Naves in Petris

Sabem do que se trata? Pois bem, trata-se do mais recente trabalho de um infatigável lutador em prol da calçada portuguesa, o bom amigo Ernesto Matos – https://sites.google.com/site/ernestomatosimagens – (design gráfico e fotografia), desta feita, numa parceria com o escritor António Correia.

A participação, em forma de poema, foi aberta a vários autores e também me coube a honra de ser um dos convidados.

Aqui vos deixo uma parte dessa minha participação, em forma de:

QUADRAS SOLTAS NA CALÇADA

ao enquadrarmos a quadra
nos quadrados da calçada
as pedras são a palavra
os versos fazem-se estrada

lanço versos na calçada
como quem suspira amores
e a pedra esbranquiçada
vai-se enchendo de mil flores

pela mão que a pedra dome
pelo sonho feito anseio
dessa dura pedra informe
faz-se um mar nalgum passeio

as calçadas são abraços
vão da minha casa à tua
nelas desenhei os passos
que vão dar à minha rua

veja lá tenha cuidado
ao poisar seu pé no chão
pois que as pedras da calçada
foram bordadas à mão

vejo remos redes barcos
a bordejarem a praça
são na calçada seus marcos
lembrando o mar a quem passa

não sei porque tomam jeito
assim as pedras do chão
pareciam postas a eito
mas formam um coração

português por teus esteios
ao mundo deste grandeza
e nele lavraste os passeios
em calçada à portuguesa

lavrei-te a quadra num cravo
com Santo António pela mão
surgiu em ti um mar bravo
nesta calçada em mar-chão

lanço versos na calçada
como quem suspira amores
e a pedra esbranquiçada
vai-se enchendo de mil flores

  • Jorge Castro

a José Afonso

Uma homenagem:

A JOSÉ AFONSO – POR TER BARCOS POR TER REMOS

não havia qualquer som na neblina
que pairava densamente na cidade
quando amar era névoa clandestina
e balada só rimava com saudade

mas ergueu-se uma voz
doutras seguida
uma voz de cantar
a voz erguida
deste chão só de sombras e degredo
este chão e esta voz que desgarrada
soube ser
e crescer
e ser amada
essa voz que cresceu só contra o medo
essa voz que acordou a madrugada.

  • Jorge Castro
    (Poema integrado no projecto 25 Poemas para o Zeca, em 25 de Abril de 2012, com Ernesto Matos e a Câmara Municipal de Lisboa)

a João Baptista Coelho

O amigo João Baptista Coelho, poeta, que nos deixou há alguns dias, era um eterno enamorado da sua companheira de vida e esposa.
Cascais, na pessoa de uma querida amiga, pediu-me que eu emprestasse a minha voz a um poema daquele amigo poeta, «Poema para a Minha Mulher», a que correspondi com muito gosto, até como mais uma homenagem ao João Baptista Coelho.
E, afinal, até consta que hoje se celebra o dia dos namorados…

JOÃO BAPTISTA COELHO (1927-2021)

Tive, hoje, conhecimento de que, no passado dia 20 de Dezembro, faleceu João Baptista Coelho.

Dele direi que conheci um homem bom. Companheiro e mestre, fiel e empenhado, em inúmeras sessões de poesia, esposo amantíssimo e de total entrega, ainda que discreto, amigo fiável como poucos, de fino humor e sempre cavalheiro.

Relembro amiúde o episódio em que, tendo-se esquecido do seu inseparável chapéu dos dias frios, na sala da Biblioteca de São Domingos de Rana, onde desenvolvíamos uma das sessões das Noites com Poemas, ao ausentar-se um pouco mais cedo, para o invariável apoio à sua companheira, regressa, logo mais, constrangido por interromper a sessão, com um impagável «Desculpem, mas esqueci-me da tampa do talento…».

A diferença de idades não impediu nunca as cumplicidades ou a disponibilidade para projectos comuns, onde a sua participação se pautava invariavelmente pelo cultivo do ritmo e da rima, em cada poema, com especial mestria, num certo revivalismo dos nossos clássicos nesta arte, e de onde destacaria o seu à-vontade notável na construção de sonetos.
Isso conduziu-o a alcandorar-se a mais de um milhar de prémios em competições poéticas – caso já de si notável – sendo que mais de 250 foram primeiros lugares.

Há algum tempo tinha desaparecido dos nossos convívios, após a morte da esposa, e, apesar de sempre lembrado no nosso núcleo de «poetas itinerantes e intermitentes», certo é que respeitámos a sua ausência, um pouco como se se tratasse de não perturbar o repouso merecido de um guerreiro.

