reflexão pós-eleitoral

… e no entanto o dia é fundo e descabido
na imensidão abissal do despautério
mergulhando a contragosto no olvido
de bivalves tão expostos sem mistério

as portas que se abriram estão fechadas
o céu sempre azul está encoberto
e os homens em pantomimas desvairadas
já não sabem se são homem ou robertos
numa vida triste amorfa maltratada
– só estridências de charanga no coreto –
sem passarem nunca mais da cepa-torta
aceitando chamar branco a quanto é preto

só as nuvens lá vão elas sempre em volta
deste mundo que nos gira sobre um eixo
cavalgando o universo em rédea solta
em elipses cintilantes as mais belas
num deslumbre de fazer cair o queixo
por poeiras que nos chovem das estrelas

nada temos ou por certo ou garantido
para além do esbulho e da ganância
somos só este povo escafedido
da esperança que a vista nem alcança
e de quem ninguém fala nos jornais
por teimarmos serem também siderais
estes males que de fados nos consomem

e afinal todos nós vamos elípticos
feitos todos dessa massa que nos forma
e apesar de haver ratos que nos roem
dos que não nos matando muito moem
nos quadrantes mais diversos e políticos
sem ter regra sem ter lei e sem ter norma
viajamos também nós pelo espaço
uns dos outros à distância desse braço
que esbraceja na desarte que transtorna
neste mundo tão carente de reforma.

Jorge Castro

noites com poemas
com Vasco Lourenço
e o 25 de Abril hoje

Quem, com o 25 de Abril de 1974, não sentiu libertar-se de uma opressão intensa no seu peito? Quem não cultiva desse Abril a liberdade de ser e de estar até então inexistente? A quem o devemos ou quanto dele incorporámos?

E quais os caminhos que Abril tomou? Onde está, hoje? Somos os mesmos? Melhores ou piores por e com Abril?
Eis algumas perguntas que podem conduzir-nos, no próximo dia 15 de Abril (uma terça-feira, excepcionalmente), pelas 21h30, a um convívio com Vasco Lourenço, personagem determinante no Abril que foi e no Abril que é, nas Noites com Poemas, na Biblioteca Municipal de Cascais – São Domingos de Rana (Bairro Massapés – Tires) . 
Na abertura da sessão contaremos com o grupo coral de Tires, Estrelas do Guadiana, que entoará quantos cânticos esta data memorável lhe suscite. Cante alentejano, é bom de ver, tão ardentemente cultivado por este grupo já bem nosso conhecido. 
Poemas por vós trazidos…? Pois espera-se que traga cada um Abril na lapela, lado a lado com um cravo e com a vontade de ser português aqui, como nos diz José Fanha, na certeza de que o futuro também está nas nossas mãos, quando com elas sabemos cultivar o presente. 
E sempre com a bandeira desfraldade do sonho, essa constante da vida, tão concreta e definida como outra coisa qualquer, de Gedeão e de Freire, recordando-nos inevitavelmente que o povo é quem mais ordena. Tão só porque, apesar de tudo estar sempre em mudança, sempre assim foi e sempre assim será, para quem tenha os olhos abertos para a Vida, muito para além da tão efémera espuma dos dias, em espiral que nos apraz percorrer. 
Abril é dar um passo em frente. Conto contigo?

Entretanto, para aguçar engenhos ou estimular vontades, aqui fica o meu contributo:

não
era nada, quase nada e era Abril
não era nada
quase nada
e era Abril
flor sem tempo entretanto
sempre urgente
que nos invade a alma toda de
repente
amorosa
airosa
mas febril
era um cravo ardente e a arma
em punho
era um olhar furtivo e tão
contido
que saiu na madrugada
destemido
a nossa mão erguida em
testemunho
era um ser sem ser que a
pátria era
era um ser sem querer de
estar à espera
era um andar pelas ruas
clandestino
de homem o olhar – de alma o menino
e houve um santo e uma senha
na alvorada
a erguerem-se numa só feitas
à estrada
as vontades de ser livre e
ser inteiro
a rasgarem entre o denso
nevoeiro
o alvor
a alegria
a liberdade
e mostraram ao país outra
verdade
não era nada
quase nada
e era Abril
e esse cravo no cano de uma
espingarda
era a voz que gritava em
vozes mil
deste povo que envergando a
verde farda
soube dar novas cores ao mês
de Abril.
– Jorge Castro
11 de Abril de 2014

