Noites com Poemas. Desta vez com Contares e Cantares de Goa.

Na abertura, tivemos a acolher-nos Helena Xavier, a nossa anfitriã de sempre, que compensa a sua habitual vontade de passar despercebida, com essa tão grande disposição e disponibilidade para ser a madrinha de tantos projectos culturais, mobilizadores da comunidade, em que nos apraz estar incluídos.

Depois, uma caixa de surpresas, de onde a poesia, o canto, a música, a dança, foram brotando. O Grupo EKVAT (RAÍZ, em concani), pontuados pela obra de poetas goeses que Elsa de Noronha nos foi trazendo…

Uma manifestação espantosa dessa multiculturalidade que os portugueses sempre abraçaram e promoveram, de modo talvez mais ou menos consciente mas que não convive bem com fronteiras geográficas, como ficou uma vez mais provado, quer pelo desempenho dos artistas presentes, quer pela receptividade da audiência, pois que uma sala como aquela assume, de súbito, a dimensão do mundo.

O salão polivalente cedo ficou composto. A curiosidade e a mobilização deram-se as mãos e cedo houve que reforçar os lugares para tamanha afluência.

Houve tempo, espaço e interesse em experimentar e aprender a graciosidade do sari, com os seus seis metros de fino tecido envolvendo o corpo feminino, oportunidade para acrescentar um prazenteiro exotismo à celebração.

Graciosidade e exotismo que nos chegava, ao mesmo tempo, das danças com que o Grupo Ekvat nos presenteou…

… gratificando-nos por essa inquietação que nos levou mundo afora, transformando, depois, este recanto ocidental no cadinho de culturas e saberes que nos enforma.

Houve alegria nos cantares, erradicando saudosismos. Porque a alegria é a manifestação de viver, hoje e aqui. Trazendo connosco o passado, mas de olhos postos no futuro.

Chegado o momento de homenagear João Coutinho, amigo de várias outras andanças, cujo empenhamento e envolvência na organização e congregação de tanta gente, tornaram todo esta sessão tão aparentemente fácil, com tudo tão colocado no seu sítio, fluente e agradavelmente disposto. E, de realçar, uma e outra vez, sem outro interesse envolvido para além da fruição e partilha do momento.

Homenagem, ainda, aos vinte elementos do Grupo Ekvat que, tão alegremente, nos trouxeram a distante Goa àquele chão de Tires.

Testemunho que o João rapidamente transmitiu a essa Senhora – com maiúscula assumida -, Elsa de Noronha, pela forma superior de comunicação em que ela sabe transformar a poesia dita… e de quem somos devedores de tanto ensinamento, que saberemos cultivar se a humildade nos suplantar a inveja.

E veio, de seguida, um cházinho goês, estranho, talvez, para paladar não habituado, mas delicioso e retemperador…

… promovendo e propiciando um generalizado convívio, gerador de salutares cumplicidades, manancial de novos projectos.

Os amigos de sempre disseram presente, como sempre deles se espera. Por eles, para eles e com eles faz sentido combater desânimos e picardias, com que o dia-a-dia nos transtorna o dia. E neles reside a emoção de um abraço.

Segundo alento da sessão, retomada por insistências várias, mesmo correndo o risco de perturbar o convívio entretanto instalado, mas dando cumprimento à nossa matriz de apelo à participação de todos os presentes. Uma outra vez, pelos caminhos dos poemas, com Elsa de Noronha oferecendo a flor do amor a quantos estavam. E como se não lhe bastassem as palavras, ofereceu-nos, cantada, uma emocionante versão muito pessoal da Ave Maria…

… que teve o condão de influenciar e sugestionar todos os presentes…

… que encetaram um coro espontâneo – e afinadinho, que a sala estava bem preenchida de belas e experientes vozes! – em volta de um tema popular português, pedra cimeira desta episódica construção, que, ainda assim, esperamos que se desenvolva todos os dias.

E porque agora de vozes se falou, vem a propósito o 30º Aniversário, comemorado no passado dia 18 do corrente, na Universidade Nova de Lisboa. Aniversário duplo, pois que era dia do CRAMOL e do IELT – Instituto de Estudos de Literatura Tradicional.

O CRAMOL com as suas vozes matriciais, o IELT com o seu incansável labor em prol da literatura tradicional portuguesa, meus já incontornáveis pilares do ser e do estar nesta vida de escrevinhações.

Aqui se pára! O parágrafo anterior traz-me à inquieta madrinha dessas minhas escrevinhações, desse novo alento trazido aos meus dias: Ana Paula Guimarães.
Para ela… nem sei bem que dizer. Talvez a urgência de lhe erguermos uma estátua que tente competir em pose com o que a Ana Paula traz à vida em substância. Perderá a estátua, é bom de ver, mas que exista para memorização de vindouros, já que temos necessidade de faróis para nos guiarmos.
Do CRAMOL, de algum modo também, pouparei em palavras por cuidar saber mal transmitir emoções, sem resvalar em lugares comuns. Aqui, o nosso silêncio, propiciador de lhes escutar o canto, através do qual podemos, enquanto o Diabo esfrega um olho, ser transportados do centro de Lisboa para uma ruralidade profunda que, tão cheios de betão, mal percebemos como ou porque mexe tanto connosco…

Corolário de anteriores dizeres, aí está a mais recente aventura da Ana Paula Guimarães, em parceria com Ana Gomes de Almeida e Miguel Magalhães: Artes de Cura e Espanta-Males (edição Gradiva, 2009).

Obra apoiada no espólio de recolhas sobre medicina popular de Michel Giacometti, esse estrangeiro que teve artes de nos mostrar transcendências do ser português e que ele próprio assumiu.

Com o apoio da Câmara Municipal de Cascais, teve, então, lugar na Museu da Música Portuguesa (Casa Verdades de Faria) o lançamento desta monumental obra – 657 páginas – na qual tenho o grato orgulho de também ter dado modesta colaboração, em forma de poemas alusivos à temática.

NOTA MUITO IMPORTANTEÓptima sugestão de prenda de Natal para oferecer apenas àqueles que vos sejam muito queridos e dignos de o merecer! O critério é vosso…

Impagável, a chamada telefónica que Ana Paula Guimarães «recebeu» de Michel Giacometti, em plena apresentação da obra, pedindo desculpas ao auditório por não ser possível contornar uma chamada telefónica de tal envergadura…

Com uma arte cénica de se lhe tirar o chapéu – não te conhecia esta faceta, amiga! – envolveu-nos com um «diálogo», de que todos ficámos cúmplices, findo o qual… estava apresentado o livro, com todos os condimentos e precisões, e todo o mundo agradado por ter partlhado tão notável quanto inesperada «presença».

Pedra de remate na cumeeira do edifício, o excelente desempenho – perdoem-me o aparente exagero de adjectivos, mas o caso não é para menos – deste galego companheiro de IELT, Ignacio Vilariño.

Actor, contador de histórias, bonecreiro, animador… eu se lá, o que vocências quiserem! O homem enche-nos palco e alma com uma graça, um condimento de especiarias finas, que nos transporta, mundo afora, à Terra do Riso, onde nós, adultos, nos redescobrimos crianças, ainda que não se perca em nós o tempero brejeiro que a vida nos trouxe.
Em palco, um tipo do caraças, este grande Ignacio!