Sendo este um  espaço de marés, a inconstância delas reflectirá a intranquilidade do mundo.
Ficar-nos-á este imperativo de respirar o ar em grandes golfadas.

Bob Dylan, Prémio Nobel da Literatura … II

Vão desculpar-me (ou não) que eu considere de alguma tendência para desfiladeiros mentais sem saída o presumirem-se, de perto ou de longe, no meu texto anterior, comparações abstrusas entre Bob Dylan e Quim Barreiros…
Gosto de cultivar uma coisa a que, salvo erro e omissão, se dava, ainda há pouco tempo, o nome de ironia a qual, se avinagrada, pode ir até ao sarcasmo. E tenciono morrer com este gosto.
Para o caso concreto, eu explico: se não houvesse uma tendência perturbada para as pressas, contra tudo e contra todos, que aparentemente limitam o discernimento mais avisado, talvez se pudesse descortinar que, pelo menos no meu texto sobre o assunto, se alude não às personagens nomeadas, mas à motivação anunciada pela Academia sueca para a atribuição do Prémio. 
Explico ainda mais um pouco: o justificativo consistia em eu achar estranho que o Prémio Nobel tivesse sido atribuído a Bob Dylan apenas por ter criado novos modos de expressão poética no quadro da tradição da música americana, conforme alegação da Academia sueca.
Jean-Paul Sartre recusou o Prémio, nos idos de 1964, alegando que a sua aceitação implicaria perder a sua identidade de filósofo. Ele lá sabia… E as razões invocadas pela Academia até eram bem mais objectivas do que no caso agora em apreço.
Se todos os bons pensadores que se perturbam com as tais alusões irónicas consideram que a dimensão da música do Dylan se consubstancia na mera criação de novos modos de expressão poética, lamento mas, em minha modestíssima opinião, Dylan foi subvalorizado e a atribuição do Prémio Nobel cheira-me àquilo que sói chamar-se uma recuperação do sistema.
Se assim não entenderam o que ficou escrito, tenho pena…
E continuando, se quiserem, a ironizar, eu já lia o Saramago – e ora gostava, ora não gostava… – antes de o autor ter sido nobelizado. E, tem graça, que mantenho a mesma opinião: ora gosto, ora não gosto. Vale o mesmo para o Bob Dylan: mantenho a opinião construída há algumas décadas – e não apenas por ter criado novos modos de expressão, mas sim por dizer coisas de um tal modo que suscitava, estranhamente, nos seus ouvintes, perigosos e subversivos anseios de liberdade.
Já do Quim Barreiros, ele que me perdoe, também, mas não aprecio muito, ainda que, perante as aparentes evidências, eu não ponha a mão no fogo pela Academia sueca ou pelas suas alegações para oportunidades futuras

Bob Dylan, Prémio Nobel da Literatura 2016…?!

Bem, eu aprecio bastante o moçoilo, mormente por quanto nos legou nas suas canções dos idos de 60 e de 70. 
O argumento justificativo da Academia, aliás, vai muito nesse sentido: for having created new poetic expressions within the great American song tradition, que é como quem diz por ter criado novas expressões poéticas na grande tradição da canção americana…
É de mim ou isto parece-me assim a modos que poucochinho?
De repente, ocorrem-me para cima de 475.322 nomes que, ao nível mundial, se notabilizam ou notabilizaram, na poesia, pela criação de «new poetic expressions», que é como quem diz novas expressões poéticas o que, por sinal, é coisa que distingue, geralmente, os poetas e não raros prosadores nos mais desvairados âmbitos e não apenas na «great American song tradition» que, como se sabe, é como quem diz a grande tradição da canção americana… 
Por esta senda, já algo confusa na atribuição dos nobelizados da Paz, não percamos a esperança de virmos a ter o Quim Barreiros, com as devidas proporções mas inevitáveis equivalências, também nobelizável, pelo seu contributo na criação de new poetic expressions within the great Portuguese song tradition, que é como quem diz novas expressões poéticas na grande tradição da canção portuguesa!

Nota complementar de esclarecimento: o Prémio Nobel não é atribuído postumamente, excepto em casos de morte recente relativamente à deliberação da entrega de determinado prémio. Essa circunstância reduz drasticamente os 475.322 nomes que refiro acima, mas ainda me sobram uns tantos milhares.

Claro que poderemos considerar que o José Carlos Ary dos Santos, por exemplo, quando ainda em vida – e já existia o Prémio Nobel para a Literatura… – com os seus 600 poemas musicados e os não musicados, teria sido, na óptica em presença, um caso a ponderar, obviamente que com outra pujança que o Quim Barreiros da pilhéria.

