um balde de água fria…
ainda de todo o gel com que levantou a crista nos últimos dias, naquele momento
especialmente criativo em que evacua excessos do dia anterior, mesmo, mesmo na
iminência de sacudir o derradeiro resquício líquido, imbuído que está de um
temperamento criativo que se lhe apercebe das orelhas aos pés, passando pela
crista – algo murcha da noitada – e ocorre-lhe uma ideia fulgurante para tornar
o mundo melhor, à sua constrangida maneira de ver, claro:
ninguém fala de mim… Preciso de uma ideia! Deixa cá ver… uma maleita pouco
conhecida, um apoio original – parvo – e
quanto mais o for mais apelativo será para os engraçadinhos habituais…– , apoio
dos media, envolvimento de grandes
personalidades e tal…
que surge uma pandemia de parvoíce generalizada onde tudo o que se supõe ser
«figura pública» quer ou é constrangida a entrar, se não quiser perder pitada
desse engrandecimento só-por-dar-nas-vistas-dos-papalvos.
amiotrófica (cujos pacientes estou em crer que mereceriam uma evocação e muito
apoio através de meios consideravelmente mais dignos).
com um balde de água gelada pela cabeça abaixo.
de todo o «mundo ocidental»!
isto? Tenho as minhas dúvidas. Se o tal «mundo ocidental» anda, aparentemente,
cheio de palhaços frustrados, sem arte nem escola, e imbuído, ou embutido, ou
embebido, na mais extraordinária palhaçada de que há memória, a tantos níveis,
porque não mais uma?
ostensivamente a água cuja escassez, noutras partes do mundo, leva à morte de
tantos seres humanos… Mas o «mundo ocidental» não se preocupa com tais
coerências ou minudências. O que interessa é aparecer na tv, nos facebooks e tal, em manobras de fachada,
e o resto é conversa de tristes.
sobre si próprios um balde de excrementos…Disso, sim, tenho pena. Haveria,
seguramente, outra coerência entre ideia, acto e personagem… E, assim, ninguém
daria pela existência de qualquer desperdício.
inequívoca de decadência civilizacional, de vulgarização alienada de um intuito solidário, não sei, então, o que seja.
reflexão pós-eleitoral
… e no entanto o dia é fundo e descabido
na imensidão abissal do despautério
mergulhando a contragosto no olvido
de bivalves tão expostos sem mistério
as portas que se abriram estão fechadas
o céu sempre azul está encoberto
e os homens em pantomimas desvairadas
já não sabem se são homem ou robertos
numa vida triste amorfa maltratada
– só estridências de charanga no coreto –
sem passarem nunca mais da cepa-torta
aceitando chamar branco a quanto é preto
só as nuvens lá vão elas sempre em volta
deste mundo que nos gira sobre um eixo
cavalgando o universo em rédea solta
em elipses cintilantes as mais belas
num deslumbre de fazer cair o queixo
por poeiras que nos chovem das estrelas
nada temos ou por certo ou garantido
para além do esbulho e da ganância
somos só este povo escafedido
da esperança que a vista nem alcança
e de quem ninguém fala nos jornais
por teimarmos serem também siderais
estes males que de fados nos consomem
e afinal todos nós vamos elípticos
feitos todos dessa massa que nos forma
e apesar de haver ratos que nos roem
dos que não nos matando muito moem
nos quadrantes mais diversos e políticos
sem ter regra sem ter lei e sem ter norma
viajamos também nós pelo espaço
uns dos outros à distância desse braço
que esbraceja na desarte que transtorna
neste mundo tão carente de reforma.
– Jorge Castro
que raio de democracia é esta? (parte II)
Outro aspecto que cai, neste domínio, no abismo abissal da minha ignorância trata-se do voto dos cidadãos portugueses na diáspora – como eu gosto deste termo, que sempre me recorda os diospiros e outros suspiros…
Eu nem faço uma ideia precisa de quantos cidadãos portugueses andarão espalhados por esse mundo, mas serão para cima de um milhão deles. Grande parte dos quais espalhados por países da Europa: Espanha, França, Inglaterra, Luxemburgo, Suíça, Alemanha, Bélgica…, para já nem falar nos States, na Argentina, nos Palopes. Então e para o Parlamento Europeu estes cidadãos não votam?
