quotidiano delirante (17) – alguma insegurança social

Imaginem uma necessidade premente de contactarem telefonicamente os serviços da Segurança Social em nome de um familiar que, por razões de doença, não está em condições de o fazer. Sei lá… por exemplo, para tratar de uma isenção em taxas moderadoras que tarda em efectivar-se…
Sabem o que vos vai acontecer? Uma senhora simpática, do outro lado, diz-vos que poderá transmitir a informação necessária, também telefonicamente, mas apenas mediante a autorização, outra vez telefónica, do próprio beneficiário.
Então, mesmo sem desligar a chamada, vocês chamam o tal próprio beneficiário – que pode mesmo ser ele ou talvez não –  que, ainda uma vez mais e sempre ao telefone, confirma que, sim senhora, está a autorizar a prestação da informação a terceiro.
E a informação é-vos transmitida.
Se isto não é a manifestação cabal de que estamos a viver num regime de estupidez institucionalizada, então é o quê?
Claro que vos serão solicitados alguns dados identificativos. Mas esses obtêm-se em qualquer lado e sobre qualquer cidadão, sem grande esforço.
Pessoalmente, até considero aligeirado o procedimento, que nos alivia de deslocações sempre incómodas. Mas, por outro lado, onde é que mora a reserva de confidencialidade que se deve esperar em matérias onde ela é ponderosa?
Vejamos: estas coisas têm sempre por trás um despacho regulamentar interno qualquer, que alivia os funcionários de responsabilidades espúrias. Assim sendo, também neste caso, terá existido uma inteligência qualquer que definiu que, a bem do cidadão, esta confirmação telefónica seria útil e necessária e, seguramente, muito mais simplex.
Mas a verdade é que, pelo menos enquanto os telefones não reproduzirem a imagem de cada utente, qualquer um pode dizer, ao telefone, que é o senhor fulano de tal e que confirma tudo e mais alguma coisa… ou não será?
Colocada perante esta dúvida, a senhora funcionária simpática, em resposta, riu-se muito simpaticamente. Eu também. Mas agradeci muito a informação que me foi transmitida.

este IRS troicado…

O que eu mais aprecio, mas aprecio mesmo, neste atoleiro do qual não há modo de sairmos, é a disfunção sistémica de que enfermam os «serviços» na sua relação com o povo.
Vejamos: o cidadão sai cedo do seu emprego; corre para casa, através do trânsito urbano abstruso. Arma o estendal papeleiro em casa, avisando a família de que, hoje, o jantar deve atirar para mais tarde. Tudo avisado, arregaça as mangas, limpa os óculos, cata a máquina de calcular, distribui criteriosa e ordenadamente os incontáveis papelinhos que coleccionou, religiosamente, toda a família durante um ano.
Apresta-se a cumprir esse ritual de cidadania, ainda mais urgente nesta «terrível crise que atravessamos», mas ritual que tem tanto de imperativo cívico como de masoquismo penitente… e liga o computador portátil.
Passwords e o camandro, ei-lo a digitar… ou melhor, a tentar digitar as permissas de acessibilidade. E eis-nos no reino do Serapião, que é uma coisa que ninguém sabe o que é e eu também não:

(NOTA – acabadinho de ocorrer num sítio perto de mim…)
Pois eles serão «o mais breve possível», seja lá isso o que for no mau português que esta gente (ab)usa. Eu é que me sinto, subitamente, muito abaixo do corno da história!
E escusam de clicar aqui ou ali ou na pata que os pôs, que aquilo não abre para lado nenhum. Vais ver que isto tudo é por culpa do chumbo do Tribunal Constitucional…
Vá, agora cantemos todos: 
meninos, vamos à tróica, ó ai,
que a tróica é maravilha
metei o IRS, ó ai,
ali onde o Sol não brilha!
Raismaparta mais esta incomodidade constante de não ter nascido no Canadá, carais!!!   

Um testemunho

De um testemunho no Facebook…

Já visitei a Venezuela e Cuba. Mas, esta tarde, visitei, pela primeira vez, um país do terceiro mundo. Eu conduzia pela via de acesso ao IC19 quando observei dois homens que seguiam junto ao rail vindos do Hospital Amadora-Sintra. O mais novo aparentava 45 anos e tinha a cara tostada pelo sol. O mais velho devia ter cerca de 80 anos e trazia um dreno ensanguentado junto à cintura. O filho trazia o pai que havia tido um AVC e uma infecção urinária. Ficaram na Brandoa. Foi onde os deixei depois de ter decidido dar-lhes boleia. Não tinham dinheiro para o transporte de ambulância. Durante a viagem, envergonhado, o filho concordou comigo. Este é o país em que os donos dos bancos e das grandes empresas enchem os bolsos através da humilhação dos trabalhadores e dos reformados. O velho mal se compreendia. Muito cansado tentava comentar com muita dificuldade o que se dizia. Mas houve um momento em que encheu a voz de força e rematou: “É preciso um novo 25 de Abril”. Respondi-lhe, então, que se o havia que repetir que fosse sem cravos. Pelo espelho retrovisor, vi-lhe o sorriso. Não sei o que lhe passava pela cabeça. Mas, na minha, vi o nosso povo unido esmagar os que assim tratam os que sacrificaram o melhor das suas vidas pela felicidade de outros. E sorri-lhe de volta.

