Proponho-vos um pequeno passeio por algumas das famílias que temos cá por casa, a maioria produto de trabalho artesanal, acompanhado do poema que destino, este ano e como habitualmente, à época que atravessamos.
O vídeo, naturalmente, ainda é o mais artesanal de todos os trabalhos, mas vai carregadinho das melhores intenções.
Com renovados votos de boas festas, um novo ano pleno de felizes realizações… e saudinha da boa!
Apenas como exercício mental ou de divulgação da nossa Literatura, ocorreu-me desenvolver quadras que me fossem suscitadas por títulos de obras de escritores portugueses, sendo que cada título deve rematar cada quadra. Enfim, podia dar-me para bem pior… Assim, para as primeiras impressões, cá ficam:
Luís de Sttau Monteiro
quando a Lua predomina num enredo junto ao mar é a vida que se anima pois FELIZMENTE HÁ LUAR
Vitorino Nemésio
era o vento agreste o vento um tormentoso sinal nesse mar fero lamento por MAU TEMPO NO CANAL
Fernando Pessoa
nas pessoas de Pessoa tais e quais de ego a ego é Soares quem nos entoa o LIVRO DO DESASSOSSEGO
José Cardoso Pires
não será só um cetáceo mas tenho cá para mim sentir algo mais coriáceo no enredo d’O DELFIM
Raul Brandão
valerá por mais razão saber porquês saber comos ao ler de Raul Brandão a obra maior – o HÚMUS
António Lobo Antunes
saber de cus? – bom sinal já que assim bem mais me ajudas pois que eu procuro afinal onde são OS CUS DE JUDAS
Herberto Hélder
das voltas que a vida dá em volta da vida à solta volta e meia volto lá a dar OS PASSOS EM VOLTA
Carlos de Oliveira
leio muito sem canseira e se o tino me não erra era Carlos de Oliveira o autor de FINISTERRA
Jorge de Sena
na sua escrita indócil não faz da escrita um jogo nem é de leitura fácil leiam-lhe OS SINAIS DE FOGO
Valter Hugo Mãe
há coisas estranhas também neste mundo em maus lençóis ser criada por um Mãe A MÁQUINA DE FAZER ESPANHÓIS
Lídia Jorge
da vida e do seu alforge retratando as almas nuas traz serena a Lídia Jorge O VENTO ASSOBIANDO NAS GRUAS
Afonso Cruz
se não sabeis sabereis não que se diga ou se veja mesmo ao contrário das leis JESUS CRISTO BEBIA CERVEJA
Ramalho Ortigão e Eça de Queirós
há um riso desabrido e ouço um soar de harpas quando leio embevecido um episódio d’AS FARPAS
apelo despudorado deste povo hospitaleiro muito alegre e estouvado mas carente de dinheiro
entre entre senhor Turista tome assento faça vista pois se o senhor não vier vamos de mal a pior nem haverá gente aqui nem aqui nem acolá com todos ao deus-dará sem saber o que fazer neste país de aluguer onde o destino de tantos é buscar pelo mundo afora alguns cantos e recantos onde ganhe a vida à hora já que por cá só a perde e encontrá-la… demora
se não vier com presteza cá lhe deixo uma certeza: o governo ruirá tribunais – outros que tais o parlamento um tormento e presidente outro mais todos quais baratas tontas sem saber o que fazer com as tantas soltas pontas deste país a encolher e se o senhor não vier se faltar a sua ajuda vai ser um deus-nos-acuda ou pior se-deus-quiser
venha lá senhor Turista traga o euro e a alpista que a pardalada tem fome pois ele há muito olival fruta avulsa amendoal mas ninguém lhes sabe o nome entre estufas escondidos como outrora alguns bandidos se escondiam no arvoredo desses não há pois coitados por tanto incêndio assolados estão expostos demais … ou então esturricados como os outros animais
venha ao golfe ao futebol às praias com pôr do sol e à noite cheia de estrelas venha ver as caravelas que fazemos no chinês e se não lhe bastar isso ainda terá na paisagem o baloiço o passadiço a sardinha o arraial que dizem por sua vez muito made in Portugal
venha ao magote às carradas à molhada em dasatino que ele há cerveja às litradas ou um Porto de honra fino à espera de tal hoste para que não se desgoste e connosco se confunda
venha lá mas não abuse pois com tal peso não aposte que este país não se afunda…
e daí onde te sentas seja no lugar mais próximo do sol poente ou na alvura tensa de uma alvorada pressentes ainda a voz de Camões? pressentes a aventura? a tempestade? o perder-se de amores e desamores que o amor nos traz? o ser-se maior que o mundo naquele momento em geral fugaz para tanto nos sobrando engenho e arte? e não só ser-se pequeno e incapaz com o medo de ser grande em qualquer parte?
ouves então e ainda esse Camões que celebramos sem deter um pensamento no saber porque foi grande e das razões que o amarram a Portugal impenitente?
feliz sejas então e venturoso e que percorras o caminho esperançoso do teu passado a caminho do futuro.
Todos temos o direito a defendermo-nos. Ninguém tem o direito de agredir.
CONTRA A GUERRA DE AGRESSÃO
não se me dá desta guerra ou de outra guerra qualquer nas mãos ficam-me pungentes os cravos das incertezas cravados a feros golpes pelos donos da razão
falas-me de heróis semimortos alinhados nas paredes que se vão crivar de balas dos corpos já trespassados? falas-me de outras crianças que brincam com estilhaços manchados da cor estranha do sangue das suas mães? falas-me das mãos decepadas dos artistas militantes entre arroubos de Guernica ou de rosas de Hiroshima?
de que nos valem razões na sem-razão de uma guerra? numa baioneta de ódio que sangra um coração moço? num míssil cobardemente lançado à vida que passa? nos tanques tão couraçados contra a flor que desponta? em comboios de degredo numa terra de ninguém? nesse sangue derramado por todos e de ninguém? que serve aos senhores da guerra mas não serve a mais ninguém?
não se me dá desta guerra ou de outra guerra qualquer que serve aos senhores da guerra mas não serve a mais ninguém!
Sabem do que se trata? Pois bem, trata-se do mais recente trabalho de um infatigável lutador em prol da calçada portuguesa, o bom amigo Ernesto Matos – https://sites.google.com/site/ernestomatosimagens – (design gráfico e fotografia), desta feita, numa parceria com o escritor António Correia.
A participação, em forma de poema, foi aberta a vários autores e também me coube a honra de ser um dos convidados.
Aqui vos deixo uma parte dessa minha participação, em forma de:
QUADRAS SOLTAS NA CALÇADA
ao enquadrarmos a quadra nos quadrados da calçada as pedras são a palavra os versos fazem-se estrada
lanço versos na calçada como quem suspira amores e a pedra esbranquiçada vai-se enchendo de mil flores
pela mão que a pedra dome pelo sonho feito anseio dessa dura pedra informe faz-se um mar nalgum passeio
as calçadas são abraços vão da minha casa à tua nelas desenhei os passos que vão dar à minha rua
veja lá tenha cuidado ao poisar seu pé no chão pois que as pedras da calçada foram bordadas à mão
vejo remos redes barcos a bordejarem a praça são na calçada seus marcos lembrando o mar a quem passa
não sei porque tomam jeito assim as pedras do chão pareciam postas a eito mas formam um coração
português por teus esteios ao mundo deste grandeza e nele lavraste os passeios em calçada à portuguesa
lavrei-te a quadra num cravo com Santo António pela mão surgiu em ti um mar bravo nesta calçada em mar-chão
lanço versos na calçada como quem suspira amores e a pedra esbranquiçada vai-se enchendo de mil flores