me – um amigo fiel, que os há – que não existe, em Portugal, um único local onde abastecer a maravilha da modernidade. Vocês nem queiram saber como estou para aqui a deprimir-me…
15 de Outubro Agora, sim, a saúde, em Portugal, vai dar aquele salto quântico que nos irá transportar a algum Nirvana até ver ignoto. E basta comprar um telemóvel… (De um anúncio perto de si.) Já ter a gasolina mais barata, só porque comprei uma lata de salsichas e uma pizza congelada, me fazia alguma confusão… E imaginar que tudo isto começou com a oferta de uma semana de férias em Tróia na compra de um colchão. Como o tempo passa…
16 de Outubro
Eu não sei se isto também se passa convosco mas, a mim, acontece-me muito… Passeando no feicebuque, leio uma entrada cheia de humor e de saudável espírito criativo de algum amigo destas andanças. Leio, saboreio, divirto-me. Depois, dá-me para ler alguns comentários sobre essa entrada que li, saboreei e me divertiu. Mas há alguns desses comentários que são tão estúpidos, tão desprovidos de sentido em relação ao que ficou dito, enfim, tão desajustados, que acabam por destruir o efeito saudável que o autor me transmitira. Para quando um algoritmo profiláctico contra a estupidez?
20 de Outubro
Foi só por amor que o Estado português entregou os quadros milionários a quem lhe jurou fidelidade. Fidelidade, essa manifestação etérea do ser mas nem sempre do estar… Porque, afinal, ela jurara já fidelidade ao outro, até que a morte ou um divórcio com partilha de bens os separasse, o que, até ver, não ocorreu. O Estado, agora e já tarde, tem uma atitude de ciúme extremo ao saber da existência do “outro” e exige à sua pretensa fiel depositária que lhe devolva os quadros e, quem sabe, as cartas trocadas ao longo destes anos e algumas faianças lá de casa, herança de uma velha avozinha… Se tudo isto não fosse uma realidade pungente, poderia ser o argumento de uma novela pindérica e de quadragésima quinta categoria. Afinal, é só o dia a dia cá do burgo.
Tu sabes que eu te visito pouco. Trago saudades que, depois, levo. Mas sinto a falta, de longe em longe, da neblina que vem do rio e daquele «timbre pardacento», do Carlos Tê, que faz lembrar um portal do tempo a transportar-me para lá da vida.
Então eu cá venho, de longe em longe, pagar tributo de nascimento. A ver o Douro encrespar-se ao mar, espreitar furtivo e malicioso as pernas das pontes todas que o vão cruzando. O casario a vê-lo passar, espreitando-o por mil janelas, ora dourado, a fazer jus ao nome, ora eivado de tons de azul, em diálogo de nuvens, e carreando barcos que levam tantos turistas quantas as pipas que, antes, traziam.
Rabelos sem velas desvendam as tuas margens, mas não mostram os teus segredos. As carqueijeiras a penar íngremes ladeiras. A canalha a mergulhar no rio à cata das cinco coroas lançadas por mão pródiga, quando não do mísero tostão. O vozear das crianças, nas «ilhas», a modos que creches de aflição, ou o menino de pé descalço que cantava, pelas esquinas, acompanhado pelo pai, com uma guitarra velha, e vendendo as letras, para arrecadar os tostões da sobrevivência. As lavadeiras a ensaboar as tuas águas de conversas brejeiras e palavrão de exorcizar pecados velhos, a perna ao léu que tinha sempre mirones a apreciar. As cheias, que subiam pelas casas acima, na zona ribeirinha, e que eram tanto espectáculo como aflição de rotina. A faina do rio, com o Gastão, pelo meio do enredo, a salvar vidas ou a resgatar corpos…
Quero confessar-te que nada tem de nostalgia esta minha conversa. Mas, mal atravesso uma das várias pontes que me fazem chegar a ti, estas memórias saltam-me, recorrentes. E que lhes hei-de eu fazer? Contrariá-las? Nem pensar… E, depois, eu fazia-me de quê?
