Continuo com grandes dúvidas quanto à necessidade de um poema… Mas o que é certo é que lá vou tropeçando em palavras que se juntam sem pedir licença. Desta vez, por diversão feicebuquiana (com a Rosário Freitas) dei por mim agricultor… e surgiu isto:
POEMA PARA O DIA DE AMANHÃ
certo dia plantei uma metáfora no húmus de vaga ideia que sem saber me aflorara adubei-a a réstias de inspiração e protegia-a de agruras de ventos crus ou de fera maresia
quando vi que enraizara enxertei-lhe um soneto lento de rima cadenciada a meia altura da base até um ponto incerto algures entre o desconhecimento e coisa nenhuma só para ver se florescia
cerquei-a de vivências torpes de mal-queridas verdades de atropelos e más sortes mas também de três sorrisos um de papoila outro estrela e outro de ouvir o mar onde o tempo esmorecia
e quando chegou Abril já muitos anos depois de um tempo de clausura vi a aventura crescer direita ao céu perturbante em cada folha uma pena em cada fruto um poema e Abril acontecia.
– Jorge Castro em tempos de covid19, de 16 de Abril de 2020
Porventura pela evocação do sacrifício de (outro) cordeiro pascal, tocou-me a mensagem da minha amiga Júlia Coutinho, que me recordou, hoje, um poema de José Gomes Ferreira, que é sempre oportuno. Aqui fica a mensagem da minha amiga e o poema, para que a memória nos auxilie a criar um mundo melhor.
E hoje, que estou a reler José Gomes Ferreira, envio um poema seu de Set 1979 quando a GNR matou dois trabalhadores no Alentejo.
O poeta chorou… e eu, não sendo poeta, fiquei tão chocada que não consegui reter as lágrimas durante dias. No Portugal de Abril a guarda matava um homem de 40 e um jovem de 17 por quererem trabalhar as terras.
Abraço amigo e… Páscoa Feliz nesta fase de reinvenção dos dias.
julia
Aqui Nesta planície de sol suado Dois homens desafiaram a morte, cara a cara, em defesa do seu gado de cornos e tetas.
Aqui onde agora vejo crescer uma seara de espigas pretas
Quando os dois camponeses desceram às covas, Ante os punhos cerrados de todos nós, Chorei!
Sim, chorei, Sentindo nos olhos a voz do que há de mais profundo nas raízes dos homens e das flores a correrem-me em lágrimas na face.
Chorei pelos mortos e pelos matadores – almas de frio fundo.
Digam-me lá: Para que serviria ser poeta Se não chorasse Publicamente Diante do mundo?
José Gomes Ferreira
(Em memória de José Caravela e António Maria Casquinha, mortos em Montemor-o-Novo às mãos da GNR em Set. de 1979 por defenderem a Reforma Agrária)
Poderia lançar aqui um poema circunspecto, quiçá conceptual, um tudo ou nada selecto… Mas é dia de poesia em que vivo constrangido… e por tal constrangimento falo de um dia vivido:
Um dia de Corona
já eu estou que nem me tenho sem poder sair do ninho com a parceira me avenho de longe aceno ao vizinho
corta aqui – fura acolá em arranjos sem ter fim p’ra que serve, digam lá ter um tão lindo jardim?
na calçada queimo ervinhas libertando olor profundo… – estou a falar das daninhas, ó almas do outro mundo!
lá dou de comer ao melro ao rabirruivo, ao pardal… tenho lenha, se não erro p’ra cortar ‘té ao Natal
se tivesse cão iria para a praia passear mas como tenho a Maria em casa devo ficar
bem chateia um tanto estar no nem ata nem desata vou tentar deambular pondo uma trela na gata
pelo feicebuque passeio traseiro bem instalado apuro cenas pelo meio e fico mais ilustrado
ilustrado nem é bem pois lá passeiam vaidades gostamos do que convém e o resto nem são verdades…
mas sempre lanço uns bitaites como se filosofasse depois visito alguns «saites» e espero que o tempo passe
para tratar do traseiro temos cá muito papel não faço da merda tinta nem dos dedos um pincel
vejo filmes, leio livros e sou feliz de algum modo e se me faltam convívios vou-me às árvores… e ali podo
depois uma especiaria à refeição apurada eu e a minha Maria, a gata… não falta nada
vejo então televisão – Corona de ponta a ponta e Marcelo até mais não, mas o António é que conta
e em vez de dar um grito vem-me o Aleixo à memória neste momento aflito que confunde até a História:
ó vós que do alto império prometeis um mundo novo calai-vos que pode o povo querer um mundo novo a sério…
Amizades, A sessão que estava aprazada para o próximo dia 27 e que eu vos iria anunciar foi cancelada, mesmo antes desse anúncio, por razões que estão na ordem do dia. Também canceladas foram todas as iniciativas previstas para o Dia Mundial da Poesia. Mas estamos aí! Direi que não há vírus que corte a raiz ao pensamento… E se as circunstâncias aconselham e impõem confinamento, seja. Mas a vida continua! Proponho-vos, então, uma sessão virtual, em que todos podem entrar:
– Abaixo segue um poema meu, suscitado pelos dias que correm.
Aqueles de vós que assim o quiserdes, respondei-me em forma de poema ou de prosa poética (dimensionalmente contida, claro) e, se não tiverdes problemas de foro autoral, eu publicá-lo-ei, por ordem de chegada, no meu blog Sete Mares (sete-mares.org). Quem sabe, não desagua a coisa em publicação, para depois do vírus…
Jorge Castro, 16 de Março de 2020
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da Lourdes Calmeiro
Resistir para amanhecer:
Se COVID 19 (CoronaVirus) = infectados+pessoas++++mortes — FIQUE EM CASA !!!
Mas as Romãs = Ácido Elágico (antioxidante+anti-inflamatório+imunológico) + zinco + magnésio + vitamina C…
(Cansado, muito cansado com o matraqueamento viral a que vimos estando sujeitos, dei por mim a escrever disparates, que é uma terapia de equilíbrio mental que muito prezo e muito me ajuda a sobreviver…)
– para ser cantarolado com a popular modinha Meninas, vamos ao vira…