alguém sabe como é que os cães ladram em americano?
– questão dirigida aos adeptos de BD

Tenho andado a ser violentado por um determinado tipo de cançonetas (?!?…) que me aparecem na rádio sem pedir licença – até nas emissoras mais insuspeitas – e porque tudo aquilo me parece surpreendente demais para ser verdade, mas porque assisto a festivais e outros que tais onde a rapaziada se desgrenha a acompanhar o cançonetista (?!?…), decidi efectuar uma pesquisa que me proporcionou uma descida alucinada a um universo piroso de que não fazia ideia, a não ser nalguns pesadelos urbanos, daqueles em que acordamos todos suados e com a sensação de que acabámos de correr uma maratona… 
Mas porque o saber não ocupa lugar e um homem deve estar completado com a emergência dos seus dias, lá fui ver o que se passava. As pérolas são mais do que muitas, de tal modo que acabei por apanhar um excerto aleatório, que convosco partilho.
Os intérpretes sofrem todos muito do mal da coita que, como se sabe, é o mal de amar. São, por isso, uns coitados. Gemem, choram plangências delicodoces até ao vómito e as lágrimas correm-lhes em ímpetos descontrolados, entre angústias existenciais, dores de corno e suspeitas de impotência. E continuam a gemer – oh, baby – e atiram telemóveis contra a parede como se não houvesse amanhã – oh, yeah – e fazem-no sempre com vozes aflautadas e trémulas que não auguram nada de bom…     
Vejam só:
Eu quero esquecer
Tua traição
E arrancar esta mágoa do meu coração
Mas está difícil (ta ta ta ta ta ta ta ta)
Mas está difícil (ta ta ta ta ta ta ta ta) oh yeah

Lhe tocaste aonde?
Lhe beijaste aonde?
Lhe falaste o quê?
Eu quero saber!
Lhe agarraste como?
Lhe Fizeste como?
A imaginação está-me a remoer eh eh
Como foste capaz?
Como foste capaz?
Será que também lhe disseste eu te amo?
Como dizes a miiimmmm…. (prolongável até ao infinito)
(Se alguém me pedir, eu anuncio a autoria… Mas é de um senhor que anda por aí, nas revistas da especialidade).
Experimentem «cantar» este naco em frente a um espelho, sentados ao contrário, isto é, de cabeça para baixo, todos nus, numa cadeira estofada e depois de comerem um belo cozido à portuguesa, por exemplo – outras variações serão admissíveis, como ficar de pé, também todos nus, mas com duas molas da roupa presas aos mamilos…). 
Verão que, rapidamente, a voz se vos começa a aflautar e vos surge a sensação de que a vossa vida sentimental nunca mais será a mesma…
O que terá acontecido à Humanidade depois de terem aparecido os Doors ou a Pedra Filosofal?

entrada de leão, saída de sendeiro?

Carlos Alexandre por um triz se diz que é juiz… e não devia! 
Sim, eu sei que a cantiga não rezava assim, mas estas analogias ocorrem-me, que querem…? 
Afinal, a ser verdade o seu afastamento do «caso Sócrates», uma coisa me parece evidente: se ninguém atinava muito bem com as razões que terão levado o «saloio de Mação» a dar aquela abstrusíssima entrevista, talvez agora melhor se vislumbre a sua mais profunda motivação: dar de frosques da camisa de onze varas em que se encontrava atolado.
Ou alguém pensará que uma criatura com aquele grau de «domínio do conhecimento» seria capaz de cometer, leviana e ingenuamente,  tão leviana ingenuidade?
E talvez o processo ainda prossiga sem ele. Mas deverá prosseguir muito, muito devagarinho, como é habitual apanágio. 
E nada se apurará, como também é. O mais certo será, até, Sócrates exigir uma indemnização ao Estado, que somos nós, e sair por cima, filósofo e sorridente.  
Por outro lado, se o acto perpetrado alegadamente contra Sócrates penalizou, afinal, cirurgicamente o PS, o homem até terá desempenhado cabalmente o seu papel.
Teve mandantes? A História nos dirá… ou talvez não, para seguir, também, os parâmetros normais.
O que está feito, feito está. Nada se desmonta e tudo se toca para a frente, que para trás mija a burra e consta que o bicho está em vias de extinção.
E, assim, com papas e bolos se enganam os tolos. Pelo caminho, silenciam-se os cínicos. No entanto, ainda há, por exemplo, no facebook quem muito aplauda e defenda a criatura. Tal é a diversidade humana que nos enriquece. 
Não sei porquê mas ocorreu-me aquela velha canção do Serge Lama onde se dizia «je suis cocu mais content!»… A tradução encontra-se por aí, em qualquer consciência  mais avisada.

