Captador de imagens de primeira água, como o são todos aqueles – e apenas esses – que olham o mundo com olhos de ver e sabem descortinar o outro lado das coisas, das pessoas, da Vida, o Dionísio Leitão, através do seu blog Catedral, primeiro, e depois em várias outras circunstâncias de vida, foi um companheiro cujo convívio se me revelou sempre um estímulo para momentos de poesia – e de cidadania – de que fazíamos mútuo eco.
Recebi, há momentos, uma mensagem de amiga comum, informando-me do seu falecimento… Não encontro melhor homenagem a prestar a este amigo do que deixar aqui duas imagens com que ele nos brindou e a que eu tive o privilégio de poder juntar a minha poesia. 
Dois poemas, também, que tive a honra de ver publicados no seu blog, numa simbiose de sentimentos e sensibilidades a que, amigo Dionísio, ainda haveremos de brindar uma vez mais e outra e outra nalgum recanto do universo.  

Esta noite poderia escrever-te os versos mais tristes
como Pablo Neruda
ou dizer-te da minha recorrente vontade de ir a Samarcanda
como Bernardo Soares
diversa apenas a vontade de ir a Samarcanda
porque a tua presença me seria imprescindível
eu que nem mesmo sei que língua falam hoje em Samarcanda
ou o que por lá estará hoje acontecendo
Porque a tua ausência te cala em mim
poderia mesmo escrever-te uma carta de amar
que gritasse dentro de mim a tua ausência
e que no voo tangente das palavras
todos achariam ridícula
só eu não
– e daí quem sabe? –
Poderia imaginar-te silhueta
por entre silhuetas de pinheiros
feita de bilros e devaneios da Lua Cheia
derramando-se de luz ao longo de todo o mar
até tropeçar com o areal
e a terra toda
até envolver todos os amantes
que à beira-mar se consumam
como se o tempo se lhes acabasse ali como a terra
ou apenas se desesperam no amor
como se amassem apenas porque se procuram
quando o areal barra a luz fluida vertida pela Lua
poderia dançar contigo um tango argentino
conduzir-te na volúpia dessa dança
que
conforme dizem
ao homem compete conduzir
apenas para
e por uma vez só
te conduzir
eu de negro
Gardel
Terrível e alucinado
e tu
o teu vestido vermelho
rasgado com uma faca de seda
ambos efémeros, diáfanos e amantes
… se eu soubesse dançar
Ah, se eu soubesse dançar!
Poderia até tentar dizer-te um poema
que me impressionasse
apenas por te impressionar
um poema que falasse de Neruda
de Bernardo Soares
e de silhuetas diluídas nos pinheiros
mas que tivesse um lugar íntimo
para as estrelas de outros céus imaginados
luas
amores
e areais de vento
um lugar que nos enleasse no ritmo das marés
e seríamos românticos e dramáticos personagens de Pratt
solitários navegantes numa paixão de quimeras
Maltese com um brinco a preto e branco
vendo o Sol poente enfunando as nossas velas
com cores de luz que o Sol traz do mundo todo
E é por isso
que aqui estou
perto de ti
tenho as mãos quase cheias de nada para te dar
mas tenho um mar que não é meu
e um poema
sinto a Lua que nos foge entre os pinheiros
sinto ânsias de enleio em doce tango argentino
e hei-de sentir-te junto a mim em Samarcanda

-Jorge Castro –

Amizades inocentes. Verdadeiras.

Entretanto o OrCa resolveu legendar a fotografia e, portanto, aqui vai ela:

Beija-lhes a água os pés
Numa carícia de mãos
Será só água talvez
Mas para os dois é um chão
De crescer
E de verdade
Ao longe adivinho amor
De perto sei amizade…

– Jorge Castro –