Perante a recente votação para o Parlamento Europeu, receio muito não perceber nada de política… e, pelos vistos, desta democracia ainda menos.
Dois terços da população nem vota e mal estrebucha, e tal deve ser considerado, conforme unanimemente reconhecido, como uma postura de protesto. Vejamos, então: dos 9.685.294 potenciais votantes, 6.402.742 – o que perfaz 66,11% – não votaram.
Oito vírgula noventa e oito por cento (8,98%) da rapaziada que sobra – do tal terço votante – vota nos partidos que não elegeram ninguém; vinte e quatro vírgula trinta e sete por cento (24,37%) acorreram, respectivamente, à CDU, ao MPT e ao BE, que sempre elegeram alguma coisa; sete vírgula quarenta e sete por cento (7,47%) são votos nulos ou brancos. Ou seja, tudo gente que está contra o «arco do poder».
Não se cansem, que eu faço as contas: estes três grupos perfazem 40,82%, ou seja, quarenta vírgula oitenta e dois por cento do terço dos efectivos votantes… !
Resumo, concluído dos números acima: neste momento, somos governados por uma coligação de dois partidos que tiveram uma expressão eleitoral, para efeitos de Parlamento Europeu, de 9,39% do total dos cidadãos eleitores portugueses.
Já o PS – que como «grande partido da oposição» que devia ser, mas se esqueceu, entretanto, de praticar… – contabiliza, na mesma ordem de ideias, 10,66% do tal total de cidadãos.
Que o mesmo será dizer que os «partidos do arco do poder» – que é, como todos sabemos, um arco que fica ali para os lados do arco da Rua Augusta, em Lisboa –, somam, entre si, 20,05% do total de cidadãos eleitores deste país. Assim vistos, estes números assumem a dimensão da poesia…
Ou seja, temos uma democracia onde, na melhor das hipóteses e imaginando, até, a coligação surreal proposta pelo nosso distintíssimo e preclaro Presidente da República, actualmente vinte por cento da população exerce um poder absoluto (ou quase) sobre os outros oitenta.
Assim, ou os cidadãos que não votam não têm existência real ou cidadania incorporada e reconhecida ou, a manter-se este despautério, poderemos falar, com propriedade, de que vivemos numa sociedade manifesta e assumidamente autocrática, com laivos ditatoriais ou, até, fascizantes, onde a vontade de uma ténue minoria prevalece sobre o interesse de quase toda uma nação, pelo menos na sua avassaladora maioria.
Pelo caminho não se faz um referendo sobre qualquer das matérias candentes que perturbam o nosso viver e até às próximas quatro ou cinco gerações.
Nem a democracia grega dos bons velhos tempos, que não contabilizava nem os escravos nem largas camadas de «desfavorecidos», atingia tal requinte de abstrusidade.
Só me questiono sobre o seguinte: com a ancestralidade que transportamos às costas, vivemos felizes, contentes e calados com este estado de coisas? Ou seja, não votamos e pronto…!?