Para cima de 300.000 emigrados só nos três últimos anos, todos com corpinho para irem à procura do trabalho que cá não têm, e não votam?
Nascidos cá, registados cá, formados cá, revoltados cá… e não votam?
Ou votaram e a malta nem deu por isso? Ou nem é preciso, nem interessante, nem conveniente que votem e o melhor é esquecer a sua existência?
É que eu cheguei a ouvir um «analista», daqueles profundos que por aí abundam, antever que a abstenção iria aumentar porque tantos cidadãos emigraram. Grande lata! Então, emigram e não votam? Porquê?
E, se ao contrário daquilo que a minha ignorância leva a crer, afinal sempre votaram, como é que foi esse voto?
E se não votaram como deviam ter votado, um milhão que sejam, representam uma fatia enorme dos cidadãos eleitores. Ou também já não são cidadãos?
É que eu, quanto mais olho para isto tudo, menos percebo!
que raio de democracia é esta?
Perante a recente votação para o Parlamento Europeu, receio muito não perceber nada de política… e, pelos vistos, desta democracia ainda menos.
Dois terços da população nem vota e mal estrebucha, e tal deve ser considerado, conforme unanimemente reconhecido, como uma postura de protesto. Vejamos, então: dos 9.685.294 potenciais votantes, 6.402.742 – o que perfaz 66,11% – não votaram.
Oito vírgula noventa e oito por cento (8,98%) da rapaziada que sobra – do tal terço votante – vota nos partidos que não elegeram ninguém; vinte e quatro vírgula trinta e sete por cento (24,37%) acorreram, respectivamente, à CDU, ao MPT e ao BE, que sempre elegeram alguma coisa; sete vírgula quarenta e sete por cento (7,47%) são votos nulos ou brancos. Ou seja, tudo gente que está contra o «arco do poder».
Não se cansem, que eu faço as contas: estes três grupos perfazem 40,82%, ou seja, quarenta vírgula oitenta e dois por cento do terço dos efectivos votantes… !
Resumo, concluído dos números acima: neste momento, somos governados por uma coligação de dois partidos que tiveram uma expressão eleitoral, para efeitos de Parlamento Europeu, de 9,39% do total dos cidadãos eleitores portugueses.
Já o PS – que como «grande partido da oposição» que devia ser, mas se esqueceu, entretanto, de praticar… – contabiliza, na mesma ordem de ideias, 10,66% do tal total de cidadãos.
Que o mesmo será dizer que os «partidos do arco do poder» – que é, como todos sabemos, um arco que fica ali para os lados do arco da Rua Augusta, em Lisboa –, somam, entre si, 20,05% do total de cidadãos eleitores deste país. Assim vistos, estes números assumem a dimensão da poesia…
Ou seja, temos uma democracia onde, na melhor das hipóteses e imaginando, até, a coligação surreal proposta pelo nosso distintíssimo e preclaro Presidente da República, actualmente vinte por cento da população exerce um poder absoluto (ou quase) sobre os outros oitenta.
Assim, ou os cidadãos que não votam não têm existência real ou cidadania incorporada e reconhecida ou, a manter-se este despautério, poderemos falar, com propriedade, de que vivemos numa sociedade manifesta e assumidamente autocrática, com laivos ditatoriais ou, até, fascizantes, onde a vontade de uma ténue minoria prevalece sobre o interesse de quase toda uma nação, pelo menos na sua avassaladora maioria.
Pelo caminho não se faz um referendo sobre qualquer das matérias candentes que perturbam o nosso viver e até às próximas quatro ou cinco gerações.
Nem a democracia grega dos bons velhos tempos, que não contabilizava nem os escravos nem largas camadas de «desfavorecidos», atingia tal requinte de abstrusidade.
Só me questiono sobre o seguinte: com a ancestralidade que transportamos às costas, vivemos felizes, contentes e calados com este estado de coisas? Ou seja, não votamos e pronto…!?