Rogério Ribeiro (1950-2007)
O que me sugeriu, com a devida vénia, este desenvolvimento:
O que me sugeriu, com a devida vénia, este desenvolvimento:
o grande problema do nosso governo
é ter este povo que não foi eleito
é ter por defeito o não ser eterno
é viver no inferno de jamais ter jeito
ninguém lhe parece que lhe valha a pena
para além da corja que traz à ilharga
gentalha contada e à boca pequena
que come e que medra e que vive à larga
o grande problema do nosso governo
é ser da matriz dos biltres sem terra
que nunca beberam no leite materno
esse amor ao chão a que a raiz se aferra
à seiva do povo que a corja traiu
no meio do lodo tal qual sanguessuga
que mal se empanturra – ávida e febril –
abandona o barco – mísera trânsfuga
o grande problema do nossos governo
é não ser do povo nem dele ser guarida
mas se em cada dia lhe atiça o inferno
o dia virá da paga merecida
assassinam velhos – desprezam os novos
matam o presente – hipotecam futuros
e nós só cantando e atirando ovos
esperamos que caiam todos de maduros
Conclusão:
o grande problema que nós temos com este governo
é que enquanto aguardamos tranquilos que ele passe
o que acontece – como outrora se diria –
é que ele assumiu uma clara opção estratégica de classe…
– Jorge Castro
pá
nem de ti tenho nada para ouvir
a palavra
esse dom de humanidade
e de livre pensamento
não se colhe no entulho da aldrabice
nem a queremos ver medrando entre a miséria e o lamento
com que tu e os teus pares nos vão cercando
sempre ao mando e ao desmando
e da pulhice
e não venhas com plangências democráticas
porque em ti tudo teu é fraco e falso
e nem mesmo de algumas almas erráticas
vais a tempo de fugir ao cadafalso
a palavra é um direito
é um dever
é o abraço que nos une e nos irmana
mas trânsfugas que o povo tomam de assalto
uma só me ocorre agora
e é «sacana»
e sacana é aquele que eu não quero nem ouvir
lobrigar sequer por perto
e assim sendo se falar queres
podes ir
p’ràs profundas mais remotas do deserto
aqui não
que não és tu cidadão
mas ladrão que me assalta a descoberto
e em ti cada palavra é a facada
que se paga sempre em sangue e agonia
nesse dia que constróis com injustiças
atropelos
violência
e vilania
e assim medras
tu e toda essa canalha
que na sede deste sangue te igualha
e se amanha no seu sinistro porvir
tu aqui não tens nada p’ra dizer
pá
nem de ti tenho nada para ouvir
nada tens afinal mais p’ra dizer
de ti já se ouviu toda a missa farta
e se vieres que seja só p’ra acontecer
a providência de um raio que te parta!
Um homem só e, no entanto, o bater de asas da sua vida agitou esse mundo todo. Um homem só, então, que se fez em multidão.
Autodefinição
Na folha branca de papel faço o meu risco.
Retas e curvas entrelaçadas.
E prossigo atento e tudo arrisco na procura das formas desejadas.
São templos e palácios soltos pelo ar, pássaros alados, o que você quiser.
Mas se os olhar um pouco devagar, encontrará, em todos,
os encantos da mulher.
Deixo de lado o sonho que sonhava.
A miséria do mundo me revolta.
Quero pouco, muito pouco, quase nada.
A arquitetura que faço não importa.
O que eu quero é a pobreza superada,
a vida mais feliz, a pátria mais amada.
Oscar Niemeyer