Uma confidência: gosto muito de banda desenhada. Boa ou má, será meu o critério. Há, entretanto, um autor que aprecio sobremaneira: o galego Miguelanxo Prado. Tem um trabalho que me caiu especialmente no goto: Quotidiano Delirante. Conhecem? Se não, tentem não perder.
E vem isto a propósito de quê? Do quotidiano delirante que colho na leitura de notícias frescas, em que nos apercebemos de desequilíbrios estranhos no mundo em que vivemos e em que ficamos com suspeitas de que há para aí uns tipos a injectar substâncias proibidas. Ora vejam quatro exemplos… que nem vou comentar, por desnecessário:
A Diocese de Angra, na Ilha Terceira, Açores, decidiu colocar os funcionários e alguns padres que dependam em exclusivo dos rendimentos das suas paróquias no regime de lay-off devido à crise provocada pela pandemia de covid-19.
“Se houver quem ponha aquele espaço a funcionar como uma câmara de gás, eu pago o gás”. Foi com esta “piadola” que um coordenador da Câmara da Trofa terminou um post sobre as comemorações do 25 de Abril na Assembleia da República. Entre os 17 “gostos” estava o presidente da Câmara, Sérgio Humberto.
De Espanha chega uma notícia inesperada. As autoridades de Zahara de los Atunes, em Cadiz, decidiu desinfetar dois quilómetros de praia com doses de lixivia. O objectivo seria tornar o areal seguro para os passeios com as crianças que finalmente puderam sair de casa. Porém a desinfeção colocou em risco as dunas e matou muitas espécies marinhas.A decisão já foi considerada uma aberração ambiental e a autarquia já admitiu o erro e apresentou um pedido de desculpas.
Patrões propõem entrada do Estado para segurar empresas durante a crise. CIP defende criação de um fundo que, à semelhança do capital de risco, ajude as empresas em dificuldade. A ideia é complementar o crédito, que está a esgotar-se. O tecido empresarial português nunca gostou muito do capital de risco. Mas “entre a vida e a morte, as opiniões mudam”, atalha António Saraiva, cuja direcção ainda está a trabalhar na proposta que pretende pôr em cima da mesa na próxima semana.
Gostaram? Querem mais? Em qualquer periódico junto de si! Mas tentem proteger-se destes efeitos colaterais maléficos.
Não é o feicebuque apropriado para divulgar vaidades e desvarios? É, sim, senhores.
Assim, lembrei-me de partilhar convosco o ponto da situação de uma decisão que tomei em 13 de Março p.p. – data de início do confinamento – e que venho mantendo com rigor até à data: deixei de aparar a minha barba, dando-lhe livre curso e autodeterminação!
Acredito piamente que uma tal decisão poderá alterar o curso da Humanidade e, quiçá, até o modo como o mundo gira. Assim, torna-se um imperativo de consciência aqui lavrar testemunho de tal circunstância.
O meu ar, que passou a estar localizado ali, algures, entre o aristocrata e o sem-abrigo, evoca também um Vasco da Gama, a cerca de um mês depois de zarpar à descoberta das Índias…
Por outro lado, lembrei-me do querido Georges Moustaki, pois daqui a alguns meses de confinamento, quando alguém perguntar por mim a uma bola de pêlo de contornos indistintos poderei sempre discretamente responder de lá de trás: o Jorge? Não está aqui!
O momento é difícil. Ponto. Requer uma atitude cidadã consciente e activa. Ponto, outra vez. Nada a dizer e estejamos atentos e cumpridores ao que nos for sendo imposto tendo em vista a contenção da propagação do flagelo.
Mas, de repente, a malta vai para a praia porque a universidade fechou e cai o Carmo e a Trindade… Os órgãos da dita comunicação exasperam-se e vituperam os prevaricadores; comentadores desvairados insultam os veraneantes extemporâneos; as forças vivas (ou assim-assim) vêm à televisão recordar que aquilo não são férias…
Mas porquê? Então, o Sol não fortalece, até, a nossa imunidade e, como tal, é uma terapia oportuna? E será que, nas diversas escolas, os alunos foram industriados devidamente a enclausurarem-se nos respectivos abrigos? Ou, como habitualmente, tudo vai sendo feito «à Lagardère», tipo a-escola-fechou-até-mais-ver-podem-ir-embora…?
