Sendo este um  espaço de marés, a inconstância delas reflectirá a intranquilidade do mundo.
Ficar-nos-á este imperativo de respirar o ar em grandes golfadas.

estou para aqui a pensar na
Constituição da República Portuguesa…

Note-se que sou daqueles que alinha com Jorge Torgal quando nos diz que, em Portugal, os resultados no combate à pandemia têm sido bastante positivos, nomeadamente, em comparação com muitos outros países europeus.

Dito isto, não deixo de me sentir perturbado, enquanto cidadão, com algumas – vamos chamar-lhes assim – «emanações» pontuais das diversas autoridades, a começar pelo governo… e por aí abaixo, onde são exorbitadas as competências definidas na lei.

Refiro-me, agora, especificamente ao enclausuramento concelhio obrigatório entre os próximos dias 30 de Outubro e 03 de Novembro, sem invocação de razão nenhuma de especial monta, a não ser a putativa romagem aos cemitérios (?).

Neste contexto, decretar o dia 02 de Novembro como dia de luto nacional para prestar homenagem «a todos os falecidos», em particular às vítimas mortais da covid-19, até soa a hipocrisiazinha de mau gosto.

Não vou atenazar-vos a paciência com matéria já tão submetida aos mais desvairados comentários. Deixo, apenas, para apreciação, um bocadinho da Constituição que nos rege, a mim, a si e aos governantes, também:

Artigo 19.º

Suspensão do exercício de direitos

1. Os órgãos de soberania não podem, conjunta ou separadamente, suspender o exercício dos direitos, liberdades e garantias, salvo em caso de estado de sítio ou de estado de emergência, declarados na forma prevista na Constituição.

Artigo 44.º

Direito de deslocação e de emigração

1. A todos os cidadãos é garantido o direito de se deslocarem e fixarem livremente em qualquer parte do território nacional.

Artigo 137.º

(Competência para a prática de actos próprios)

Compete ao Presidente da República, na prática de actos próprios:

d) Declarar o estado de sítio ou o estado de emergência, observado o disposto nos artigos 19.º e 141.º

Assim, ou o presidente Marcelo volta a promulgar o estado de emergência ou o primeiro-ministro Costa não pode decretar o impedimento de circulação ou não estamos, assumidamente, num estado de direito.

Uma de três e, permanecendo em democracia, temos pena, mas não fica alternativa!

A prática reiterada deste tipo de atropelos, que enveredam pela lógica de que os fins justificam os meios, apenas fragiliza a Liberdade e a Democracia. Haja disso a consciência!

dia do poeta

hoje é dia do poeta
como se ontem não fosse
ou amanhã não será

ser poeta é um momento
do tamanho do universo
que nasce ao correr do tempo
sem ter ontem e amanhã

mas desfalece ou perece
quando ao tempo lhe parece
um poema coisa vã

mas não é
nunca será
porque um poema é o tempo
que trazemos lá de trás
e que se faz da esperança
no dia que lá virá.

e poeta então será
quem quer que atravesse o tempo
ontem
hoje
ou amanhã.

  • Jorge Castro
    20 de Outubro de 2020

uma provocaçãozinha, em modo poético…


… após leitura de poemas de «autores consagrados» que li aqui e ali – alguns de vós entendereis melhor o alcance da proovocaçãozinha, mas nem todas as cumplicidades podem ser do mesmo tamanho.


Se, em tempos, escrevi um «pastiche» de José Saramago que mereceu um comentário elogioso do próprio – e acreditem porque sou eu a dizê-lo! – porque não enveredar por caminhos poéticos algo diversos dos que me são habituais? Ora, lede e vede:


A modos que um poema pós-moderno
vejo-me daqui ali sem sair de onde estou
as cadeiras em meu redor despertam o silêncio
dançando um tema de Gardel
numa esgrima de pernas tentacular
em amontoados de mobília sem sentido
o som dolente do tango
funde-se numa valsa estranhamente austríaca
onde os violinos são como gôndolas venezianas
mergulhadas em glaucos abismos
de estridências vibrantes
e eu e tu sozinhos sob uma aurora boreal
pressentimos o desejo do solstício


ah se uma gaivota portuguesmente voasse nos céus de Phuket
outro galo nos cantaria
na urbanidade de Auckland
onde pai e mãe me afagam na derradeira carícia
antes da tempestade

somos tão poucos a voar que parecemos todos
pequenos
vistos da lonjura
de estarmos aqui e ali sem sairmos de onde estamos…

  • Jorge Castro
    10 de Outubro de 2020
Todas as coisas têm o seu mistério
e a poesia
é o mistério de todas as coisas
– Federico García Lorca

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