Ainda a propósito de Otelo Saraiva de Carvalho e dos mitos fascistóides que foram levantados à sua volta, no que respeita ao seu alegado envolvimento com as FP25, alguns dados:
O julgamento das FP25 terminou no dia 7 de Abril de 2001, no Tribunal da Boa Hora, em Lisboa. Otelo foi ABSOLVIDO no processo pelo colectivo de juízes da 3a Vara Criminal da Boa Hora.
O indulto de Mário Soares, em 1991, destinou-se apenas a minorar o erro judicial que manteve Otelo preso preventivamente durante mais de 5 anos.
A amnistia para as FP25, ocorrida em 2004 já não tem, portanto, nada a ver com Otelo. Todos estes dados estão disponíveis um pouco por toda a parte. Reiterar na falácia é falsear a nossa História recente. E isto vale para o Observador, para o Expresso e para quantos articulistas andam a propalar deliberadamente falsidades, criando uma nuvem de fumo que só pode servir objectivos inconfessáveis, ao mesmo tempo que passam um atestado de indigência mental aos seus leitores.
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O direito constitucional ao bom nome e à reputação cessa quando um cidadão morre? Não, pois não? Então e que tal accionar judicialmente aqueles que acintosa e deliberadamente mentem, até na Assembleia da República, quanto ao passado de Otelo Saraiva de Carvalho? Afinal, em tribunal ele foi ilibado integralmente. Será que ainda vivemos num estado de direito? Então…
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Quando ouço dizer que Otelo Saraiva de Carvalho não teve honras de luto nacional, tentando criar um paralelo com a mesma omissão no que respeita a Salgueiro Maia… apetece-me fazer recordar que o falecimento de Salgueiro Maia ocorreu em 1992, ano em que era primeiro-ministro Aníbal Cavaco Silva. O mesmo que lhe recusou uma pensão por relevantes serviços prestados à nação, mas a atribuiu a dois agentes da PIDE/DGS. Quem é que quer comparar-se a Cavaco Silva?
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O nosso governo anunciou que, após 45 anos do fim da guerra colonial, foi conferido aos antigos combatentes o estatuto de… antigos combatentes (Lei n. 46/2020, de Agosto, e que entrou em vigor em 01 de Setembro de 2020). Confere, esse estatuto, alguns benefícios, mais do que justificados, em face das pensões miseráveis que grande parte dos ainda sobrevivos auferem. Nomeadamente, isenções de pagamento de taxas moderadoras, entradas grátis em museus e acesso gratuito a passe intermodal. Já se ouvem os aplausos? Então, vamos com calma, pois os transportes públicos e não só, alegando desconhecimento, não reconhecem o estatuto, tendo-se já gerado inúmeras situações vexatórias para aqueles que tentaram usufruir desses direitos, até com polícia à mistura. Eu tenho para mim um preceito, aprendido há muito tempo, segundo o qual ninguém pode invocar o desconhecimento da lei. Mas, como estamos em Porugal, deve haver umas excepções ainda não devidamente regulamentadas, onde imperam a idiotice e a obtusidade. Será que nunca mais tomamos andadura?
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O que mais me enerva no Portugal das taxas e taxinhas em que (des)vivemos é o espírito mesquinho que subjaz, quase invariavelmente, a qualquer medida que se anuncie. Vem isto a propósito do dever de pagamento de imposto nas compras feitas na internet. Vejamos, eu estou plenamente de acordo que esses bens sejam taxados como todos os demais… e isso já devia acontecer há muito tempo. A medida só peca por tardia. Dito isto, porque é que os CTT retêm mercadorias cuja transacção se verificou ANTES da nova lei ter entrado em vigor para agora aplicarem a lei, dir-se-ia com retroactividade? Foram mandatados pela Autoridade Tributária ou é só mesmo excesso de zelo? Para cúmulo, os interessados apenas apuram essa retenção se contactarem o fornecedor, pois os CTT, até à data, não avisam nada nem ninguém. Tudo pequenino, pequenino… rasteiro… frustre…