aquele homem
sim
era um poeta

não se lhe sabe obra escrita
palavra dita ou ditada
mas decerto era um poeta
sofria espantos de luz num ocaso evanescente
e de tormentos de cor ao voo de mariposas
tinha frémitos de amor em primaveril campina
e o céu de tanto azul inundava-o de ternura
tal como um nascer do sol lhe dava melancolia
via universos nas nuvens que ninguém apercebia
e trajou luto cerrado ao pisar uma papoila

por fim foi crucificado
num pelourinho de injúrias
e à sua face serena lançaram pedras de escárnio
insultos só de arrogância

mas por entre a turbamulta que o ódio enegrecia
ele divisou um olhar de criança
que sorria
e morreu serenamente
como raro acontecia mesmo nos dias mais calmos
de tormentos pressentidos

aquele homem
sim
era um poeta
algo que ninguém sabia.

  • Jorge Castro
    29 de Novembro de 2021