A ti, senhora, nós te rogamos que, do alto das tuas catedrais hidroeléctricas, térmicas ou eólicas, nos ilumines e aqueças nas venturas como nas desventuras; que nos permitas subir em elevadores e ver os canais nacionais de televisão, com os seus comentadores, comentamales e comentacrises, que alumies as nossas leituras nocturnas quando, cansados de um dia de trabalho e de transportes urbanos, procuramos um mundo melhor, em ensaio ou ficção, ao qual com os teus beatos acólitos – santa factura e santo atraso de pagamento – nos permitas aceder, sem mácula e sem dívidas, pela santíssima via da transferência bancária ou da imaculada pureza das caixas ATM, e que não transformes com irritante frequência o meu pobre lar numa decadente versão de velório pós-moderno, com os inerentes riscos de incêndio para quem já se desabituou das ancestrais práticas rurais, nem nos deixeis cair na tentação de adquirir um gerador, poluidor do ambiente e indutor de inopinados comportamentos terceiromundistas, amén.
… no quarto apagão em cerca de quinze dias, depois de um Natal às escuras e com a penitência de corrigir os enésimos relógios electrónicos de tudo quanto é electrodoméstico cá em casa, piscando desalmada e irritantemente a cada interrupção de fornecimento…
(Esta mensagem foi escrita na mais negra escuridão, num dos supostamente mais ricos concelhos do País e a enfermar de um choque tecnológico, no ano da graça de 2010, século XXI, com uma lâmpada de mineiro na cabeça, para iluminar o teclado, embrulhado em cobertores, com dois pares de meias e pantufas calçados, que o friozinho está de rachar.)