Após exaustivos estudos no universo doméstico, inquirida que foi para cima de uma pessoa, concluiu-se, sem qualquer margem para dúvidas, de que na exacta proporção em que a pandemia nos confina, mais se expande a indústria doméstica de panificação.
Só não vos convido a servirem-se porque, embora alguns ainda não o saibam, o convívio nas «redes sociais» apresenta algumas limitações… O recheio (não visível): enchidos vários, presunto, leitão.
Enfim, como dizia o poeta, «melhor é experimentá-lo que julgá-lo, mas julgue-o quem não pode experimentá-lo».
Hoje está a dar-me mais para o serviço público. E, assim sendo, publico algo que vimos fazendo cá por casa… pelo menos até que os açambarcadores não limpem a farinha toda dos mercados. Segue imagem do produto final, que aperfeiçoamos a cada dia que passa e que está ao alcance de (quase) todas as bolsas. Apresento, também, a receita, em forma de exercício «enquadrado». Trata-se então do PÃO CASEIRO CONFINADO:
ontem eu fiz um pãozinho hoje um pãozinho farei e amanhã devagarinho faço o pão como eu cá sei
junto à farinha algum sal junto ao sal algum fermento e misturo o farinhal amassando a meu contento
e depois de levedar ponho o chouriço e o toucinho embrulho tipo folar e espero um bocadinho
o bocado já passado toca de ir para o forno que não esteja assanhado p’ra não queimar o contorno
passada uma meia horita e depois de arrefecer um tintol que me espevita … e então é só comer!
– Jorge Castro 06 de Abril de 2020
NOTA DO AUTOR – Pode, até, distribuir-se pela vizinhança, atirando-o de janela a janela. Para tal, deve moldar-se a massa em forma de disco voador, como quem brinca na praia…
Com um profundo agradecimento e devida vénia a Luísa Alves, geóloga, professora e tudo, partilho convosco um passeio que me foi proporcionado à terra das pedras que pisamos tantas vezes sem dar por elas e que realizei há poucos dias… Trecho breve, na relatividade das coisas, de Carcavelos à Lagoa Azul de Sintra, passando pela Praia da Poça e pelo Guincho de Cascais, tive, então, a oportunidade de olhar para aquilo que tantas vezes não vi, na passagem constante do tempo e nessa visão fugaz e sem tempo daquilo que nos rodeia.
Aqui e ali, a vida animal ou vegetal colocou-se à disposição do nosso olhar agora desperto, como partilhando cumplicidades ou, enfim, premiando a nossa atenção geralmente dispersa na espuma dos dias.
Sardinha da boa – sim, que neste altura é muito melhor do que nos santos…. – grelhada a preceito, isto é, sem nada mais do que uma pitada de sal e bastando-lhe duas voltas na grelha.
O vinho pode ser verde branco, estupidamente gelado, como se diz na canção.
O preceito da sardinha recomenda, sem imposições, que o animal repouse em fatia de pão (saloio, de forno a lenha e sem os imensos buracos que se tornaram hábito…) no momento da degustação. Assim, o faneco vai ficando impregnado do mais suculento que a sardinha nos reserva, bicho após bicho.
Trata-se, após a última sardinha, de levarmos o pão aos restos do grelhador e deixá-lo, por lá, alguns minutos, até adquirir a consistência de uma torradinha matinal.
Depois, com a maior volúpia e o que resta do vinho verde, fazer-lhe as devidas honras. Gourmet para quê?
Foi, decerto e também, a pensar num faneco assim afeiçoado que o Camões nos disse que melhor é experimentá-lo que julgá-lo…
Basta ter olhos de ver. Ter olhos de sentir. E a realidade transmuta-se nesse olhar. Ela, que sempre ali esteve, reapresenta-se: eis-me aqui. O que queres de mim? Ora, aprecia-me, vista daqui deste lado…
o repouso episódico entre voos e mergulhos
um olhar austero
à sombra da neblina
e o Bugio aqui tão perto
vestígios rupestres na areia com pegadas aleatórias