aos que dizem que não votam…

Alguns amigos talvez se melindrem, mas asseguro-vos que não vale a pena. O que agora escrevo é uma mera opinião, não é um juízo moral ou ético. É uma reflexão crítica abstracta, se quiserem. Um desabafo, também, perante algo que me é incompreensível – de onde, porventura até, a insuficiência seja minha…

Mas, na verdade, não compreendo a atitude do não-voto. Imaginemos, então, que estamos numa reunião de amigos, à volta de uns copos de boa camaradagem, em amena discussão de tempos livres…

Compreendo o desencanto. Compreendo a fadiga ou «exaustão democrática». Compreendo o aborrecimento. Compreendo o sentimento de assistirmos sistematicamente a expectativas defraudadas.

Como compreendo bem tudo isso, ainda para mais eu que, desde o 25 de Abril de 1974, voto sempre nos vencidos, quaisquer que sejam as eleições.

Mas somos cidadãos, gente! E mesmo que saibamos ser «o cadáver adiado que procria», para quê antecipar esse estatuto?

Por vezes, tendemos, até, a complicar raciocínios, esgrimindo elaboradas catilinárias – justificadíssimas, aliás – contra a política e os políticos, que sustentam a nossa lassidão.

E isso não nos dá um novo alento para nova demanda de algum Santo Graal nas nossas vidas… ou na dos nossos filhos, dos nossos netos ou tão-só daqueles a quem queremos bem?

E a sensação de pertença a uma comunidade, da qual não somos marginais, por muito avessa que ela nos seja?

Eremitas não somos, mesmo que alguns poetas pretendam afastar-se do mundo mundano, esse é sempre mais um estado mental do que uma realidade vivida.

E por falar em poetas, recorrendo e parafraseando um dos maiores, o grande Torga, permitam-me dizer-vos:

Não tenhas medo, ouve:
É só um voto
Um misto de vontade e sacrifício…
Sem qualquer compromisso,
Cumpre-o atentamente,
De coração lavado.
Poderás branqueá-lo
Anulá-lo
Por desamar
Para irritar,
Ou por seres demais sensível à tristeza.
Na segura certeza
De que mal não te faz.
E pode acontecer que te dê paz…

É já amanhã. Não se atrasem…

o «Aníbal» e o confinamento

Mão amiga fez-me chegar este texto, cuja leitura ponderada recomendo:

«O Aníbal está em confinamento em casa.
O Aníbal levanta-se de manhã pelas 08horas e vai passear o cão, porque a lei permite.
As 09horas vai levar os filhos à escola porque a lei permite.
Pelas 09:30horas vai ao pão porque a lei permite. Às 10h vai fazer exercício, porque a lei permite. Às 11horas vai às compras de bens essenciais, porque a lei permite. Ao 12:30 o Aníbal vai buscar o almoço a um take away, porque a lei permite. Pelas 14horas o cão tem de ir novamente à rua, porque a lei permite e lá vai o Aníbal. Às 14:30 vai ao banco, porque a lei permite. Pelas 16horas vai visitar os seus pais idosos que precisam de companhia, porque a lei permite. Pelas 18h vai buscar os filhos à escola, porque a lei permite. Depois do jantar o Aníbal vai fazer uma caminhada de curta duração, porque a lei permite.
No domingo o Aníbal ainda vai á missa porque a lei permite e dia 24 vai votar porque a lei permite.
Antes de se deitar o Aníbal recostado na sua poltrona sente-se feliz por ter cumprido a lei mantendo-se confinado.
Texto original: Nita»

Talvez pareça cínico, mas o que está descrito é possível, viável e claramente necessário para que a vida se mantenha. Venha daí alguém contradizê-lo.

Se se juntar a isto o desconhecimento das linhas de contágio em 87% dos casos Covid, conforme oficialmente anunciado, em que ficamos?

O «Aníbal» está apenas a fazer o que a lei permite e a sua natureza e circunstância impõem. O único óbice é saber se o «Aníbal» lava as mãos, se usa máscara, se mantém a distância física em cada um dos seus actos… Ou seja, interessa apurar se o «Aníbal» é um cidadão responsável ou se é uma besta.

E a quem compete apurar que tipo de «Aníbal» é o nosso vizinho na fila do supermercado? Um polícia para cada cidadão e/ou um cidadão para cada polícia?

Cá fica, para reflexão confinada ou, numa paráfrase que me parece apropriada: confinados de todo o mundo, uni-vos! Mas com distância física, claro…

e um dia há-de vir abaixo…

O quanto agradeceria se alguém conseguisse contar-me quantos cabos irradiam deste poste.
Pobre poste de madeira, escorado à minha casa sem autorização prévia, começou por irradiar telefonemas em tal profusão que as conversas escorriam poste abaixo, até às raízes de um alpercheiro. Então, quando alguém comia um alperce, ficava a conhecer os segredos da vizinhança…
Com menos poesia e estando o pobre ali instalado há cerca de 50 anos, falecidos os velhos cabos telefónicos, foi sendo parasitado por tudo quanto foram e são empresas de telecomunicações que, a cada contrato, instalam um cabo novo… e nunca os retiram quando os contratos cessam, até chegarmos ao despautério que se documenta.
Como a artéria não tem passeio, uma vez por outra, alguma viatura de passagem dá-lhe uma porradinha amigável ainda que involuntária. E lá vai ficando a mossa.
Um dia, a ordem natural das coisas e as tensões a que está sujeito farão com que este poste venha abaixo. O cabo de aço que o escora fá-lo-á cair nos meus braços.
Se eu sobreviver, a quem pedir contas?
(Nota, para o caso improvável de alguém responsável por alguma coisa ler este texto, a imagem foi colhida, não em qualquer local esconso do terceiro mundo, mas em Sassoeiros, Carcavelos, Cascais).

versão alargada da Pensão da Pacheca ou do albergue espanhol ou será alguma outra coisa…?

Nada me move politicamente contra o actual governo mas quando, no espaço de um escasso mês…

– o governo aprova o aumento atribuído a três administradores da TAP, em plena reestruturação desta empresa, com muitas centenas de despedimentos anunciados;

– ou quando se apressa a manifestar anuência à mirabolante habilidade da venda da concessão de exploração de seis barragens hidroeléctricas no rio Douro, por parte da EDP, por 2.200 milhões de euros, sem pagamento de impostos nem a mínima contrapartida para as regiões onde se localizam as barragens que não sejam as que provirão do erário público;

– quando esse mesmo governo considera não haver ligação entre o abate de animais na Torre Bela e a construção de uma central fotovoltaica…

Isto é tudo ingenuidade, falta de jeito, desconhecimento ou ausência de interesse pela coisa pública, meras circunstâncias mal esclarecidas junto da opinião pública… ou é pior?

questão existencial

Como é que eu posso, sem ferir susceptibilidades, mostrar que um cidadão pode, ao mesmo tempo, cumprir os ditames governamentais, por mais absurdos que pareçam, tendo um comportamento cívico absolutamente irrepreensível perante a pandemia, e, ao mesmo tempo, ser profundamente crítico em relação a essas medidas?

E porque é que uma coisa não tem nada a ver com a outra, mas não devem viver uma sem a outra?

Ah, afinal todos vocês o sabiam, mas muitos estavam só a disfarçar… Assim, está bem, já não me zango com ninguém e tenho, por aqui, um escol de amigos inteligentes!