ao costurar dois conceitos cuidei ter feito um poema eram meros preconceitos preceitos para uma cena de teatro de fantoches ou até de marionetas onde por mais que deboches assim nascem os poetas
dois conceitos saturados do sal que a vida nos traz em contraluz ofuscados com sol batendo por trás como quem tange a rebate um sino que não está lá por electrónica que farte do tanto que ela nos dá
um poema incontinente de mil pés ambulacrário a correr de trás para a frente e sempre em modo contrário quem o ouviu poema o disse quem o sentiu mais choroso chamou poema-chatice ao tal poema manhoso.
quando olho para ti esses teus olhos lembram sempre aquele mar cheio de estrelas onde cedo aprendi a navegar nem era meus os caminhos eram delas reflectidas nessa ondulação do mar
sempre em vão me esforcei por entendê-las por trazê-las junto a mim ao meu lugar mas talvez por serem tão somente estrelas tão prementes tão belas tão distantes só as tive na carícia de um olhar.
porque o tempo é sempre feito de mudança as quimeras e utopias são reais muda o tempo muito mais que a vista alcança mas o sonho esse então nunca é demais
há-de ser sempre Abril este meu hino de lutar contra o pavor de ter amarras há-de ser de Abril decerto esse destino de fazer de negras noites manhãs claras
esse tempo tempo este o que virá onde tu e eu e nós gritamos sim contra muros a erguer penas e espadas e ao sair a vida à rua em dia assim vai trazer-nos boas novas e alvoradas
esse tempo tempo este o que virá feito urgente em cores da fraternidade a trazer ao peito o grito conhecido sempre urgente a relembrar toda a cidade que o povo unido nunca mais será vencido
esse tempo tempo este o que virá cravo-Abril sendo flor e temporã de acender este querer ser que em peito arde por mais que tarde já lá vem o amanhã porque Maio vai florir e nunca é tarde.
Dizem-me que houve, há dias, o dia do beijo. Ora, para o bem de nós, é melhor que nos beijemos sempre que apetecer.
E, por falar nisso, preparando uma sessão em que estarei, hoje, envolvido, tropecei com este meu poema, que vos deixo, e que já conta com uns anitos de ver a luz do dia. Espero que ele vos estimule o dia…
beijo
vês? chegámos de novo a Abril e os teus olhos abrem-me sempre novas madrugadas os teus seios de oferendas mil ensejos mil moradas
o teu ventre abre-se em flor e cruzas o tempo na promessa de um prazer que é quase dor ou quase sede de que abusas
e a tua pele quando me acolhe de veludo a maciez mas quase ardência nessa urgência em que eu pare e p’ra ti olhe e ao de leve te pressinta uma premência de ti um fremir quase ventura que estremece porque tanto me apetece dos teus lábios a suave comissura
a minha língua toca-a levemente e os teus lábios recebem-me e desenham-se em sorriso e afogam-me e bebem-me sem aviso e o tempo voa assim sem dor nem hora porque é feito de Abril o que em nós mora.
Porque hoje é sábado, como diria o velho Vinícius, fui passear até ao parque para tentar corresponder ao desafio que o Carlos Peres Feio fez para o próximo dia 15 de Abril.
DESENHANDO NO PARQUE
– em contemplação bucólica (também faz falta…) num jardim que me acolheu
vou ao parque e faço um traço no espaço que deslaço onde a vida se entretém risco a risco lá me arrisco enquanto o sol permanece enquanto a noite não vem
sinto o verde que apetece e as flores que mal despontam sob os pés de mil passantes e na sombra do arvoredo estão dois jovens amantes que despertam nostalgia num beijo que é dado a medo à pressa e sem demasia
no espelho da lagoa as aves criam enredos perturbando a quietude que os peixes cruzam à toa e os meus traços são vontades que afloram o papel recriando realidades como ave quando voa
nesta paleta de cores não me cabem os odores nem os gritos de criança é o que vejo e pressinto neste parque onde me sento p’ra além do que a vista alcança
nem há guerra nem há paz só tanto o que à vida vem quanto à vida satisfaz
lá estou eu sem lá estar bem pois por mim nem sequer dou em tanto que o parque tem.