imagine

Nos dias que vão correndo, em que se adensam velhas querelas e se dão grandes passos no sentido de um conflito mundial generalizado pelas sempiternas vontades hegemónicas de uns poucos sobre as vidas de tantos outros, sob o manto pouco diáfano das múltiplas religiões, apeteceu-me relembrar aqui o sonhador John Lennon e o seu tema «Imagine», sempre oportuno, sempre actual.

Esta tradução é de minha responsabilidade, sem especiais preocupações de retroversão poética, porque o importante é a mensagem transmitida, que é para ser entendida muito para além de ser apenas cantarolada.

Imagine não haver paraíso
Imagine there’s no heaven
É fácil se você tentar
It’s easy if you try
Nenhum inferno por baixo de nós
No hell below us
E por cima somente o céu
Above us, only sky

Imagine todas as pessoas
Imagine all the people
Vivendo para o dia de hoje
Livin’ for today

Imagine não haver países
Imagine there’s no countries
Não é difícil fazê-lo
It isn’t hard to do
Nada por que matar ou morrer
Nothing to kill or die for
E também nenhuma religião
And no religion, too

Imagine todas as pessoas
Imagine all the people
Vivendo a vida em paz
Livin’ life in peace

Você pode dizer que eu sou um sonhador
You may say I’m a dreamer
Mas eu não sou o único
But I’m not the only one
Espero que um dia se junte a nós
I hope someday you’ll join us
E o mundo será um só
And the world will be as one

Imagine não haver possessões
Imagine no possessions
Pergunto-me se será capaz
I wonder if you can
Não haver necessidade de ganância ou fome
No need for greed or hunger
Uma irmandade do homem
A brotherhood of man

Imagine todas as pessoas
Imagine all the people
Partilhando todo o mundo
Sharing all the world

Você pode dizer que eu sou um sonhador
You may say I’m a dreamer
Mas eu não sou o único
But I’m not the only one
Espero que um dia se junte a nós
I hope someday you’ll join us
E o mundo viverá como um só
And the world will live as one

Enfim, será mesmo assim tão difícil de imaginar…?

a propósito da opinião sobre quem opina

Leio, com frequência, a crítica nas redes sociais de que há, por aqui, gente que não se enxerga e opina sobre tudo como se de tudo fosse entendido.

Creio que esta crítica merece alguma ponderação. Opinar sobre tudo não trará mal ao mundo enquanto não pretendermos, ao emitir uma opinião, obrigar os outros a segui-la.

Se, por outro lado, emitirmos uma opinião errada ou errónea que seja contraditada por alguém que saiba mais e melhor sobre esse assunto, ou por melhor acesso a informação ou por maior domínio de conhecimento, o contributo desse alguém será precioso para um melhor esclarecimento do primeiro emissor.

Pessoalmente, já fui inúmeras vezes corrigido por bons amigos que muito prezo e tanto mais pela sua frontalidade. Isso não me impede de, em cada passo da jornada, estar atento ao mundo que me rodeia, muito pelo contrário.
De Paulo Marques, professor, com a devida vénia, respigo a resposta de Ramalho Ortigão aos seus críticos que o acusavam de falar de tudo sem, verdadeiramente, aprofundar nada:

“O meu grande mal é não me interessar especialmente por uma coisa só, qualquer que ela seja, porque me interesso completamente e absolutamente por tudo. A indigente multiplicidade dos meus pontos de vista inabilita-me para o especialismo.»

Também o romano Públio Terêncio Afro terá proferido a frase, adoptada por Marx como lema, segundo a qual “sou homem e nada do que é humano me é estranho”.

Por outro lado, muitas vezes a crítica a uma opinião alegadamente superficial é, na verdade, sustentada por uma arrogância intelectual de quem, pretensamente, muito sabe, mas guarda esse saber no bolso interior do casaco, para que não lho roubem… Ainda que haja, por aí, muitos carteiristas do saber e do conhecimento.

afinal, Putin é o quê?

