aquele homem, sim, era um poeta

aquele homem
sim
era um poeta

não se lhe sabe obra escrita
palavra dita ou ditada
mas decerto era um poeta
sofria espantos de luz num ocaso evanescente
e de tormentos de cor ao voo de mariposas
tinha frémitos de amor em primaveril campina
e o céu de tanto azul inundava-o de ternura
tal como um nascer do sol lhe dava melancolia
via universos nas nuvens que ninguém apercebia
e trajou luto cerrado ao pisar uma papoila

por fim foi crucificado
num pelourinho de injúrias
e à sua face serena lançaram pedras de escárnio
insultos só de arrogância

mas por entre a turbamulta que o ódio enegrecia
ele divisou um olhar de criança
que sorria
e morreu serenamente
como raro acontecia mesmo nos dias mais calmos
de tormentos pressentidos

aquele homem
sim
era um poeta
algo que ninguém sabia.

  • Jorge Castro
    29 de Novembro de 2021

das saudades…

Este poema tem como inspiração algo que li na página de Cristina Carvalho. Das saudades…


hoje eu senti saudades
coisa estranha de sentir
coisa que a razão contesta
mas que dizer dessa festa
de sentir e de sorrir
só por sentirmos saudades?

saudades
por reviver
algo que já foi vivido
nem é crime nem castigo
é tão-só um regresso
quem sabe
aquele recomeço
de algum momento incumprido
ou então por ter cumprido
um momento mais sentido

passo a vida a ter saudades
da hora em que fui nascido.

  • Jorge Castro
    26 de Novembro de 2021

o direito de ser

Por vezes pergunta-se porque nasce um poema… Tenho para mim que essa é uma questão quase irrespondível, tantas as respostas.
Hoje, entretanto, ouvindo notícias e assistindo a esse flagelo dos refugiados pelo mundo, deu-me para o soneto, não por catarse, mas por reflexão – porventura canhestra – sobre o ser humano.


O DIREITO DE SER
tentamos as palavras impossíveis
nesse tempo de miséria e de mágoa
e queremos ser aquela gota de água
vogando pelos mares imperecíveis

quantos ventos adversos infindáveis
e correntes tormentosas contra a proa
dessa nau de melindres sempre à toa
sendo as velas e o leme tão mutáveis

na certeza bem maior da vida incerta
mesmo contra a rigidez de cada muro
seja nossa a palavra assaz desperta

hausto grande de ar mais limpo e bem mais puro
porque a vida é sempre um grito de alerta
nós seguimos numa esperança de futuro.

  • Jorge Castro
    18 de Novembro de 2021

breves reflexões outubrinas
em ambiente feicebuque (III)

23 de Outubro

Reflexão matinal, ainda em pijama:
Quando leio e ouço que “os partidos de esquerda querem tudo para aprovar o orçamento” sinto-me preocupado é com a circunstância do povo português aparentemente não querer nada para aprovar o orçamento…

23 de Outubro

Aterrei acidentalmente naquela treta dos agricultores e das agricultoras de brincar da SIC e fiquei, subitamente, muito mais enriquecido. Então não é que uma das balzaquianas de serviço acaba de proferir a seguinte máxima: “toda a gente gosta de um deite”.
Ainda não faço bem ideia do que seja, mas sinto-me muito mais enriquecido.

24 de Outubro

Continuando as minhas perturbações linguísticas de quem, enfim, já tem alguma idade, hoje foi a vez de uma estudante de Coimbra me informar televisivamente de que estava com uma vaibe muito boa…
Está visto que preciso de me inscrever num curso para adultos.
Mas se até para o calão é preciso saber inglês, ainda não me decidi em que língua careço de actualização.

