um Natal para quem quiser…

era uma vez…
um natal feito desgraça
tão sem graça
a meio gás
sem luz nem riso na praça
às ordens do capataz
sem se iluminar a noite
com tudo o que nos apraz
sem coragem que se afoite
por raiva
amor
ou objecto
de saber que se é capaz
de dar brado e colher eco
cada um sob o seu tecto
mas irmanados na paz

era uma vez…
um natal de tal vergonha
dessa coisa vil
medonha
de não erguermos a voz
contra mantos de negrume
ou solitário azedume
sem vontade que se arrume
por não sabermos de nós…

e tudo era o que só era
sem apurarmos porém
que o amanhã está à espera
do dia que já lá vem…
não fiques então à espera
pois quem espera desespera
seja cá
seja em Belém

talvez se unirmos a voz
um ao outro
sem temores
seja o Natal mais de nós
e não de um outro qualquer
mais nosso
com mais valores
e será de mais amores
sempre que um homem quiser.

– Jorge Castro… Sendo esta a mensagem de Natal que me apetece deixar a quem por aqui passar.

Vinte Poemas por Amor e Uma Canção Inesperada
com muitos afectos

Para memória futura. Como não me orgulhar?
A noite gelada propiciava muito mais a proximidade da lareira do que alguma deslocação com acompanhamento por devaneios mais ou menos líricos…

… mas, ainda assim, havia que dar bom cumprimento aos compromissos estabelecidos, antecipando, de caminho, alguma imprecação contra os deuses das intempéries, tão useiros e vezeiros em estragar as festas. 

Valter Amaral, enquanto anfitrião da Biblioteca,  honrou-me com uma muito simpática e amável introdução da sessão.

Fernanda Frazão esqueceu-se de ser a responsável da Editora Apenas Livros, para se remeter «apenas» ao papel de excelente amiga, em sala repleta de amizades.

A mim coube-me então falar do meu próprio livro, apresentando-o. O que cumpri através da leitura de vários dos poemas nele contidos. 

Mário Piçarra, companheiro de muitas estradas, presenteou-nos com criações musicais de sua autoria sobre poemas meus, revelando-se a muitos dos presentes como o óptimo compositor que é.  

Venha de lá esse cd que a amostra deixou-nos com água na boca…

Fechei o programa com a leitura de mais alguns poemas deste livro, que colheram farto aplauso, o que levo à conta da sala estar, como disse, muitíssimo bem preenchida de amizades de diversos quadrantes.

Ia a noite alta e ainda chegaram a tempo algumas imprescindíveis personagens, para o meu estado de graça mais se ampliar…

Leitura acompanhada, na verdadeira acepção do termo, que propicia uma maior comunhão entre quem diz, o que é dito e quem o recepciona.

Por fim, a inevitável «tendinite» dos autógrafos… e lá se foi a primeira tiragem, amiga Fernanda! 
– fotografias de Lourdes Calmeiro e de Lídia Castro

Deixo-vos com o soneto de abertura:
perdi tempo por demais na minha vida
perdi tempo por demais na minha vida
para não olhar agora para a flor
para agora me prender no desamor
de passar toda a vida mal vivida
olho e vejo tudo quanto em meu redor
me seduz ou conforta na corrida
me perturba ou magoa qual ferida        
mas transforma o porvir em bem maior
perdi tempo em desamor – em desatino
perdi tempo demais que tanto falta
neste andar sem ter norte – peregrino
e agora quero o tempo em maré alta
esse tempo da cor breve do destino
que por ser azul demais me sobressalta. 


convite
vinte poemas por amor e uma canção inesperada

Dei por ele, por aí, espantado com o estado de sítio das coisas. De Neruda se fala. Alguma amena cavaqueira depois, pedi-lhe autorização para abusar da sua inspiração e lancei-me por estes meus 
Vinte Poemas por Amor e Uma Canção Inesperada
passeando-me por reflexões várias sobre essa partícula curiosa, desvairada, polivalente e multifacetada do Universo a que convencionou chamar-se Ser Humano, muito particularmente este que vive entalado entre a História e o mar, em busca da Europa e para cá da Utopia. Europa de que, afinal, foi parteiro, se não o próprio pai.
E criei cada um destes poemas para não pasmar eu também, em constrangimentos respiratórios, num tempo que nos fazem perturbado. Dou-me a agitar as águas com as pedradas que posso, criando as metáforas nos círculos de afectos por onde me sabe bem correr os dias.
Com a amizade da Editora Apenas Livros e a vossa condescendência apresentar-vos-ei, então, este meu novo livro de cordel, no próximo dia 09 de Dezembro de 2011 (sexta-feira), pelas 21h30, no salão da Biblioteca Municipal de Cascais, em São Domingos de Rana, da qual aproveito para realçar a amável e constante disponibilidade.
Eu estarei por lá, com bons amigos e alguns poemas (quem sabe cantados…), à vossa espera.    
Com um forte abraço,
Jorge Castro

mataram um ditador

– no dia da morte de Muammar Kadafi

hoje mataram um ditador
com as mãos nuas e sangrentas de vingança
a populaça e os seus algozes
arrastaram pelas ruas um ódio desvanecido
por cada morte que sentiram na carne

no seu olhar sem olhos
toldados pelo sangue da afronta
e da ignomínia
o ditador não descortina os sorrisos de amazonas
nem há valquírias na poeira de Sirte
apenas o esgoto fétido
onde desceu à condição humana que criou

o seu corpo
saco de despojos
esventrado e mudo
varre as ruas da terra-mãe cheias de infâmia
corpo entre os corpos
morto entre os mortos

os mandantes do mundo ocidental respiraram aliviados
alguém
perto de Sirte
matou um mandante da morte
que o mundo ocidental
arquitectou.

– Jorge Castro
20 de Outubro de 2011