No esforço ingente para tentar perceber alguma coisa daquilo que vai pelo mundo, que faz sempre falta como forma elementar de combater insónias, dado que já não estou muito em idade própria para pegar em armas à conta de alguma causa, ocorreu-me esta reflexão, que partilho com quem tenha tempo para aturar reflexões alheias:

Aqueles que olham para Putin como um incontrolável agente do KGB, forjado nas fundições do estalinismo, com inegáveis instintos imperialistas, e, logo a seguir, misturam tudo no cadinho de 1917, receio bem que se tenham perdido nalgum caminho da História… Ou, então, não se perderam, de todo, e sabem muito bem o que dizem e porque o fazem.

Lembram-me, por outro lado e apenas em aparente oposição, aqueles que nos anos 70 clamavam que os «perigosos esquerdistas» que colocavam em pé de igualdade, contra os interesses do mundo, o imperialismo americano e o social-imperialismo russo (lembram-se?) não passavam de reles agentes da CIA.

É destas análises da treta sempre anunciadas como deveras objectivas que vivem, alegremente, tantos comentadores.

A Rússia «soviética» anterior à queda do muro de Berlim era, de facto, uma potência imperialista que teve de se reposicionar, no xadrez político, perante os ventos da História. E era neste contexto que o tal agente do KGB se movia.

A máquina estatal existente foi facilmente adaptável, abandonando uma fachada «socialista», que pouco ou nada mantinha enquanto tal, e assumindo aquilo a que os teóricos do marxismo chamam capitalismo monopolista de estado, sustentado, como qualquer sistema capitalista que se preze, no poder económico, de que os oligarcas, hoje tão falados, são a face visível.

A mistura entre governantes e interesses instalados dir-se-ia pornográfica… e nem é nada a que os povos do chamado mundo ocidental não estejam sobeja e democraticamente habituados no que aos seus próprios governantes diz respeito.

Dito isto, Putin será o governante (leia-se oligarca-mor) de um país que vive sob as regras do mais desenfreado espírito capitalista e onde a simples ideia de democracia não existe, o que, por outro lado, ainda vai subsistindo no tal mundo ocidental, ainda que tantas vezes mascarado já de «faz-de-conta».

Recordemos o desabafo de uma nossa ministra que, ainda há pouco tempo, aludia à eventualidade conveniente de interromper a democracia por alguns meses para levar à prática medidas impopulares…

Para além disto, podemos sempre ter como opção manter as nossas opiniões virgens e puras, coisa que não fará muito sentido no século XXI, convenhamos. O povo ucraniano que o diga.

Como habitualmente, isto é só mesmo uma opinião. Quem sabe se não estarei completamente enganado e mal aconselhado por leituras ínvias e amigos transviados? Minha é que a culpa não deve ser…

Abril em 2021

ABRIL EM 2021

Tenhamos sempre bem presente que o 25 de Abril de 1974, redentor e fonte infinita de inspiração, não se esgota nas nossas memórias.

Para que Abril (nos) sobreviva, a passagem de testemunho às novas gerações é imprescindível.

Não o «nosso» 25 de Abril – que por ele ansiámos, que o vivemos e que hoje celebramos -, mas o Abril de cada dia e de cada ser vivente que se alimenta de liberdade, respira democracia e anseia por condições dignas de trabalho e de vida.

O pão, a paz, habitação, saúde e educação não foram, como não são, apenas estribilho de canção do Sérgio que nos sabe bem entoar mas, antes, realidades tão concretas e definidas como outra coisa qualquer, parafraseando Gedeão.

E «as portas que Abril abriu» estão, ainda, muito longe de terem permitido a passagem de toda a gente. A reivindicação pelo pão, a paz, a habitação, a saúde e a educação estão aí, na ordem do dia.

