namoro… (porque não…?)

dias há em que volto a ser poeta
que por mim passa a lonjura do futuro
e tão só por reparar nos teus olhos
sempre perto do horizonte a descoberto

dias desses não são raros
mas esparsos
surgem num virar de esquina
num momento
numa rua da cidade que percorro
nesse instante em que vou
de encontro ao vento

é então que até pedras da calçada
redescobrem o desenho de algum mar
onde perco o andar no teu olhar
animado pelos tons das madrugadas.

– poema de Jorge Castro

quem nos ouve?

quem nos ouve?

quem experimenta a imensidão do silêncio
em frente a este mar sem fúrias?

fica-nos o dedilhar intenso da guitarra de Paredes
na esperança viva de semear centelhas
sobre as águas

acordar
sim
acordar
deste torpor de cadeias
que nos deixamos impor
como se de nada fôssemos ninguém

correr à frente da vida
tangendo cordas prementes de infinito
que se encontram sempre ao alcance da mão em voo
apesar das neblinas

quem nos ouve senão nós
se estamos sós?

– poema de Jorge Castro

a noite
no X aniversário da Casa da Horta da Quinta de Santa Clara
com Paula Viotti e «Diz A Noite»

a noite
vem de improviso
não bate à porta nem entra
cai em nós sem dar aviso

uma vidraça escurece e entorpece a vontade
nesse torpor que acontece no bulício da cidade

– que pena não poder vê-las na luz parada da urbe
às infinitas estrelas
luzeiro que o céu invade
dossel que ninguém perturbe –

desce o manto do mistério sobre as vidas e as andanças
como um grito que se escreve numa parede de lanças
tudo à noite é bem mais sério
bem mais curtas as esperanças

e sobram medos
na noite
que nos escorrem pelos dedos
feitos desejo
premência
de uma urgência que se afoite
em busca de uma outra urgência
no breve acaso de um beijo

e a Lua cresce do mar domando as nossas verdades
e aponta outro navegar
novas marés de vontades

a noite é lar dos poemas
que fogem à luz do dia
talvez só porque alguns temas
da cor da noite as verdades
se fazem de mais poesia

– poema de Jorge Castro

o que há para se fazer terá de ser feito hoje

– no dia da morte de Vítor Alves, capitão de Abril

o que há para se fazer terá de ser feito hoje
e se puder feito já e feito já nesta hora
não por pressa nem demora que o tempo nunca nos foge
mas fugimos nós ao tempo julgando que vá embora
algum tempo em contratempo onde a amargura se aloje

ou se anoje a desventura de esperar sempre amanhãs
que não cantam nem sorriem se não dermos corpo ao grito
emudecido e aflito nas dormências tão malsãs
em que se escoam os dias e as esperanças sem fito
que ele há um tempo de searas e outro tempo de romãs

e nas campinas papoilas dão seu brado sem ter medo
de que o seu sangue vermelho marque a diferença no chão
que nem por isso se esconde esse azul do céu enredo
nem ficará pelo meio da Lua uma translação
de criar marés e dias e os ventos no arvoredo

o que há para se fazer terá de ser feito hoje
que o amanhã tem por certo o ser-nos um tempo incerto
e não nos ficar por perto o ontem que já passou

o que há para se fazer terá de ser feito hoje
corpo de uma esperança aflita ou de um sonho que voou.

– Jorge Castro
09 de Janeiro de 2010

madrigal

Hoje trouxe, de um dos meus lugares diários de restauração, quase que uma flor em forma de comentário, quando me foi dito, perante um pedido meu mais intenso, qualquer coisa como «não me peça chorando o que lhe dou sorrindo»… Piegas, lamecha? E daí? Tenho os impostos em dia e não me consta que deva alguma coisa que não pague. E um madrigal cai sempre bem, qual seja a circunstância, mesmo em torno de uma pizza Tropical… 

não peça chorando
o que dou sorrindo
nem de vez em quando
nem se já estou indo

não vá embarcando
pelo lago infindo
mesmo lago brando
pôr de sol fugindo

seja assim andando
seja assim dormindo
jamais perturbando
algum sonho lindo

e nem mesmo quando
não há flor florindo
não peça chorando
o que dou sorrindo

– poema de Jorge Castro