memória descritiva

Nostálgico. É isso… Relembrando um daqueles momentos em que estive um pouco em companhia de mim mesmo.

MEMÓRIA DESCRITIVA

a noite descera serena e silente
sobre o empedrado húmido da chuva
aqui e ali uma azeda gritava
numa teimosia a cor que brandia
numa comissura breve do lajedo
crescia em recanto a rubra papoila
tão desvanecida pela noite descida
talvez a aguardar a nova alvorada

era primavera em cada ruela
onde a luz da lanterna tanto esmorecia
e o casario fundia em fraguedos os seus alicerces
contra a intrépida agrura de tanto abandono

não se via vivalma nem se pressentia
só estes meus passos desassossegavam
a quietude pasma do lugar perdido
se houvera risos e ecos de passos passados
do labor agreste
do gado de volta ao sítio de abrigo
do regato ao fundo bordejado a freixos
marginado a plátanos que o vento tangia
restou só a fala da água e da brisa
nesta noite fresca sem ninguém à vista

há o coaxar teimoso das rãs
há o pio surdo e nocturno de um mocho
um grilo
a cigarra
a brisa nas ervas
e algum bater breve de porta entreaberta
saudosa de mãos a dar-lhe um destino

e naquele lameiro há anos sem uso
avistado ao longe numa lua cheia
as pedras dos muros que ainda o ladeiam
estão de sentinela em missão cumprida.

  • Jorge Castro
    23 de Maio de 2023

breves reflexões outubrinas
em ambiente feicebuque (II)

21de Outubro

Eu, por acaso, cada vez percebo menos disto, o que me deixa à vontade para seguir a corrente e dizer uns disparates a armar ao analista político.
Vejamos: pelo aparente conteúdo do orçamento para 2022, o que é que impede que o PSD faça um acordo geringonçante com o PS, alcançando-se, assim, a almejada e consensual estabilidade do regime?
Pois, mas António Costa, numa lua cheia há uns largos mesitos, informou o povo de que acordos com o PSD, “jamé!”, que viria logo o governo ao chão e outras coisas assim catastróficas…
Jogada de mestre, esta, que deixou o BE e o PCP reféns desta salada. Se aprovam orçamentos perdem eleitores; se tiram o apoio ao governo perdem eleitores… Tudo a bem de um governo de “esquerda”, claro. E num caso ou noutro ainda têm a acusação de chantagistas em cima.
Nos entretantos, Costa ri-se, Rui desatina, a gasolina sobe a cumes incomensuráveis, a electricidade é o que se vê, os quadros da fiel depositária andam por aí, as “entidades reguladoras”, que nada regulam, pululam quais cogumelos, as negociatas miseráveis que se vêm fazendo de há uns bons 40 anos para cá não conhecem culpados nem remissão e Portugal vive com dois milhões de pobres, calma e tranquilamente…
Claro que esta descrição pode pecar por simplista e caricatural, mas há algum erro no raciocínio?
Façam lá uma pausa na telenovela e juntem os trapinhos, só para ver se podemos ficar um bocadinho mais felizes todos.

22 de Outubro

Quando ouço falar em “trabalho digno” sinto sempre um arrepio incómodo…
É que me lembro de que a minha companheira foi professora do ensino oficial durante 40 anos, mas nos primeiros 17 andou em bolandas com o estatuto oficial de professora “definitiva-provisória”.
Lembro, também, o esvaziamento avassalador de quadros na (grande) empresa onde trabalhei, substituídos por trabalhadores no malfadado “outsourcing”, alguns dos quais mantêm ainda esse estatuto há mais de vinte anos.
Lembro a passividade cúmplice dos sindicatos para quem – e inúmeras vezes o ouvi – a desregulamentação do mercado do trabalho era uma “inevitabilidade”… quando deviam lutar por se tratar, isso sim, de uma ilegalidade.
Lembro o atropelo, também ilegal, dos contratos colectivos de trabalho, obrigando as novas admissões à aceitação de contratos individuais com o pagamento de salários inferiores a metade do que auferiam os abrangidos pelos contratos colectivos.
Lembro-me dessas realidades vividas e muitas mais do mesmo quilate… e quando ouço, agora, falar no trabalho digno corro a munir-me de uma toalha de banho para não me encharcar de lágrimas de crocodilo.