Não é a «nossa» realidade de há 47 anos que pode ser invocada para alterar o actual estado de coisas. Isso não faz qualquer sentido. A mesma água não volta nunca a passar por baixo da mesma ponte. Lembremo-nos, a propósito, de um chavão que muito usávamos: a análise concreta da situação concreta.

Podem e devem as novas gerações reinventar Abril e fazê-lo seu. E a elas só compete essa missão. Podemos e temos absoluta obrigação, nós, os mais antigos, de acompanhar, solidariamente, esse processo, não fechados no nosso mundo, mas atentos e expectantes ao que lá vem, braço com braço com os nossos filhos e os nossos netos.

Exactamente porque não há «donos de Abril». Nem velhos nem novos.

Abril é um modo de ser.

  • Jorge Castro
    25 de Abril de 2021

reflexões avulsas

Reflexão 1

Para além do agradecimento simbólico, já teremos pensado que, quando falamos do justo reconhecimento do labor insano de quantos nos ajudam a lutar contra a pandemia, temos de estar a pensar em mais justas remunerações e mais dignas condições de trabalho?

(Experimentem lá pagar as vossas compras com uma salva de palmas ou uma pancadinha nas costas, por exemplo…)

Reflexão 2

Considero muito interessante esta vaga opinativa acerca do teletrabalho.

Primeiro, porque antes da pandemia, na grande generalidade das empresas, mesmo nas grandes, ou era tabu falar do assunto ou riam na cara do proponente.

Depois, porque vejo muito poucas preocupações em adequar os esquemas remuneratórios a esta realidade, agora compulsiva. E palpita-me que já sei quem é que vai sair a perder…

Como efeito colateral, pergunto-me o que irá acontecer ao tecido comercial, que deixa de ter a sua clientela habitual, mormente nos grandes centros urbanos…

Talvez assim a monomania do turismo faça mais sentido. Se e quando houver…

covid 19 – 21º dia de reclusão – reflexões avulsas acerca da plantação de couves

Há uma perturbadora e profunda sensação de irrealidade em tudo isto. Algo que se situa ali a meio caminho do filme de ficção, mas demasiado palpável.

Há cerca de quinze dias, na quietude do remanso pequeno-burguês em que tantos de nós se aconchegavam, onde estavam as nossas preocupações?

Talvez no próximo destino de férias. Talvez no modo de inventar dinheiro para manter o filho na universidade. Talvez no preocupante degelo da Antártida. Talvez na escolha da melhor oportunidade para trocar o carro. Talvez em adquirir mais um telemóvel topo de gama ou quase. Talvez na aquisição de uma entrada para ver jogar o seu clube de eleição…

Outros haveria – e diz-se que são bem mais de muitos – no desespero singelo de assegurar o pão-nosso-de-cada-dia, contemplando, de caminho, o pagamento da renda da casa, da água, da luz…

E eis-nos, sem aviso, a vivenciar essa obra de ficção científica, retidos em casa, em profunda clausura, cujo imperativo parte de nós mesmos, sem necessitarmos, praticamente, de qualquer influência exterior.

E sobrevém o ócio. Esse tempo insidioso em que temos tempo. Pra respirar. Para viver. Para a introspecção e, muito mais perigosamente, para reflectir, falando com os nossos botões – algo esquecido entre as virtualidades do velcro e do fecho éclair – exercício que caiu em desuso, como tantas outras pequenas coisas, na vida frenética a que nos entregámos, sem crítica e tantas vezes sem critério.

Olhando para as notícias diárias, parciais, desinformativas, voláteis e volúveis, dou por mim a ouvir, sem espanto, que o país conhecido como sendo o mais rico do mundo, os Estados Unidos da América, se debatem com a falência total de meios de protecção para os seus profissionais da saúde…

Ouço e vejo, logo mais, que a República Popular da China se transformou – e não terá sido da noite para o dia – na fornecedora global daqueles meios de protecção. A França recorre à China. A Itália recorre à China. A Alemanha recorre à China. Portugal recorre à China. Os Estados Unidos recorrem à China. A própria China recorre à China. O mundo, enfim, recorre à China!

