mediterrâneo

– sem saber, de todo, quanto vale a vida humana, 
qualquer que seja a cor, o credo ou a idade, 
sei melhor a lonjura da Utopia 
e vivo na amargura da vergonha.
entre a terra e a terra
fica o mar
e fica a sorte
entre o mar e a terra
fica o norte
e fica a morte dos sem sorte
dos sem terra
entre o norte e a morte
fica a sorte
e à sorte fica a guerra
e os sem terra
no desterro
pelo erro
de viver que a morte encerra  
e há um mar imenso
e o consenso sem conteúdo
e há um grito incontido
um bramido
que não é do mar
mas é de tudo
de tudo o que não vemos
nem sabemos
mas acima de tudo
acontecer
o nem querermos saber
que a cor do mar
é por vezes tão vermelha
quanto valha
por se querer chegar ao norte
e assim morrer.

– Jorge Castro

novo cantar da emigração

… porventura sempre igual ao que sempre foi e que nos cansa de tanto ser…

Novo cantar da emigração
refrão
parto
em busco do horizonte
quero
viver outro dia
bebo
a vida dessa fonte
de
onde brota a utopia
parto
a caminho da noite
levo
comigo a saudade
envolta
no pano cru
tecido
pelos meus pais
deixei
a esperança tão longe
no
alto daquele montado
onde
a casa sitiada

os campos sem destino e o mar do nunca mais
vou
a caminho do mundo
levo
os olhos no futuro
solto
amarras da cidade
que
me tolhem junto ao cais
e
sei tão pouco da vida
sei
tão pouco da aventura
que
as lágrimas à despedida
são
o medo do jamais
na
bagagem levo sonhos
visto
a roupa do abandono
no
bolso levo amarguras
cansadas
de tantos ais
da
pátria perdi o rumo
da
nação perdi o pé

me perdi dos caminhos
virei
talvez nunca mais
– Jorge Castro

morrer felizmente acompanhado…

– em declaração
oportuna, aquando da morte de José da Silva Lopes, simultânea na data com a
morte do cineasta Manoel de Oliveira, José Pedro Aguiar-Branco, nosso
incontornável ministro da Defesa, e reportando-se à morte do reputado
economista, deixou-nos esta pérola: «É uma felicidade poder partilhar esse momento com o mestre Manoel de
Oliveira
“…
se eu tivesse a felicidade de
morrer
sei lá eu bem… por ter de ser
mas ser no dia acompanhado
de um cineasta
de algum outro arremelgado
ou até de um iconoclasta
que nos soubesse cantar
um fado
oh que felicidade iria ser…!
assim sim
alguém morrer por ter de ser
mas ir tão bem acompanhado
com outro ao lado
de braço dado
como se dessa fatalidade
nos excrescesse nesse morrer
… a felicidade
porque morrer só por morrer
tem pouco encanto
ou nenhum charme
em qualquer canto
que o desviver talvez desarme
não pode ser!
esse morrer nem que aconteça
se se tropeça nalguma gripe
tem outro encanto
tem outro charme
quando se morre na companhia
de algum VIP
assim nos deixa como louvor
esse ministro algo sinistro
que logo após tal nos ter dito
dá esse dito como não-dito
e para quem não for a doutor
ou nada souber do que isso é
ele esclarece tão-só tratar-se
de involuntário lapsus linguae  
por isso amigo
cautelas é tê-las
faça comigo este juízo
que é do ministro maior aviso
não vá algum diabo tecê-las:
serenamente e com coragem
escolha o parceiro para a viagem
que não se arrisca escolher de
lista
e nessa hora pouco se avista…
se for morrer vossa mercê
escolha com jeito
e com preceito
mate-o você! 

dias com poemas e entre amigos

Começou-se cedo, logo pela sexta-feira, dia 20 de Março, a comemorar o Dia Mundial da Poesia. O local: a Escola B+1 (… que raio de denominação…) da Parede, com a professora Leonor a propor artes de sementeiras poéticas a alunos e encarregados de educação.
Numa sala muito bem preenchida – que razões de reserva me aconselham a não apresentar – quatro amigos transformaram essa plataforma de entendimento em poemas ao alcance de todos e, tanto quanto a imodéstia recomende, com um muito bom acolhimento por parte da assistência.
Uma palavra de intenso aplauso para o trabalho em prol do livro e da palavra escrita, patente em muito interessante exposição na Ludobiblioteca desta Escola, graças ao empenho e carolice que grande parte dos «responsáveis» pela Educação em Portugal fazem questão de ignorar.  

– A senhora professora Nonô.

– Eduardo Martins

– Carlos Peres Feio

– Francisco José Lampreia

– Jorge Castro
Depois, no dia 21, no Hotel Vila Galé, em Paço de Arcos, com a apresentação da colectânea de poemas sobre ciência, O Bosão do João – com edição da By the Book (www.bythebook.pt) -, da autoria de Rui Malhó e apoio, para esta sessão,  da EMACO – Espaço e Memória Associação Cultural de Oeiras, outro naipe de afectos entreteve, divulgando a poesia de autores de língua portuguesa, uma vasta plateia em cenário sobremaneira propício a tal actividade.

– Ana de Albuquerque (By the Book)

– Rui Malhó

– Fernando Catarino

– Rui Farinha

– Jorge Castro

 – fotografias de Lourdes Calmeiro

ontem foi Dia da Mulher. E, hoje, já não é…?

Ontem foi Dia Internacional da Mulher. Então e hoje? Já não há mulheres?

Pois bem, do noticiário nacional e, de algum modo, em homenagem ao Mário Henrique-Leiria, aqui fica um meu exercício poético a propósito:

Violências domesticadas (ou de trazer por casa)

uma velha

muito velhinha
tinha por casa
uma machadinha
um dia houve
um recém-chegado
que lhe mostrou
um talo de couve
desavergonhado

ora essa velha
muito velhinha
não era dada
a tais desvergonhas
e assim foi
que sem mais nem ronhas
a ele se vai de machada em riste
e assim foi
que o talo de couve
teve
como é evidente
um fim bem triste…


– Jorge Castro