22 de Outubro

Esta ideia nasce de uma conversa com um familiar próximo que me é muito caro e assim aqui ficam os créditos que lhe são devidos.
Mas nasce, também, porque me deu na cabeça fazer um teste de ADN. E escusam de estar para aí com palpitações, que eu não vou revelar minudências nenhumas acerca das minhas origens, que isso é muito coisa minha.
Mas informo, muito humildemente, todos os meus amigos que, se alguém se quiser referir à minha pessoa, com alguma exactidão quanto à ascendência genética, o mais correcto é chamarem-me mestiço.
Está combinado? Obrigado.
(Curiosamente, depois desta alteração, hoje acordei exactamente igual a ontem…)

Pico – Açores – Setembro de 2021 – A saga (fotográfica) – III

Na Reserva Florestal de Recreio da Prainha (São Roque do Pico) pode fazer-se um passeio aprazível por entre vegetação muito variada. Nela se encontra esta casa típica do Pico.
E para que não se cuide que, entre tantas maravilhas, deixei por lá perdido o meu sentido crítico, veja-se este exemplo de um poste tão estrategicamente colocado em frente a um miradouro, situado na Reserva Florestal de Recreio da Prainha.
Nem o horizonte seria a mesma coisa sem ele…
Como se não bastasse a profusão de hortências que propiciam um ambiente tão peculiar a todas as ilhas dos Açores, ainda fui encontrar variedades da planta. No caso e salvo erro, estamos em presença da hortência coroa (ou coroa da rainha).
Visita guiada à Gruta das Torres. Esta gruta é de origem vulcânica e é o maior túnel lávico do arquipélago dos Açores.
Fica a uma altitude de 285 metros e possui cerca de 5 quilómetros de comprimento e uma altura máxima de 15 metros. Possui um túnel principal de grande dimensão e vários túneis menores de estruturas variadas na parte superior e laterais.
Um apontamento: acompanhou-nos um guia excelente, senhor de um humor notável. Escapou-me o nome, mas aqui fica a referência mais do que merecida
No interior da Gruta das Torres, estalactites formadas pelo arrefecimento da lava.
No solo da gruta, outra curiosa formação criada pelo deslizamento da lava.
Nas «paredes» da gruta outra formação curiosa que parece ter sido feita por mão humana.
No chão da gruta, uma «formação» que não deixa, também de ser curiosa: garrafas cheias de vinho do Pico, em maturação, aproveitando as condições muito específicas do interior da gruta.
(Não, lamentavelmente, não está disponível para visitantes…)
Ainda uma formação curiosa no chão de lava da Gruta das Torres. A esta chamam-lhe a «cabeça da baleia», o que parece razoavelmente apropriado.
Gruta das Torres – Já a esta chamarem-lhe «Mona Lisa» requer o seu quê de imaginação criativa.
Gruta das Torres – o ponto final da nossa intrusão na gruta e da visita guiada. Daqui para a frente só especialistas, existindo até vários trechos bastante «constrangidos».
Gruta das Torres – o fim da saga dentro da saga. De regresso à superfície, após uma hora e picos em absoluta escuridão, apenas rompida pela luz das lanternas individuais, não deixa de nos proporcionar um muito discreto suspiro de alívio…
As célebres e, no caso, celebradas cracas. Não foi fácil chegar a elas mas com a boa vontade do restaurante da Ponta da Ilha e encomenda prévia, travei conhecimento com mais um delicioso pitéu!
O Farol da Ponta da Ilha.
Mais um ser autóctone que nos veio cumprimentar.
A ponta da Ponta da Ilha. Ao fundo, São Jorge e muito, muito mar…
E as plantinhas de um verde vibrante a colonizarem, passo a passo, o chão de lava.
Na Casa dos Vulcões, em São Roque do Pico, uma janela sobre a ilha.
No ancoradouro da Madalena, a caminho de um almoço e a fazer horas para o regresso, com o Faial em fundo.
O avião do regresso. Bom serviço da SATA, como apontamento final.
Mas, com tanta magnificência tão portuguesa, porquê, meus senhores, «Azores» por tudo quanto é sítio? Os turistas não usam, lá por casa, o C cedilhado? Temos pena. Deixem-se de parolices, ó senhores mandantes, tende vergonha na cara e vaidade no que é nosso… e que o Pico tão bem representa!
De uma assentada, desvirtua-se o Português e enterra-se o legítimo orgulho. Fica só a subserviência.
O derradeiro aceno do Pico que, bom companheiro, se guardou para nós, com o seu cabelo de nuvens, no final desta «saga».