Mas entre tantos defensores e detractores do prémio agora atribuído e entre tantos autores invocados, curiosamente, mesmo entre autores do mesmo ofício, não ouvi ainda ninguém lembrar-se do Ary. E isso confunde-me, confesso.

apenas um apontamento, do tipo dúvida metódica…

Tem a TVI passado, nos últimos dias, uma reportagem sobre crianças retiradas aos pais – maioritariamente de pais imigrantes – pelos Serviços Sociais (?) ingleses por alegados (inventados?) maus tratos, e que tudo configura tratar-se de uma desgraçada e verdadeiramente escandalosa negociata milionária por parte daqueles Serviços que, entretanto, no Reino Unido estarão privatizados…
Os pais vítimas dos casos ocorridos – e que se contam por centenas – como imigrantes que são e geralmente com os naturais problemas de integração e dificuldade de acesso aos meios convencionais de defesa de cidadania vêem-se, de súbito, despojados dos próprios filhos, sem qualquer fundamento plausível ou comprovado… os quais são direccionados para a adopção…!!!
O governo português tem mantido um silêncio sobre o assunto que mal se compreende…
Alguém que me auxilie: há algum fundo de verdade nisto?  E, se sim, como é que pode o chamado «mundo civilizado» contemporizar, um dia mais que seja, com tal monstruosa e surreal barbaridade?

alguém sabe como é que os cães ladram em americano?
– questão dirigida aos adeptos de BD

Tenho andado a ser violentado por um determinado tipo de cançonetas (?!?…) que me aparecem na rádio sem pedir licença – até nas emissoras mais insuspeitas – e porque tudo aquilo me parece surpreendente demais para ser verdade, mas porque assisto a festivais e outros que tais onde a rapaziada se desgrenha a acompanhar o cançonetista (?!?…), decidi efectuar uma pesquisa que me proporcionou uma descida alucinada a um universo piroso de que não fazia ideia, a não ser nalguns pesadelos urbanos, daqueles em que acordamos todos suados e com a sensação de que acabámos de correr uma maratona… 
Mas porque o saber não ocupa lugar e um homem deve estar completado com a emergência dos seus dias, lá fui ver o que se passava. As pérolas são mais do que muitas, de tal modo que acabei por apanhar um excerto aleatório, que convosco partilho.
Os intérpretes sofrem todos muito do mal da coita que, como se sabe, é o mal de amar. São, por isso, uns coitados. Gemem, choram plangências delicodoces até ao vómito e as lágrimas correm-lhes em ímpetos descontrolados, entre angústias existenciais, dores de corno e suspeitas de impotência. E continuam a gemer – oh, baby – e atiram telemóveis contra a parede como se não houvesse amanhã – oh, yeah – e fazem-no sempre com vozes aflautadas e trémulas que não auguram nada de bom…     
Vejam só:
Eu quero esquecer
Tua traição
E arrancar esta mágoa do meu coração
Mas está difícil (ta ta ta ta ta ta ta ta)
Mas está difícil (ta ta ta ta ta ta ta ta) oh yeah

Lhe tocaste aonde?
Lhe beijaste aonde?
Lhe falaste o quê?
Eu quero saber!
Lhe agarraste como?
Lhe Fizeste como?
A imaginação está-me a remoer eh eh
Como foste capaz?
Como foste capaz?
Será que também lhe disseste eu te amo?
Como dizes a miiimmmm…. (prolongável até ao infinito)
(Se alguém me pedir, eu anuncio a autoria… Mas é de um senhor que anda por aí, nas revistas da especialidade).
Experimentem «cantar» este naco em frente a um espelho, sentados ao contrário, isto é, de cabeça para baixo, todos nus, numa cadeira estofada e depois de comerem um belo cozido à portuguesa, por exemplo – outras variações serão admissíveis, como ficar de pé, também todos nus, mas com duas molas da roupa presas aos mamilos…). 
Verão que, rapidamente, a voz se vos começa a aflautar e vos surge a sensação de que a vossa vida sentimental nunca mais será a mesma…
O que terá acontecido à Humanidade depois de terem aparecido os Doors ou a Pedra Filosofal?

entrada de leão, saída de sendeiro?

Carlos Alexandre por um triz se diz que é juiz… e não devia! 
Sim, eu sei que a cantiga não rezava assim, mas estas analogias ocorrem-me, que querem…? 
Afinal, a ser verdade o seu afastamento do «caso Sócrates», uma coisa me parece evidente: se ninguém atinava muito bem com as razões que terão levado o «saloio de Mação» a dar aquela abstrusíssima entrevista, talvez agora melhor se vislumbre a sua mais profunda motivação: dar de frosques da camisa de onze varas em que se encontrava atolado.
Ou alguém pensará que uma criatura com aquele grau de «domínio do conhecimento» seria capaz de cometer, leviana e ingenuamente,  tão leviana ingenuidade?
E talvez o processo ainda prossiga sem ele. Mas deverá prosseguir muito, muito devagarinho, como é habitual apanágio. 
E nada se apurará, como também é. O mais certo será, até, Sócrates exigir uma indemnização ao Estado, que somos nós, e sair por cima, filósofo e sorridente.  
Por outro lado, se o acto perpetrado alegadamente contra Sócrates penalizou, afinal, cirurgicamente o PS, o homem até terá desempenhado cabalmente o seu papel.
Teve mandantes? A História nos dirá… ou talvez não, para seguir, também, os parâmetros normais.
O que está feito, feito está. Nada se desmonta e tudo se toca para a frente, que para trás mija a burra e consta que o bicho está em vias de extinção.
E, assim, com papas e bolos se enganam os tolos. Pelo caminho, silenciam-se os cínicos. No entanto, ainda há, por exemplo, no facebook quem muito aplauda e defenda a criatura. Tal é a diversidade humana que nos enriquece. 
Não sei porquê mas ocorreu-me aquela velha canção do Serge Lama onde se dizia «je suis cocu mais content!»… A tradução encontra-se por aí, em qualquer consciência  mais avisada.

