Deixo-vos a mensagem de despedida da Associação 25 de Abril, assinada por Vasco Lourenço, «Abração de Abril a Otelo»:
Caros associados
É com enorme pesar que a Associação 25 de Abril comunica o falecimento de Otelo Nuno Romão Saraiva de Carvalho, o Capitão de Abril que, naquele “dia inicial, inteiro e limpo”, o 25 de Abril de 1974, liderou o Posto de Comando do Movimento das Forças Armadas, acção fundamental na vitória sobre uma ditadura de 48 anos que conduzira os portugueses ao obscurantismo, à guerra colonial e à pobreza. Homem de enorme coragem e generosidade, sempre ao serviço dos seus ideais, com um coração onde cabiam, acima de tudo, os mais genuínos sentimentos da Amizade, serviu Portugal sem se servir, deixa um legado que a memória dos portugueses não esquecerá. Otelo ficará na História de Portugal como um dos principais Capitães de Abril. O País fica mais pobre com a sua partida. Como mais pobres ficam a sua Associação 25 de Abril e os seus Amigos. Os nossos profundos e sentidos pêsames aos seus familiares. Pessoalmente, vejo partir um grande Amigo, a quem envio um enorme abração de Abril! Até sempre, caro Otelo
Vasco Lourenço
P. S. Informamos que o corpo do Otelo será velado na Igreja da Academia Militar (Gomes Freire / Paços da Raínha, Lisboa). O velório está previsto para o dia 27, terça-feira, e o funeral (cremação) para o dia seguinte, 28, quarta-feira. Assim que obtivermos informações mais concretas, divulgá-las-emos.
Otelo Saraiva de Carvalho deixou o nosso convívio, hoje, com a idade de 84 anos, e a democracia que somos e que temos ficou empobrecida.
Figura polémica, controversa, contraditória, até, mas sempre apaixonada, de palavra fácil e coração ao pé da boca, era o que eu rotulo como um ser humano bom.
Talvez haja melhores mas, seguramente, há muitos piores. A ele, à sua entrega e disponibilidade em prol do ser humano, a par da de muitos camaradas de armas, devemos o êxito do derrube da ditadura.
Quem se “entretiver” com exercícios desviantes com invocações a “campos pequenos” e outros devaneios, peço o favor de que vá bater a outra porta. Tive o prazer de o ouvir em diversas situações e, até, de falar com ele. E dessa experiência vos digo que me sinto, hoje, deveras penalizado pelo seu desaparecimento.
Associá-los à Cultura, por maioria de razão. Hoje, por circunstâncias fortuitas, tropecei com esta feliz e oportuna entrada de Ana Sofia Paiva, que funde António Gedeão, Mário Piçarra, Águeda de Sena e Olga Roriz.
Com os meus agradecimentos à autora e para quem não conheça a versão musicada que Mário Piçarra criou para o poema de António Gedeão, a Calçada da Carriche – nas palavras de Tito Lívio, a melhor versão musicada deste excelente poema -, aqui fica, em fundo… e para ouvir até ao fim:
ele é o homem na cidade o homem-voz de um povo inteiro que pela sua voz era diferente
cantor de um fado em dó maior por si sentido por esse povo em sua voz ser renascido a reinventar o amor nas ruas frias da cidade enferma enferma de liberdade até à redenção enferma de saudade até ao coração que a razão cultiva o outro fado do outro lado de toda a vida que há em Lisboa num beco esconso mas corre mundo e corre a vida até ao osso ou à medula do que mais vale
a nossa voz que ele redimiu e reforçou onde a palavra se engrandece de pedra e rosas de andorinhas de uma loucura ao desencanto e as tabuinhas de uma janela feita do espanto que acontece depois do pranto depois da prece quando se ergue a voz do povo onde Lisboa sempre amanhece…
– não deixo de me comover com a imagem deste herói solitário, descendo a Avenida da Liberdade, em 25 de Abril de 2020…
Carlos Alberto Ferreira assim mesmo sem mais ser desce a Avenida liberto e a Liberdade é seu nome é o que tem de mais certo que assim se fez ao nascer
desce a passo compassado leva com ele o pendão que dá nome a uma nação e sobre os ombros transporta
leva o pendão em penhor de um destino maior futuro que mais importa
Carlos Alberto Ferreira desce trajado a rigor a Avenida e é senhor da verde e rubra bandeira que nas suas mãos é a flor de em Abril florescer para uma nação inteira.
Jorge Castro – 28 de Abril de 2020
(fotografia da autoria de José Sena Goulão, publicada pela Associação 25 de Abril)