Um destino magnífico. Visitem-no, se puderem… mas não levem pressa. Estas coisas degustam-se melhor devagar e com os sentidos todos bem despertos.

25 de Abril de 2020 – 46 anos depois da Revolução

QUADRAS DE ABRIL – 2020

deste Abril eu sei o mar
de esperançosas caravelas
sei de Abril o ser e o estar
de brumas ou mar de estrelas

sei de Abril o amanhecer
como se em palco um ensaio
nos fizesse aperceber
os fulgores do mês de Maio

sei de Abril quanto é de nós
sentir da terra o alento
de se ouvir a nossa voz
p’ra onde a levar o vento

sei de Abril quanto é de mim
sentir da terra os fulgores
que me fazem ser assim
entre ódios colher amores

e entre as quatro paredes
do quarto onde me confino
lanço ao mar as minhas redes
e faço de Abril um hino

sei desse Abril na clausura
como nasce uma vontade
de pressentir a aventura
na ânsia de liberdade

e saber de um mundo novo
mesmo ao alcance da mão
saber que ali entre o povo
é que mora o meu irmão

já vejo a florir um cravo
rubro verde e senhoril
haja acalmia ou mar bravo
porque Abril é sempre Abril!

Jorge Castro
25 de Abril de 2020

bom ano de 2020

Iniciado «oficialmente» em 01 de Janeiro de 2004, este espaço salta, a pés juntos, para o seu décimo sexto ano de existência. Aos que o frequentam ou frequentaram, um forte abraço. Para os que nem sonham com a sua existência, um forte abraço, também.

Cada ano, cada átimo temporal, é sempre muito o que dele fazemos. Façamos, pois, todos um excelente 2020!

E deixo-vos com um apontamento, a propósito, do qual recomendo visualização, criado pelas SaganSeries, e que se refere ao tanto que convosco quero partilhar neste momento:

https://www.youtube.com/watch?v=oqwezkvcVLg

as eleições estão à porta…

(Ai, a pena que eu tenho de não ter tempo para me dedicar com mais e maior afinco a este meu cantinho, tão entregue ao abandono…)

Enfim, aí estão as eleições para a Assembleia da República. Votarei? Sempre! Acompanho a campanha? Nunca (com especial incidência no que se refere às diversas televisões)!

Mas com a arrogância que caracteriza aqueles que que presumem ter algumas convicções na vida, sempre vos digo que todos devemos votar. Nenhum cidadão é neutro. Isso é coisa que não existe.

Respiramos, comemos, bebemos… e tudo o mais que vos ocorra nós fazemos. E, mesmo quando presumimos o contrário, certo é que nunca o fazemos sozinhos. A montante ou a jusante dos nossos actos estão sempre os nossos semelhantes que, quando não partilham a execução dos nossos actos, colhem sempre o efeito dos mesmos.

Nenhum homem é uma ilha, não é verdade? Então, vote lá, se faz o favor. Não custa muito e vai ver que se sentirá, logo a seguir, um exemplar de homo sapiens muito mais livre.

O resto… é a vida, como dizia o outro.