Miranda do Douro

Talvez romagem, talvez hábito, talvez vício… o certo é que, regularmente, lá rumo ao canto nordestino de Portugal, em viagem de afectos, em encontro de antiquíssimas amizades e afectos. Desta feita, o encontro dos antigos alunos do Externato de São José de Miranda do Douro.
Saído a meio da tarde de Lisboa, registo com agrado que escassas quatro horas e meia de viagem a velocidade legal são bastantes para cá chegarmos. Como sempre, a Sé esperava-nos…

… bem como o Restaurante da Balbina, ponto de romagem primeiro. Nele, travámos conhecimento com um cabrito grelhado, digno e merecedor dos maiores encómios. Sim, claro, para sobremesa queijo com marmelada, como deve ser!

Um sapatinho artesanal, todo feito à mão e aqui adquirido, ia contribuindo para o bem estar geral.

Depois, a visita a lugares muitas vezes vistos e sempre revisitados com carinho.

Um autóctone deu-nos as boas vindas.

A evocação sempre merecida a um velho professor a quem todos muito devemos.

E a Sé sempre de vigília.

Ah, e para os distraídos sempre vou lembrando que aqui também é Portugal.

Os dois figurões que se olham na praça.

Velhas casas de eterno retorno.

E Miranda sempre à nossa espera.
Pela manhã, a excelente vista d’A Morgadinha saudou-nos, como é seu timbre. 
Muito bem, vamos ao dia!
– Fotografias de Jorge Castro 

fotografando o dia (173)

um voo termina onde menos se espera
num recanto sem nome
na calçada-quimera
entre um desalento e um tempo perdido
um tempo de mágoa de vidro partido
um voo sem nome 
e o tempo não pára
nem o tempo mora em recanto perdido
nem o tempo espera calçada-quimera
nem as mãos cerradas de quem desespera

– Fotografia e poema de Jorge Castro

o menino de Alepo

O menino de Alepo

– igual a todos os meninos do mundo todo onde a nossa irracionalidade
conflitual perante a Vida
tanto perturba o nosso entendimento sobre essa mesma
Vida

tenho cinco anos
num espaço de tempo do tamanho do mundo
chamo-me Omran
e brinco no pátio em frente da casa
e o meu riso alegre
alegra o meu pátio
porque tenho cinco anos
e nem sei bem qual é o tamanho do mundo

mas sei o tamanho de um sonho que invento
e me brilha no olhar

tenho cinco anos
e o sangue palpita-me pelas veias fora
com a intensidade da luz

tenho cinco anos
e o mundo fragmenta-se
em dor
morte e ruínas
sobre o meu tempo do tamanho do mundo

tenho cinco anos
e cada estilhaço que me rasga o corpo
que rasga as janelas da minha casa toda
que rasga os meus pais e os meus irmãos
que rasga o meu riso
e enterra a alegria tão fundo
tão fundo
mais longe que o mundo
tece em meu redor um muro de morte
onde um silêncio espesso
impede que o Sol penetre a poeira
que vem dos destroços
sem ver cor de esperança
de uma outra maneira

tenho cinco anos
e já tão sem tempo

só tenho o meu nome
perdido o olhar…
– Jorge Castro

um Verão assim…

Já todos sabem (ou sabemos) que um poema não serve para coisa nenhuma. E, ainda assim, se escreve um poema…

há um arco negro de cinzas
a invadir-nos o chão
e um cerco de vozes-tardas
a ensombrecer a razão
mas um sol sempre a nascer
no negro de solidão
como asas brancas voando
emigrantes porque sim
porque é assim que são brancas
por ser assim que lá vão
cruzando os céus de negrumes
até ser azul-Verão
que é um azul mais profundo
do que alguma outra razão

mas não há lamento algum
que possa cobrir o manto
de tanta cinza no chão
de onde nos brota a vida
e onde se perde a razão

mas lá vão as asas brancas
a mostrar-nos porque sim
porque voar de asa branca
entre tanto e tanto não.


– Jorge Castro

Algures, no Algarve, Agosto de 2016

Pois, pois… Quem quer bons destinos para férias, procure-os, que talvez ainda encontre…

Nove horas da manhã. Temperatura da água… enfim, até eu lá entrei, sem medo. Uma praia inteirinha com vinte «gatos», se tanto, a esta hora.
Façam o favor de ser felizes. Eu volto já…
Todas as coisas têm o seu mistério
e a poesia
é o mistério de todas as coisas
– Federico García Lorca

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