E se, ontem, nos chocava – com lágrimas de crocodilo, tantas vezes – o regime ditatorial da República Popular da China, hoje faríamos uma peregrinação de joelhos a Fátima para agradecer as toneladas de equipamentos fornecidos pela China. Já para nem referir os médicos oriundos de Cuba, apesar dos indecorosos bloqueios com que convivemos, alegremente, anos a fio… O que dirão, hoje, os espíritos liberais e neoliberais perante esta realidade, em face da destruição dos tecidos industriais e comerciais para que tanto contribuíram, no seu apego aos «mercados», mas onde agiram como verdadeiras quintas colunas dos interesses transnacionais, sem pátria nem rosto?

E sempre com o cinismo hipócrita de nos garantirem que assim tem de ser porque assim funcionam os «mercados».

Aqueles que votam nos Boris, nos Trumps e nos Bolsonaros, mas que também votaram (e votarão) Cavaco, a quem devemos, cá pelas nossas paragens, a destruição das pescas, das indústrias pesadas (e das outras), da agricultura, da rede ferroviária, enfim, da nossa necessária autonomia, enquanto nação, o que nos dirão, agora, perante a nossa escassez de quase tudo? Perante a sangria, contada pelas muitas centenas de milhares de jovens (e menos jovens) com formações de topo, a quem aconselhámos o estrangeiro porque, por cá, sem empregos ou com ordenados insultuosos, só tínhamos para lhes oferecer uma mão cheia de nada?  

E lá foram para a Holanda, onde os ordenados que auferem podem beneficiar do dinheiro que empresas «portuguesas» lá depositam. Mas foram, também, para o Reino Unido prestar os excelentes serviços que a formação em Portugal lhes proporcionou – e que ao Reino Unido nada custa – apenas porque podem receber, em dobro ou em triplo o que a mesquinhez e a ganância dos nossos empresários, com a cumplicidade dos diversos governos, lhes paga aqui.

E disto, dos nossos estimados parceiros europeus, que contrapartida colhemos nós?

A União Europeia desvanece-se, cada dia mais, perante o imperativo de fechar fronteiras, com cada país a voltar-se para si próprio, sem qualquer estratégia global e solidária, lambendo as suas feridas, sem olhar para os vizinhos, cultural e geograficamente tão próximos, salvo algumas, muito poucas, exemplares excepções.

Faltam máscaras de protecção? Liga aí à China. Faltam luvas? Liga aí à China. Faltam ventiladores? Liga aí à China. E a tal ditadura transforma-se na salvadora das pátrias e do mundo, o que pareceria até paradoxal se não fosse a realidade com que deparamos.

Se, em Portugal, pugnarmos pela «res publica» portuguesa seremos chamados de nacionalistas serôdios ou Velhos do Restelo, porque somos Europa. Mas quando a República Popular da China dá mostras de uma enorme pujança industrial, espantámo-nos, aplaudindo e, até, estranhando tal competência… Pobres e iludidos somos. Como se duas mãos na China valessem mais do que duas mãos em Portugal ou em qualquer outra parte do mundo.

Lembram-se do poema que nos dizia que «algo está podre no reino da Dinamarca»? Pois assim parece.

Equacionaremos estas questões quando, finalmente, sairmos do pesadelo? Ou já não haverá condições, sequer, para equacionarmos o que quer que seja?

Digo, há muitos anos, que quando algum de nós planta uma couve no seu quintal, isso também é economia. Apenas com a diferença de que ninguém o contabiliza como tal. Mas não é por isso que deixa de ter existência real.

Talvez seja esta a nossa oportunidade de passarmos a dar mais valor, então, às couves que cada um plante (se ainda houver quem as saiba plantar).

Jorge Castro

02 de Abril de 2020 – no 44º aniversário da Constituição da República Portuguesa