homenagem

As homenagens feitas aos sobrevivos
são sempre trabalhosas,
delicadas, mais elaboradas e cheias de atropelos,
do que se o sujeito for passado mais do que perfeito,
e tudo por andarmos todos nós pelos cabelos.

Quem homenageia quem
sem saber o dia que lá vem?

E se todos escolhermos o mesmo poema?
E se cuidarmos, até, que não há tema
ou quem dirá sequer que vale a pena
homenagem-por-dá-cá-alguma-aragem…

E o outro somos nós naquele espelho
para onde olhamos e dizemos:
«- Caramba, este gajo está mesmo a ficar velho…»
e, logo mais, sorrimos e dizemos
que uma ruga após outra vale a pena
e que, se assim não for, o teorema
nos diria que um mais um
não dá em nada.

Ficará depois de nós a gargalhada
– quem sabe? -,
o gume de uma espada,
algum precalço,
o salto,
o abraço
ou mesmo um beco,
e nós todos a olharmos para o boneco,
na metáfora de uma vida em auto-estrada
onde somos pouco mais do que um poema.

Só por tal,
cá por mim,
a homenagem
vem de quando um homem e outro interagem,
sendo que esse homem pode ser também uma mulher
– o que em nós há-de sempre acontecer…

– Jorge Castro

a Dimitris Christoulas, em Atenas, Abril de 2012

de súbito
insustentável
na praça Syntagma a relva surgiu vermelha
junto do tronco impassível da árvore abandonada

e toda a Grécia estremece com o espanto de um grito
um grito só e aflito que cruzou a Terra toda
como se fora pequena
como se valesse a pena despertar ainda a aurora
e jaz num corpo vazio que nos perturba a cidade

foi cada passo contado que o levou ao destino
foi a certeza da Vida que lhe aconselhou a morte
e um tiro redentor que suas mãos libertaram
agitaram o torpor das consciências paradas

ali foi digno
Dimitris
contra os tiranos da vida
a provar-nos às mãos-cheias que somos senhores de tudo
e só nós somos os donos da hora da liberdade
quando a centelha da honra se acende dentro de um peito
vestido de humanidade

legou uma nota breve bordada a sangue e a revolta
por não mais o merecerem os tiranos que nomeia
mas o olhar derradeiro abrange este mundo inteiro
adivinha-se fraterno
militante
solidário
numa paz feita na guerra que vestiu de dignidade
como a marca do trabalho na camisa de operário

há-de ter nome de rua
há-de erguer-se em monumento
e ser contado na lenda
se o soubermos merecer
se o sentirmos irmão ao alcance de um abraço
sem fronteiras de lamento
sem o esquecimento eterno
há-de ser céu e inferno
há-de ser a voz do vento
sempre que alguém se levante
num grito só e aflito que estremeça o universo

Dimitris não morreu só
pois com ele morremos nós
cada um para o seu lado
e todos morrendo sós

Dimitris
Dimitris
porque nos abandonaste?
qual o apelo sentido?
qual o rumo que traçaste?
porque nos ecoa ainda
esse grito que legaste?

– Jorge Castro

dia mundial da poesia
que não há
… mas vai havendo

fado da esperança
através de uma guitarra
que mão de fado dedilha
singra muito além da barra
um coração feito ilha
e nas ondas alterosas
dos mares que nos deram vida
tecemos cravos e rosas
sem chegada nem partida
adeus hinos que nos mintam
benvindos ventos da sorte
venham vontades que sintam
haver na vida outro norte.

– quadras de Jorge Castro

homenagem aos que porfiam

No Clube Desportivo do Arneiro (Arneiro – Cascais), celebra-se, porfiadamente de há dezoito anos a esta parte, o Dia Internacional da Mulher. Simpática iniciativa que conta com a militância empenhada de Manuel Machado, ela é uma festa dirigida à comunidade…
… a quem Manuel se lembrou de brindar, para além das iniciativas habituais em colectividades congéneres – onde pontua a prata da casa, da melhor qualidade, aliás – com uma evocação especial, em forma de poesia, à Mulher. Para tanto, ano, após ano, tem vindo a ser convidado um poeta da região para homenagear essa componente determinante da Humanidade. Teve-se, desta feita, até a presença do presidente da Câmara, para além da costumeira presença da presidente da Junta de Freguesia de Carcavelos. 

Este ano calhou a vez ao nosso amigo e companheiro de lides Carlos Peres Feio, que aqui ostenta orgulhosamente bem disposto o galardão com que Manuel Machado sempre brinda cada autor.
A sessão poética contou também com a minha participação e com a dos Jograis do Atlântico (Edite Gil e Francisco Félix Machado), contribuindo, assim, para um diferente tom no evento, que muito me apraz registar ter colhido forte aplauso das centenas de pessoas presentes.
Como se tornou tradição, o poema de cada ano forra as paredes da sala, acessível a quem dele se queira aproximar mais.
E, como diria alguém de todos bem conhecido: assim acontece!

outro dia intencional da Mulher

a mulher
que coisa doce
que parte macia trouxe
o mistério do universo
e como querem que a deixe
neste espaço sem espaço
na pobreza de algum verso?

das roliças
das magrinhas
das altas
das pequeninas
cada uma tem seu quê
umas e outras mais belas
cintilantes quais estrelas
ao olhar de quem as vê

já nos trazia um poeta
a mulher amante
amiga
a mãe que nos aconchega
a irmã que nos abriga
mas há outras mulheres mais
a que nos mói a cabeça
a que nos dói que aconteça
a que nos traz na barriga
a que é melhor que anoiteça
a que nos lava a fadiga
a que nos suporta os ais

a mulher
sempre sublime
quando algum peso oprime
um homem com dores demais…

– Jorge Castro