as misérias dos poderosos

Carlos Peixoto, deputado do PSD pela Guarda, licenciado em licenciaturas (?), perorando no jornal i, aqui há uns dias atrás, acerca do que é, na sua visão limitada, serôdia e com muitas probabilidades de ser mesmo imbecil, o mal tremendo que assola Portugal, destrambelha-se com o seguinte dislate: “A nossa pátria foi contaminada com a já conhecida peste grisalha.
E, como forma de debelar o mal, tresvaria numa apologia à fornicação procriativa, como se não houvesse amanhã, para concluir com esta inevitabilidade: «Se assim não for, envelhecemos e apodrecemos com o País.
Contaminação, peste e apodrecimento. Eis como a bestialidade desta criatura, por associação, mimoseia os seus avós, pais e a si próprio, muito em breve, pois conta já este garboso pimpolho com 45 anitos feitos.
Eu não sei em que alfombre foram criados estes cidadãos ou, melhor dizendo, em que entulheira medraram tais fungos que assim se assanham contra quem, afinal, lhes garantiu e garante o sustento.
Sim, porque do alto dos meus grisalhos sessenta anos, com mais de trinta e cinco de vida retributiva, trabalhando por conta de outrem (isto é, pagando efectivamente impostos) e com mais cerca de meia-dúzia de anos de vida activa pela frente, sou um dos que está a sustentar a vidorra da criatura e, até, segundo os cânones distorcidos da sociedade em que vivemos, lhe estou, mesmo, a assegurar a futura reforma que, como deputado que é, lhe deve estar para muito breve.
As grandes questões que se me colocam são as seguintes:
– Esta gentinha não pode ser banida da Assembleia após uma barbaridade deste quilate? Vai tão longe a imunidade parlamentar? Os seus pares (e nós todos) não temos vergonha na cara e permitimo-lo como representante da nação? Os pais dele – se é que não nasceu de geração espontânea, por entre os tais fungos… – convivem bem com este filho ou já lhe pespegaram dois bofetões bem aplicados e o baniram do convívio familiar?
Poucos dias depois, o mesmo inefável Peixoto – que assim apurámos ser homem dado a filosofias pimba -, entulha-nos as consciências com mais este primor: quem aceita «o casamento homossexual pode também vir a aceitar o casamento entre irmãos, primos directos ou pais e filhos…».  
Ora estamos aqui com uma contradição tremenda naquela cabecinha pensadora: se é verdade que a união entre homossexuais, no estadio actual da técnica civilizacional, não gera rebentos, pelo menos sem assistência colateral, já o casamento entre irmãos, primos directos ou pais e filhos pode vir a revelar-se um modo airoso de dar bom seguimento ao que o homem acima preconiza: a procriação como desidério nacional. Afinal, sempre se diz que em tempo de guerra não se limpam armas…
O meu receio é tão só que as consanguinidades daí decorrentes venham a dar origem a muitos Peixotos como este desta fábula…

de que será que o sindicato do céu está à espera para promover uma acção de desagravo contra esta exorbitância?

Para registar e ver com olhos de ver:
A Associação Empresarial de Penafiel contratou quatro desempregados a 43 cêntimos à hora para se vestirem de Pai Natal. Segundo o Jornal de Notícias desta quarta-feira, os animadores, operários da construção civil, recebem 83 euros por 30 dias, mais subsídios de transporte e alimentação.

A Associação Empresarial de Penafiel pretendia, para o período compreendido entre 1 e 31 dezembro, quatro pessoas para o «desenvolvimento e promoção de ações de animação do comércio local no Centro Histórico de Penafiel, durante o período natalício e apoio à equipa existente», explica Graça Castro, diretora do Gabinete de Comunicação e Relações Externas do IEFP – Instituto do Emprego e Formação Profissional, I.P.
«Dos candidatos presentes oito aceitaram voluntariamente a participação neste projeto e foram encaminhados para a entidade (Associação Empresarial de Penafiel), destas foram selecionadas 4 (quatro), de acordo com o número indicado na candidatura», explicou Graça Castro. (in http://diariodigital.sapo.pt/news.asp?id_news=606179

NOTA: Se dividirmos 83 € por 4 semanas, atingiremos as 48 horas de trabalho semanal; se dividirmos os mesmos 83 € por 30 (!) dias – sábados, domingos e feriados, tudo incluído -, teremos um total de 6 horas e meia de trabalho diário… Que palavras dizer? 

Muito para lá da ironia amarga do título que escolhi para esta entrada, há, na verdade, qualquer coisa de miserável naquilo que os mandantes andam a fazer contra a nação portuguesa.

 

Há, afinal, qualquer coisa de miserável nesses mandantes.

 

E porque 43 cêntimos por hora de trabalho é qualquer coisa a que não se pode chamar remuneração, nem honorários, por ser aviltante e explorar a carência de tudo, só podemos estar em presença de mais uma manifestação hipócrita da «caridadezinha» que apregoam as Jonets do nosso descontentamento.

Note-se que, se é certo que considero avilante esta exploração, os agentes desse aviltamento são, como não pode deixar de ser considerado, os que contratam e assim pagam o tempo (a vida?) dos contratados e apenas sobre eles incide o ónus do adjectivo. 

E quando o trabalho é remunerado como esmola, algo está definitivamente podre neste reino, que urge expurgar com carácter de urgência!