Poderia lançar aqui um poema circunspecto, quiçá conceptual, um tudo ou nada selecto… Mas é dia de poesia em que vivo constrangido… e por tal constrangimento falo de um dia vivido:

Um dia de Corona

já eu estou que nem me tenho
sem poder sair do ninho
com a parceira me avenho
de longe aceno ao vizinho
corta aqui – fura acolá
em arranjos sem ter fim
p’ra que serve, digam lá
ter um tão lindo jardim?
na calçada queimo ervinhas
libertando olor profundo…
– estou a falar das daninhas,
ó almas do outro mundo!
lá dou de comer ao melro
ao rabirruivo, ao pardal…
tenho lenha, se não erro
p’ra cortar ‘té ao Natal
se tivesse cão iria
para a praia passear
mas como tenho a Maria
em casa devo ficar
bem chateia um tanto estar
no nem ata nem desata
vou tentar deambular
pondo uma trela na gata
pelo feicebuque passeio
traseiro bem instalado
apuro cenas pelo meio
e fico mais ilustrado
ilustrado nem é bem
pois lá passeiam vaidades
gostamos do que convém
e o resto nem são verdades…
mas sempre lanço uns bitaites
como se filosofasse
depois visito alguns «saites»
e espero que o tempo passe
para tratar do traseiro
temos cá muito papel
não faço da merda tinta
nem dos dedos um pincel
vejo filmes, leio livros
e sou feliz de algum modo
e se me faltam convívios
vou-me às árvores… e ali podo
depois uma especiaria
à refeição apurada
eu e a minha Maria,
a gata… não falta nada
vejo então televisão
– Corona de ponta a ponta
e Marcelo até mais não,
mas o António é que conta
e em vez de dar um grito
vem-me o Aleixo à memória
neste momento aflito
que confunde até a História:
ó vós que do alto império
prometeis um mundo novo
calai-vos que pode o povo
querer um mundo novo a sério…