Já numa ida ao meu talho habitual, onde curo do meu abastecimento semanal, em vez de esperar cinco minutos – como é a bitola – tive de aguentar duas horas e meia na fila, para ser atendido, com toda a malta a levar quase todo o jardim zoológico para casa, como se estivéssemos à espera do armagedão já para logo à noite…
Mas, espera aí, aquela senhora que palita os dentes com o dedo mindinho, alterna esta modalidade desportiva com o apoiar-se na vitrina das carnes, uma e outra vez, apontando o naco pretendido ao talhante; aqueloutra, já de idade, vai-se apoiando, alternadamente, mão direita, mão esquerda, o braço todo, as costas na mesma vitrina, enquanto afaga a cabecinha loura da possível netinha, ao colo da filha, também ambas com as mãos pespegadas no vidro delambido. E aquele senhor que tosse e limpa as mãos às calças e, logo mais, ao mesmo vidro da mesma vitrina, apoiando-se enquanto pergunta a um dos talhantes se pode passar à frente, pois tem o restaurante sem carne, ainda que esteja às moscas e já estamos na hora do almoço… E as duas amigas, velhotas já, que estão também numa espécie de desafio, a dar à língua, enquanto esperam, vai para duas horas e à falta de melhor, também se apoiam à sacrossanta vitrina, à míngua de cadeiras onde repousarem o traseiro fatigado…
Quer-se dizer, só nestas escassas duas horas e meia assisti a um potencial imenso de transmissão de vírus, os mais diversos e transviados, à vista de todos e com a maior e mais santificada inconsciência e beatitude e – mais importante – sem que aparecesse uma qualquer câmara para um qualquer canal de tv, a moralizar aquelas massas inconscientes e, quiçá até, prevaricadoras.
E no talho nem está sol. Pelo contrário, o ambiente é muito fresquinho e propício a virulências.
Também fico atónito perante aquela senhora que enche três carrinhos do supermercado com rolos de papel higiénico e com a última vintena de pacotes de guardanapos de papel, ainda existentes na prateleira. Será o receio de alguma pandemia de dejectos?
Ou perante a descontrolada e chorosa funcionária, chamada a trabalhar no seu turno de descanso, porque «isto está pior do que no Natal», debulhada em lágrimas no limiar da exaustão, ainda que soltando risadinhas nervosas perante o despautério aquisitivo de algum cliente do tipo vale-mais-prevenir… apresentando-lhe para pagamento duas dezenas de caixas de comida para cachorro.
E aquele senhor, na feira de Carcavelos, que me disse, ainda hoje, que lhe parecia muito mal o açambarcamento, mas que não era nada mal pensado precavermo-nos para o dia de amanhã, não vá o Diabo tecê-las, e até já tinha um quartinho destinado a armazenar aquelas coisitas que fazem sempre falta… Quando lhe perguntei sobre o papel higiénico, diz-me ele «e porque não?».
Apesar de toda esta gente estar a exercer o seu direito de adquirir o que lhe dê na gana, se calhar, há alguma esquizofrenia nisto tudo… Para não lhe chamar loucura colectiva, claro. Em dois dias, sem qualquer indício de coisa nenhuma, o povo pirou? Este mundo está perigoso!
Iniciado «oficialmente» em 01 de Janeiro de 2004, este espaço salta, a pés juntos, para o seu décimo sexto ano de existência. Aos que o frequentam ou frequentaram, um forte abraço. Para os que nem sonham com a sua existência, um forte abraço, também.
Cada ano, cada átimo temporal, é sempre muito o que dele fazemos. Façamos, pois, todos um excelente 2020!
E deixo-vos com um apontamento, a propósito, do qual recomendo visualização, criado pelas SaganSeries, e que se refere ao tanto que convosco quero partilhar neste momento:
Assisto (assistimos) incrédulo ao afã com que inúmeras autarquias nos anunciam a queima do «madeiro do Natal ou do Ano Novo», como uma espécie de ex libris de engrandecimento da terra e respectivas gentes…
E, lá está, vemos, ouvimos e lemos e, se calhar por mau-feitio pouco esclarecido, percebemos mal. Pelo menos, eu não percebo mesmo nada.
Então, eles são os flagelos dos incêndios (sempre dantescos), ele é a emissão de carbono e de gases com efeito de estufa, ele é a salvaguarda do património florestal, elas são as famílias carenciadas sem lenha para se aquecerem, porque ao preço da electricidade não chegam, e os senhores autarcas a que temos direito o melhor que lhes ocorre é incendiarem um madeiro, durante dias a fio, para engrandecimento das terras?
Valha-nos um burro aos coices, como diria um velho professor que eu tive!
Nada me move contra novas iniciativas partidárias, coisa (quase) sempre saudável, em Democracia, mormente se se trata de congregações que se predispõem a assumir o jogo democrático.
Mas o direito à opinião é um aspecto muito querido, também, deste jogo democrático. Vem a este propósito uma abordagem interessante que mão amiga me fez chegar e que aqui partilho, com a devida vénia, acerca de algumas abordagens algo peculiares que por aí circulam:
Já agora, acrescentaria eu que, ainda por cima, a grande generalidade das rações disponíveis no mercado são importadas, aspecto do qual a balança comercial decerto se ressentirá…