um poema (sempre) incompleto

tanta vez a ausência nos
atarda
na imensa desmesura de algum
dia
e esse dia – que é tão nosso
– se abastarda
entre  o ser e o não ser que se enfastia
um afecto tanta vez
desperdiçado
um juízo artifício da razão
um abraço de punhal
amortalhado
que cravamos numas costas de
feição
e vivemos muito pouco assim
perdendo
duma vida inteira o que o tempo
perdeu
e corremos em redor não
percebendo

que outro dia já lá vem e o sol
nasceu…

– Jorge Castro

Esta, sim, a notícia do dia!
– se quiserem, dos verdadeiros namorados

– momento que dedico aos meus amigos siderais Pedro Mota, Rui Malhó e Rui Vieira Farinha.

dois buracos negros
impertinentes
após se terem libertado da respectiva estrela colapsada
e tirando-se de seus lazeres
circunstantes
rodearam-se e valsaram no universo estelar

imbuídos de uma matéria astronomicamente maciça
e infinitamente compacta
determinaram a sua singularidade
reflectida nos respectivos corações
onde o tempo pára
e o espaço deixa de existir

mas como tudo isto é muito relativo
e após ambos determinarem o seu horizonte de eventos
região que – como todos sabem –
é local de onde não se pode regressar
e também como – já segundo Einstein dizia –
a gravidade pode influenciar no movimento da luz
por aquela valsa dos buracos amantes
vamos todos vogando
universalmente
ao ritmo e cadência das sua ondas gravitacionais de paixão
produzidas no turbilhão do cosmos

– trata-se afinal do mais recente desenvolvimento da Invenção do Amor
do poeta Daniel Filipe
em que os amantes siderais
subverteram
com o seu acto de amor
a cidade siderada…

– Jorge Castro
11 de Fevereiro de 2016

bucolismos

– talvez seja pela saudade esperançosa de mais sol, cá vos deixo um poema suscitado em tempo de névoa densa e frio agreste…

ao correr pelos campos da intriga
onde eu sei que a inveja dá semente
não me atardo na colheita de uma espiga

corro mais por saber que mais à frente
há searas de outra luz que mais me abriga
e me traz mais da vida e mais urgente

busco então as papoilas de veludo
que tão rubras dão ao dourado o calor
mais que o Sol que no estio cobre tudo

e as aves que esvoaçam com ardor
em chilreios que dão voz ao campo mudo
são a vida a cumprir-se de outra cor.

– Jorge Castro

amizades,
não sei dizer-vos em duas palavras…

… o que me apetece dizer em três. Nem o Natal é o que se quiser antes de ser a baliza onde um ano finda e, logo, um outro começa.

Não há machado que corte a raiz ao pensamento, cantava-nos Manuel Freire, com clarividente espírito libertário, semeando tantas frondosas árvores de livre arbítrio que, ainda e sempre, permanecem como esteios de vida para aqueles que dessa mesma vida têm, por superior objectivo, vivê-la.

Mas, como em tudo, ele há machados e machados e, muito especialmente, há os nossos olhos quando observam as coisas que nos rodeiam – a que alguns chamam, a propósito, a raiz do pensamento.

Vem isto ao caso de, em lojinha (Memórias) que conheço lá para a Rua das Flores (número 18), no Porto, onde sempre me maravilho com produtos manufacturados com graça e originalidade pelo engenho humano, ter tropeçado com o objecto que vos deixo, nataliciamente, em imagem e que se me depara como metáfora para os dias que vamos vivendo.

Nestes dias necessários de ver com olhos de ver, tentemos olhar para o mundo que é o nosso com outro olhar, mais articulados com uma dimensão de Humanidade, onde não nos devemos alhear da reformulação de tantos conceitos.

– produto artesanal da serralharia O Pinha de Manuel Machado, em Celeirós, 

ali para os lados de Braga.
O certo é que me emocionei com a reutilização dada pelo artista aos três elementos de ferro, agreste e duro, que compõem a escultura, comummente designada como presépio ou sagrada família. Não sei se aqui reside, em mim, um limiar de religiosidade, mas sei que foram mãos humanas que, conjugadas com um cérebro inquieto e observador, deram à luz tal peça, diferente em tudo dos elementos que a enformam, e, ainda assim, não desdenhando a sua matriz.
Esta, pois, a tal metáfora com que vos deixo, a todos, os meus votos de festas felizes. E um poema, claro:

Natal 2015

tudo muda nesta vida
para que a vida aconteça
cai a noite adormecida
para que o dia amanheça
e assim muda o nosso olhar
com tudo aquilo que vemos
por vezes até o mar
se faz chão quando queremos

nada fica sem mudança
num imenso torvelinho
um homem ontem criança
uma ave a sair do ninho
e na vida assim passando
nessa espiral infinita
vai a esperança esperando
em tudo quanto acredita

e em cada ano que passa
a vida por nós passando
sentimos que nos abraça
a vontade de ir voando
e lá vamos sem parança
que a vida toda se inflama
e lá ao longe de esperança
já o horizonte nos chama

e com temor ou audazes
a rir levamos a sério
o sentirmo-nos capazes
de ser parte do mistério
connosco uma nostalgia
que é também vida afinal
… mas já lá vem outro dia
se quisermos de Natal.

– Jorge Castro
Dezembro de 2015

aquele era o homem que sabia voar


acordou bem cedo em manhã de Outono
e os ventos traziam nuvens de além-mar
e ao sair à rua a meio de um sonho
descobriu desperto que podia voar

percorreu falésias
sentiu maresias
voou sobre as ondas
voou sobre os dias
e sempre desperto tão perto do sonho
ele ficou mais certo de saber sonhar.

– Jorge Castro