25 de Outubro

Em estudos alterosos nos quais me envolvo para atinar um pouco com o mundo à minha volta, concluí que houve, de facto, uma profunda mudança de paradigma:
Antigamente (e como é penoso o ar desta palavra) a meteorologia era determinante para os ciclos agrícolas e a qualificação de bom ou mau tempo prendia-se com a sua adequação aos interesses do lavrador no amanho da terra.
Agora, é diferente. A meteorologia é boa ou má consoante implica favorável ou desfavoravelmente com a nossa marcação de férias.
Parecendo que não, isto explicará muitas coisas…

25 de Outubro

Agora foi um técnico em aproveitamento de energia solar para iluminação que nos vem dizer que o peibeque é rápido…
Bem pesquisei no “pai dos burros” e não atinei com tal peibeque.
Fiquei com a ideia de que o senhor estaria a referir-se ao retorno do dinheiro investido. Mas não tenho a certeza, que estas coisas são muito complicadas.

breves reflexões outubrinas
em ambiente feicebuque (II)

21de Outubro

Eu, por acaso, cada vez percebo menos disto, o que me deixa à vontade para seguir a corrente e dizer uns disparates a armar ao analista político.
Vejamos: pelo aparente conteúdo do orçamento para 2022, o que é que impede que o PSD faça um acordo geringonçante com o PS, alcançando-se, assim, a almejada e consensual estabilidade do regime?
Pois, mas António Costa, numa lua cheia há uns largos mesitos, informou o povo de que acordos com o PSD, “jamé!”, que viria logo o governo ao chão e outras coisas assim catastróficas…
Jogada de mestre, esta, que deixou o BE e o PCP reféns desta salada. Se aprovam orçamentos perdem eleitores; se tiram o apoio ao governo perdem eleitores… Tudo a bem de um governo de “esquerda”, claro. E num caso ou noutro ainda têm a acusação de chantagistas em cima.
Nos entretantos, Costa ri-se, Rui desatina, a gasolina sobe a cumes incomensuráveis, a electricidade é o que se vê, os quadros da fiel depositária andam por aí, as “entidades reguladoras”, que nada regulam, pululam quais cogumelos, as negociatas miseráveis que se vêm fazendo de há uns bons 40 anos para cá não conhecem culpados nem remissão e Portugal vive com dois milhões de pobres, calma e tranquilamente…
Claro que esta descrição pode pecar por simplista e caricatural, mas há algum erro no raciocínio?
Façam lá uma pausa na telenovela e juntem os trapinhos, só para ver se podemos ficar um bocadinho mais felizes todos.

22 de Outubro

Quando ouço falar em “trabalho digno” sinto sempre um arrepio incómodo…
É que me lembro de que a minha companheira foi professora do ensino oficial durante 40 anos, mas nos primeiros 17 andou em bolandas com o estatuto oficial de professora “definitiva-provisória”.
Lembro, também, o esvaziamento avassalador de quadros na (grande) empresa onde trabalhei, substituídos por trabalhadores no malfadado “outsourcing”, alguns dos quais mantêm ainda esse estatuto há mais de vinte anos.
Lembro a passividade cúmplice dos sindicatos para quem – e inúmeras vezes o ouvi – a desregulamentação do mercado do trabalho era uma “inevitabilidade”… quando deviam lutar por se tratar, isso sim, de uma ilegalidade.
Lembro o atropelo, também ilegal, dos contratos colectivos de trabalho, obrigando as novas admissões à aceitação de contratos individuais com o pagamento de salários inferiores a metade do que auferiam os abrangidos pelos contratos colectivos.
Lembro-me dessas realidades vividas e muitas mais do mesmo quilate… e quando ouço, agora, falar no trabalho digno corro a munir-me de uma toalha de banho para não me encharcar de lágrimas de crocodilo.

22 de Outubro

Esta ideia nasce de uma conversa com um familiar próximo que me é muito caro e assim aqui ficam os créditos que lhe são devidos.
Mas nasce, também, porque me deu na cabeça fazer um teste de ADN. E escusam de estar para aí com palpitações, que eu não vou revelar minudências nenhumas acerca das minhas origens, que isso é muito coisa minha.
Mas informo, muito humildemente, todos os meus amigos que, se alguém se quiser referir à minha pessoa, com alguma exactidão quanto à ascendência genética, o mais correcto é chamarem-me mestiço.
Está combinado? Obrigado.
(Curiosamente, depois desta alteração, hoje acordei exactamente igual a ontem…)