Miranda do Douro

Talvez romagem, talvez hábito, talvez vício… o certo é que, regularmente, lá rumo ao canto nordestino de Portugal, em viagem de afectos, em encontro de antiquíssimas amizades e afectos. Desta feita, o encontro dos antigos alunos do Externato de São José de Miranda do Douro.
Saído a meio da tarde de Lisboa, registo com agrado que escassas quatro horas e meia de viagem a velocidade legal são bastantes para cá chegarmos. Como sempre, a Sé esperava-nos…

… bem como o Restaurante da Balbina, ponto de romagem primeiro. Nele, travámos conhecimento com um cabrito grelhado, digno e merecedor dos maiores encómios. Sim, claro, para sobremesa queijo com marmelada, como deve ser!

Um sapatinho artesanal, todo feito à mão e aqui adquirido, ia contribuindo para o bem estar geral.

Depois, a visita a lugares muitas vezes vistos e sempre revisitados com carinho.

Um autóctone deu-nos as boas vindas.

A evocação sempre merecida a um velho professor a quem todos muito devemos.

E a Sé sempre de vigília.

Ah, e para os distraídos sempre vou lembrando que aqui também é Portugal.

Os dois figurões que se olham na praça.

Velhas casas de eterno retorno.

E Miranda sempre à nossa espera.
Pela manhã, a excelente vista d’A Morgadinha saudou-nos, como é seu timbre. 
Muito bem, vamos ao dia!
– Fotografias de Jorge Castro 

fotografando o dia (173)

um voo termina onde menos se espera
num recanto sem nome
na calçada-quimera
entre um desalento e um tempo perdido
um tempo de mágoa de vidro partido
um voo sem nome 
e o tempo não pára
nem o tempo mora em recanto perdido
nem o tempo espera calçada-quimera
nem as mãos cerradas de quem desespera

– Fotografia e poema de Jorge Castro

o menino de Alepo

O menino de Alepo

– igual a todos os meninos do mundo todo onde a nossa irracionalidade
conflitual perante a Vida
tanto perturba o nosso entendimento sobre essa mesma
Vida

tenho cinco anos
num espaço de tempo do tamanho do mundo
chamo-me Omran
e brinco no pátio em frente da casa
e o meu riso alegre
alegra o meu pátio
porque tenho cinco anos
e nem sei bem qual é o tamanho do mundo

mas sei o tamanho de um sonho que invento
e me brilha no olhar

tenho cinco anos
e o sangue palpita-me pelas veias fora
com a intensidade da luz

tenho cinco anos
e o mundo fragmenta-se
em dor
morte e ruínas
sobre o meu tempo do tamanho do mundo

tenho cinco anos
e cada estilhaço que me rasga o corpo
que rasga as janelas da minha casa toda
que rasga os meus pais e os meus irmãos
que rasga o meu riso
e enterra a alegria tão fundo
tão fundo
mais longe que o mundo
tece em meu redor um muro de morte
onde um silêncio espesso
impede que o Sol penetre a poeira
que vem dos destroços
sem ver cor de esperança
de uma outra maneira

tenho cinco anos
e já tão sem tempo

só tenho o meu nome
perdido o olhar…
– Jorge Castro

um Verão assim…

Já todos sabem (ou sabemos) que um poema não serve para coisa nenhuma. E, ainda assim, se escreve um poema…

há um arco negro de cinzas
a invadir-nos o chão
e um cerco de vozes-tardas
a ensombrecer a razão
mas um sol sempre a nascer
no negro de solidão
como asas brancas voando
emigrantes porque sim
porque é assim que são brancas
por ser assim que lá vão
cruzando os céus de negrumes
até ser azul-Verão
que é um azul mais profundo
do que alguma outra razão

mas não há lamento algum
que possa cobrir o manto
de tanta cinza no chão
de onde nos brota a vida
e onde se perde a razão

mas lá vão as asas brancas
a mostrar-nos porque sim
porque voar de asa branca
entre tanto e tanto não.


– Jorge Castro