jamais consegui voar e bem tenho eu tentado tento voar quando sonho mas nalgum sonho acordado entre um copo de medronho e algum serão bem passado quando chega a primavera – é um dos sonhos sonhado ao ver voar abelhões e eu para aqui sentado quando o inverno é uma fera e se fica enregelado olhando voar o fumo ou um papel mal queimado quando a notícia me traz um futuro amordaçado ou o presente nos faz ficar assim ou assado indiferentes como aquele caminhando ao nosso lado a voar só na aparência estando afinal parado pois é o mundo que roda embalando o nosso fado agora então – voar como? – assim para aqui confinado com as asas sabotadas e o viver amortalhado correntes na liberdade e futuro congelado num medo frio de fome roendo um pão estragado
jamais consegui voar e bem tenho eu tentado da passarola ao avião ou noutro objecto alado mesmo aí de pés no chão não voo sou só levado
eis então que me redime a palavra que buscava e largo as rimas em -ado e voo como sonhava.
(isto só pode ser «overdose» do dia dos poetas ou excesso de pólen primaveril…)
ser poeta é uma arrelia e a poesia uma treta coisa de fazer azia por dá cá alguma peta não nos fiemos nas flores nos madrigais nos amores uns figadais outros mais ou menos destemperados que eles dizem querer ir aos fados mas anseiam bacanais ah o mundo que lá vem e o outro onde eu quero ir mas só se vieres também que a coisa está de fugir deixa-me fazer-te um verso tão profundo e pertinaz que se leia pelo inverso e da frente para trás que ninguém bem o entenda mas que se estenda pela rua gritando não estar à venda mas vendido até na Lua é garantido sucesso flor de sal da literatura probóscide ou abcesso abstrusa criatura ganhará fama e proveito até ao momento grave em que ao pôr-se tanto a jeito nem é poeta é uma ave ou um pássaro bisnau planando ao sabor do vento como sem leme uma nau voga ao rumo do momento falo-te agora em papoilas lunares ou pior cuidares que são moçoilas campestres com apetites rupestres disfarçados de alguidares vá lá não me jures perceber o que não é entendível no limite diz-me ser algo assim meio impossível mas que tem graça e inspira o estro o astro e o mastro daquela nau à deriva mas que transpira poesia tal qual uma almotolia transporta o azeite do dia oleando oleando olé-olé até quando…?
um dia como qualquer dia tenhamos sempre presente que é criação a poesia é a palavra liberta por vontade ou acidente sob um vento de feição é a nau à descoberta com o velame e o leme ou o sonho mais estreme que nos traz a língua-mãe onde campeiam afectos epopeias e tragédias gritos-lamentos também mas também de uma revolta de amor na palavra à solta e todo o entretecer de teias que nos levam mais além de algum viver comezinho de algum estar sem sentido onde vamos sem ter volta a tolerância do nada e a intolerância do tudo onde a vida quase acaba e o viver fica mudo é o dia de voarmos para fora desse enredo desse ninho desse medo em busca de uma aventura sendo nós a criação mas também a criatura no ensaio de uma vida que é feita de todos nós onde é cada um poeta tanto maior essa meta de jamais ficarmos sós e há-de ser esse o dia em que nasceu um poeta e deu à luz poesia
Associá-los à Cultura, por maioria de razão. Hoje, por circunstâncias fortuitas, tropecei com esta feliz e oportuna entrada de Ana Sofia Paiva, que funde António Gedeão, Mário Piçarra, Águeda de Sena e Olga Roriz.
Com os meus agradecimentos à autora e para quem não conheça a versão musicada que Mário Piçarra criou para o poema de António Gedeão, a Calçada da Carriche – nas palavras de Tito Lívio, a melhor versão musicada deste excelente poema -, aqui fica, em fundo… e para ouvir até ao fim:
Esta croniqueta poderia chamar-se «tudo a favor do privado, nada contra o privado» ou «uma nota autobiográfica exemplificativa do meu espírito miudinho».
Recebi hoje, da seguradora com quem tenho contrato obrigatório para a minha viatura, uma mensagem onde constava, em anexo, a minha «carta verde» actualizada.
Como foi a primeira vez que ocorreu tal modalidade, pois que a recebia por via dos CTT, tentei apurar se estaria tudo em circunstâncias legais. E está.
Por força da Portaria 234/2020, de 08 de Outubro, a «carta verde» deixa de ter a obrigatoriedade legal de ser verde… porventura para não ser confundida até com algum marciano, agora com estas viagens de ida e volta para Marte tão facilitadas.
A «carta verde» passa, então, a ser branca. Maravilhas do progresso e das tecnologias, dir-me-ão. Mas atentemos no seguinte:
Recebido o documento por email, há que imprimi-lo, pois a obrigatoriedade de afixação da vinheta na nossa viatura não cessou. Passo, então, a ser obrigado a ter uma impressora instalada em casa ou a recorrer a algum serviço de impressão externo. Num caso e noutro, a expensas minhas.
A seguradora deixou de ter o encargo dessa impressão, além de ter deixado de ter o encargo de expedição pelos CTT.
Devo, portanto, presumir, que o seguro que pago vai baixar na devida proporção da diminuição desses custos. Ou não? É que o «resíduo» que me caberia, multiplicado por muitos segurados, deve representar uma diminuição jeitosa de encargos anuais para a seguradora.
Devo também presumir que o Estado presume que todos os cidadãos com seguro obrigatório para viaturas têm computadores e impressoras disponíveis.
Como a existência de uma Portaria leva a pensar que o Estado sabe o que se está a passar e como o Estado é o suposto garante dos interesses dos seus cidadãos, devo, ainda, presumir que o Estado já montou uma rede de impressoras, a nível nacional, que apoie os cidadãos, até o senhor Manel que ainda apascenta um rebanho lá nos confins da serra, mas tem uma lambreta para ir ao médico à cidade mais próxima…
Depois, admirámo-nos dos rendimentos pornográficos de gestores como Mexia e Companhia. Como é diferente o privado em Portugal…