O caso Moura Guedes-TVI, já quase não-notícia nesta vertiginosa voragem dos dias, traz-nos, apesar disso e uma vez mais, esse amargo sabor que é o facto de alguns dos pilares que queremos entender como definitivos – sendo aqui o caso da liberdade de expressão -, afinal enfermam de fragilidades incomensuráveis.
Não se discutindo o estilo, onde podemos, até, encaixar noções de estética de gosto mais do que duvidoso – ainda que nem todos gostem, como se sabe, do amarelo -, facto é que a veiculação de uma opinião é isso mesmo – e importa no concerto do mundo – e a divulgação e informação sobre factos outro tanto, pelo menos até que alguém consiga desmenti-los.
A guerrinha que o nosso primeiro Sócrates achou por bem comprar, ao longo dos tempos, com o noticiário da Moura Guedes, armando em vítima e dando troco sem acautelar o distanciamento que o seu cargo lhe devia conferir, deixa-o agora refém de uma circunstância que, indo da mera estupidez ou pesporrência (não menos estúpida) de um administrador, até a uma cabala maquiavélica contra o PS movida pelas «forças obscuras» que o primeiro ministro referia, lhe coarcta margem de manobra.
E como tem sido seu timbre, em cima de disparate, sai disparate e meio, e lá vem ele clamar às televisões que «exige» esclarecimentos à administração da TVI sobre a ocorrência. Mas exige o quê, como e com que meios legais? Enfim, os habituais deslumbramentos e inconsequências…
Mas, na verdade e no fundo perverso de tudo isto, o que considero preocupante é a tal fragilidade dos pilares sobre os quais assenta a liberdade de expressão, direito constitucionalmente consagrado e parte determinante da deontologia jornalística.
Salvaguardadas as devidas distâncias e reportando-me a uma experiência pessoal recente, uma directora da área comercial de determinada publicação para a qual eu redigia artigos de opinião (assinados), graciosamente e sem vínculo contratual, atropelando o director editorial e, apesar de entoar loas ao meu estilo de escrita da qual seria adepta incondicional (termos da própria), considerava, entretanto, que os meus artigos eram demasiado acidulados para o seu gosto tíbio e, seguramente, de pouco agrado para quem financiava a referida publicação. Ao segundo «reparo» acabei com a colaboração, por falta de paciência… Mas a verdade é que deixei de contar com aquele fórum. E, enquanto tive acesso ao «ranking» dos artigos, sei que os meus eram dos mais lidos. Ora, seria de considerar que tal facto deixaria sensível um responsável comercial. Mas parece que o lápis azul falou mais alto.
É com a mesma apreensão que assisto ao cerco – é o melhor termo que me ocorre -, com encerramentos temporários «para análise», que a Google está a fazer a um blog do qual sou, desde há vários anos, colaborador, invocando alegada «violação dos termos de serviço», expressão equívoca e, no caso, absolutamente infundada. Trata-se d’A Funda São (http://afundasao.blogspot.com/), cujos conteúdos, devidamente assinalados como sendo para adultos, poderão provocar alguma urticária a espíritos mais sensíveis – daqueles que só lêem a Antologia de Poesia Erótica e Satírica às escondidas… mas não deixam de a ler.
Admitindo que o espírito inquisitorial, com autos de fé e fogueiras a rodos, não seja uma característica genética, ou atávica, tratando-se apenas do acto cobarde de quem tem o poder e, por receio de o perder, não admite ser beliscado ou, sequer, que se ponha em causa os «valores» da treta que apregoa, que, afinal, mais não são senão o sustentáculo da tacanhez em que lhe convém manter o povão, verifica-se (se dúvidas houvesse) que nestes nossos «dados adquiridos» há muito, muito, caminho ainda a desbravar…