Legou todo o seu impressionante (e, porventura, único) espólio de troféus à Junta de Freguesia de São Domingos de Rana, que se preparava para organizar uma exposição com os mesmos, em homenagem a este seu munícipe, entretanto já agraciado com a Medalha de Mérito Cultural desta Freguesia, em 2014.

Remeto-vos, com a devida vénia, para o sítio http://www.truca.pt/raposa…/lugar_88_joao_b_coelho.html
onde poderão encontrar mais informação sobre este tão discreto quão prolífico poeta, como tantos outros ignorado das ribaltas literárias de ocasião. E para os amantes de poesia, não deixem de apreciar, cuidadosamente, os poemas ali contidos, onde poderão sentir o pulsar de uma vida… que, tardiamente mas sempre a tempo, soube encontrar na poesia a voz que, de outro modo, o mundo não ouviria.

Se se diz, com um exagero benévolo, que um poeta não morre, quero crer que isso será verdadeiro enquanto perdurar em nós, sobrevivos, a memória do homem e da sua obra. Até sempre, pois, caro Baptista Coelho.

De João Baptista Coelho – Poema Universal

Disseram-me que a Vida era um poema;
que a Terra era um jardim, sempre florido;
que o Homem era a obra mais suprema
dum Deus que, ao universo, deu sentido.

Disseram -me que a paz é nossa Lei;
que, aos homens, a Verdade era o seu pão;
e eu, menino ingénuo, acreditei,
vivendo oitenta anos na ilusão.

Agora, já distante o meu Outono,
e olhando o meu caminho vagabundo,
a noite vem pintar-me no meu sono
o quanto há de Mentira neste mundo.

Falaram-me do Homem, todo amor,
e raro lhe encontrei o verso e a rima;
Falaram-me da Terra, como flor,
e eu lembro aquela, imensa, … a de Hiroshima.

Falaram -me do pão que é a Verdade
nas nunca o vi crescer perante a Vida;
Falaram -me de paz na sociedade
e sempre a vi, na Terra, adormecida.

Falaram-me em sementes e fartura;
em sonhos que, amanhã, serão reais;
e vi-os definhar sem ter frescura,
sem chão onde encontrassem o seu cais …

Falaram-me, também, em Liberdade
que o mundo considera uma riqueza;
que muitos trocariam, de vontade,
por uma sopa quente em sua mesa.

Escutei-lhes as promessas de abastança
e o voto de mais Luz e mais comida;
e vejo, a cada passo, uma criança,
faminta, … mendigando, … a mão estendida.

Ouvi-lhes exaltar o pão-trabalho
a par da segurança no emprego;
mas vi um povo triste, já grisalho,
em busca de salário e de sossego.

E nesta caminhada ao mais-além,
ao ver o erro imenso em que vivi,
abalo e deixo ao mundo o meu desdém
por quanta falsidade guarda, em si.

Mas parto com um grito de protesto,
na busca de outro rumo do destino:
“Num mundo-presunção, tão desonesto,
não voltam a mentir ao eu-menino!”

Jorge Sampaio

(Lisboa, 18 de setembro de 1939 – Carnaxide, 10 de setembro de 2021)

Quando nos lamentamos por ausência de valores ou de referências nas nossas vidas que possamos transmitir às gerações vindouras, para além de nos auxiliarem a nós próprios a trilhar a dureza dos dias, lembremo-nos de um nome, que é um exemplo maior:

JORGE SAMPAIO

Viva José Afonso!

Em 02 de Agosto de 1929 nasceu José Afonso.

Dele e do seu imenso legado musical e político eu e tantos já dissemos muito e outro tanto haverá a dizer, assim nos sobre engenho e arte.

Deixo aqui uma dessas simples homenagens de minha autoria que lhe dediquei, em projecto de Ernesto Matos – «25 Poemas para o Zeca» – e que viva o José Afonso!

A JOSÉ AFONSO – POR TER BARCOS POR TER REMOS

não havia qualquer som na neblina
que pairava densamente na cidade
quando amar era névoa clandestina
e balada só rimava com saudade

mas ergueu-se uma voz
doutras seguida
uma voz de cantar
a voz erguida
deste chão só de sombras e degredo
este chão e esta voz que desgarrada
soube ser
e crescer
e ser amada
essa voz que cresceu só contra o medo
essa voz que acordou a madrugada.

  • Jorge Castro
    06 de Março de 2012