convites:
– no dia 11, em Coruche
– no dia 12 nas Caldas da Rainha

Deixo-vos duas propostas de libertação das vias respiratórias e dos espíritos, daqueles espaços em que um poema nos redime, nos afaga, nos conforta e nos liberta, na comunhão mais ou menos intensa daqueles que interessam, daqueles que se interessam, daqueles que sabem sempre que tudo vale a pena…
– No dia 11 de Abril, em Coruche, pelas 21 horas, Abril na Lusofonia, no Café da Vila, sessão aberta a quem se afoite, em espaço que leva já mais de dois anos de aguerrida militância, pela mão de Ana Freitas e de quantos a acompanham:
– No dia 12 de Abril, na Biblioteca Municipal das Caldas da Rainha e pelas 14h30, em comemoração do Dia Mundial da Poesia (ainda e sempre), com um intenso programa proposto pela Comunidade de Leitores e Cinéfilos das Caldas da Rainha, uma vez mais, também, que passa por um encontro de diversificadas amizades, conforme programa abaixo: 

Com toda a desfaçatez e sentido de aproveitamento de oportunidades, aí lançarei o meu novo livro, Ti Miséria e Outros Contos ConVersos, obra integrada na colecção Redes & Enredos – Estudos sobre Contos e Lendas, com direcção de Fernanda Frazão e edição da Apenas Livros. Este livro conta, ainda, com o apoio do IELT – Instituto de Estudos de Literatura Tradicional.
Quarenta e duas páginas que abrangem dez contos tradicionais (ou inspirados na tradição), em forma de verso, que me têm acompanhado pelo país fora, em sessões de que já perdi a conta e que tiveram lugar em escolas, reuniões de amigos, espaços autárquicos, bibliotecas… e que se julgou chegada a hora de serem apresentados em letra de forma.
Como refiro na abertura deste meu livro, trata-se de um conjunto de contos contados e cantados, conversos e conversados, que dedico a Ana Paula Guimarães, Fernanda Frazão e Gabriela Morais, por elementares e matriciais razões de afecto, sedimentadas no húmus fértil dos saberes partilhados e enraizadas, de alma e coração, nessa ancestralidade não mensurável de ser português que nos anima.
Por lá vos espero e conto convosco, que esta vida, não parecendo, é uma pressa…

é (será) dia de gerúndia poesia

Com que então, adeus e até 2035? Valha-nos a todos um gato esfolado, até ele miar… E o Dia Mundial da Poesia que já lá vem…

é dia da poesia
meus senhores quanta alegria
traz calor aos corações
e às unhas dos pés também
se chaminés de aflições
fumegam como convém

os dias são de maleitas
presentes mais que imperfeitas
e nós cá vamos ficando
mas as veredas estreitas
nem permitem que correndo
mas apenas vegetando

e assim lá vamos andando
sem sabermos os porquês
nem sabermos até quando
gratos a vossas mercês
se não morrermos de vez
no viver em lume brando

à proa – à proa gajeiro
vê lá se chegas primeiro
se te ajeitas em trepando
que nós voando baixinho
damos jeitos ao jeitinho
nos jeitos que vão calhando

é dia de poesia
meus senhores que bizarria
soltar o estro na praça
quanto menos se estremeça
menor será a desgraça
ou talvez nem aconteça

assim somos nós senhores
no mundo todo maiores
se menores não mais houvera
pioneiros seniores
damos ao mundo os melhores
e damos milho à quimera

esta quimera de pombos
que transportamos aos tombos
num pombal feito enxovia
onde se arvoram penachos
destinados aos borrachos
tendo cartas de alforria

houve uma ilha de amores
que premiou destemores
de quem ao mar fez caretas
hoje fazemos negaças
chiquelinas e umas tretas
em carnaval sem caraças

meu Portugal terra amada
sem saber porquê sem nada
que nos traga um acalanto
e eu pr’àqui sem saber
deste morrer-se a viver
o porquê de tanto pranto

é dia de poesia
meus senhores e esta azia
que não sai do meu caminho
neste meu país de espanto
p’ra ter por nação meu ninho
quanto eu dou… daria quanto…

– Jorge Castro

convite para amanhã, no Al Cântaro, em Lisboa

Pois é… Amanhã, dia 09 de Janeiro, calha-me a mim a vez de fazer as vezes de digestivo no jantar promovido pela Apenas Livros no restaurante Al Cântaro – vide mais informações no cartaz acima – com o distintíssimo título de Tempestades no Cantarinho.
Alguns Poemas de Graça e algumas das razões que me têm levado a percorrer este caminho de poemas, que leva já uma mão-cheia de anos de «estrada», serão os ingredientes propostos. Na verdade, o tempo voa…
Espero também eu conseguir, amanhã, levantar-me do chão e voar um pouco com ele sobre  esta Lisboa até vislumbrar Portugal inteiro, com muito, muito mar em volta …  
Se me quiserem acompanhar, pois ficarei muito honrado…. Mas, atenção, que os lugares são relativamente poucos.