apreciando a obra fotográfica de Jorge Bacelar
Gente Marinhoa

Uma recomendação muito séria: visitem a obra de Jorge Bacelar, a quem tive o ensejo de conhecer em exposição fotográfica patente na Associação 25 de Abril. 
Do que me sugeriu, emocionadamente, o seu olhar, tento repercutir sensações em forma de poema…

Mas comprovem o que digo visitando-o em:

RURALIDADES

era um espanta-aves o menino-ave no alto da árvore
e era um verde-mar naquele solto olhar do alto da vida
e ouve-se o riso de quem nos abraça de lá da vidraça
de teias de aranha e de mãos gravadas com sulcos de mar
e um crucifixo gravava o início da lide do dia
na parede escura onde se amanhava uma luz da rua

eram mil sorrisos no saco-capuz daquele contraluz
que coava a vida enquanto soava uma melodia
do boi que mugia da ovelha o balido e o cão que latia
na suave carícia que sulca em delícia um raio de luz
e era o bulício do constante início do árduo labor
de quem lavra o mar e a terra lavrada com o mesmo suor

uma bigodaça e o tempo que passa no abraço do vento
e um afago agreste mas doce que reste e que empreste amor
de rugas lavradas ao som de uma enxada que é já firmamento
tão rubra da seiva que deixa na lavra um rasto de flor

e um galo castiço trazendo o derriço da sua plumagem
no quadriculado onde um outro gato tecia dormências
ao colo do olhar tão feito de mar e torna-viagem
que nem esse mar nos seja capaz de tais abrangências

talvez uma fonte de risos de sonhos e de mãos calosas
nos dê o calor de sermos o ardor de cravos e rosas…

– Jorge Castro
19 de Maio de 2016

1º de Maio
um cravo entre boninas

Se mão amiga me fez chegar a imagem abaixo, com açúcar e com afecto e apenas porque sim, aqui partilho convosco a  privacidade dessa partilha, a que juntei a minha resposta, assim em jeito de duas pessoas que têm de Maio um olhar muito seu mas que, vendo bem, está ao alcance de todos… 

– fotografia de Suzana G. Amorim
Nasce um cravo entre boninas
por entre um olhar da Suzana, espreita um ar de Jorge de Sena
nasce um cravo entre boninas
rubro o quanto o verde quer
grandes coisas pequeninas
margarida ou malmequer
de um mar de verde desponta
o rubro feito verdade
verde e vermelho que aponta
quais as cores da liberdade


– Jorge Castro

olha, é dia do beijo…

Destas manias desvairadas de se criarem dias de qualquer coisa por dá cá aquela palha, este caiu-me no goto. Então, sai uma quadra a propósito, esperando que todos façam o favor de ser felizes, beijando-se muito:
da
comissura dos lábios
acendeste-me
o desejo
de
te contar sonhos sábios
no
improviso de um beijo
– Jorge Castro

limpezas

– a propósito da investigação jornalística a que se chamou Panama Papers , de que já todos
sabíamos, mas da qual nunca sabemos nada
lavam o dinheiro
sanguessugado
como Pilatos lavou as mãos
e enxugam-no na toalha do nosso
desinteresse
o seu riso alvar de gozo
nem tropeça
naquela criança ranhosa de choro
a quem uma explosão de ódio
matou a mãe
estropiou o pai
e já não tem mais nada a que se possa
chamar humanidade
lavam o dinheiro
e riem-se de ti
de nós
pobres crentes pagadores
de promessas
e de impostos
como se assistissem a um circo de
pulgas
no desespero dos seus saltos sem
sentido
lavam o dinheiro
e não têm pátria nem chão
nem cores de arco-íris que lhes animem
um olhar
têm um negrume apenas
que os rodeia
e nos impede de lhes definir os contornos
mas todos sabemos onde moram
onde estão
com quem se dão
e
ainda assim
não os conhecemos
mas eles
sim
conhecem-nos bem demais
a todos
e
assim
continuam a lavar o dinheiro
com que nos matam.

com… decorando

no meu país condecora-se o
favor

não um poema
se a lógica das coisas
perturbadas
existisse
seriam condecoradas as
árvores que sobreviveram
às labaredas do lucro
mas não
apenas se condecoram os
eunucos do sorriso
e os promotores do frete
aqui e ali
contemplam-se talvez pintores
escultores alguns
algum poeta
para compor ramalhetes
consentidos
de teatro poucos
cantores menos
que a medalha não se prende
em qualquer peito
e quem traz a voz ao alto
esse é suspeito
se a lógica das coisas perturbadas
existisse

só o acto de nascer daria um nome.

– Jorge Castro
Nota do autor – o que é mais irritante neste poema é que já o criei em Junho de 2006.