Farândola do Solstício
– memórias de infância por terras de Miranda.

apresentação do livro no Museu da Electricidade (Belém – Lisboa),
em 31 de Maio de 2008


Nestas coisas, as palavras são sempre demasiado redutoras para que valha a pena gastá-las, massacrando os demais e ficando, invariavelmente, a anos-luz da realidade… Quem lá foi, viu como foi!

Esplêndida a festa, com Trás-os-Montes trazidos ali à boca do Tejo. A sala, uma vez mais, cheia, pelo que devo deter-me para um agradecimento do tamanho do mundo a quantos me premiaram com a sua presença – e muitos foram!

Deixo-vos imagens do evento AQUI.

Quem estiver interessado em adquirir um exemplar, cujo preço de capa é de € 20, por favor, dirija-me uma mensagem nesse sentido para
jc.orca@gmail.com

E para quem tiver paciência, aqui fica o registo da minha apresentação do livro e do evento:

Boas tardes, meus amigos.

– O meu agradecimento à Fundação EDP, na pessoa do seu Director, Dr. Eduardo Moura, que teve artes de «descomplicar» o acesso a este magnífico espaço do Museu da Electricidade para o lançamento deste meu livro. Um espaço onde se trabalhou para haver mais luz; e onde se trabalha, ainda, para a luz do conhecimento, agora;

– o meu agradecimento, também, pelos apoios recebidos por parte:

– do IELT – Instituto de Estudos de Literatura Tradicional, no seu afã de manter viçosa a nossa tradição oral, para que não nos percamos de nós;

– da Câmara Municipal de Miranda do Douro, terra de quem me apraz mais e mais, em cada visita, ver-lhe a cara e sentir-lhe os ares;

– do Clube do Pessoal da EDP, pela divulgação do evento e disponibilidade para apoiar outras futuras apresentações, no Porto e em Miranda;

– mas, principalmente, de todos vós, pela vossa presença, uma vez mais, sem a qual nada disto faria sentido.

50 anos me levou este livro a fazer. Livro de memórias, daquelas com que os nossos olhos aprendem a ver o mundo. Não será, pois um exercício de rigor, mas, antes, um passeio pelos afectos.

Que raio de nome este! Farândola do Solstício!… Bom, Farândola, porque quer ser uma dança de rua, onde os bailadores se dêem as mãos, num cordão a perder de vista. Do Solstício, porque se pretende em sintonia com antigos rituais de celebração à Vida e ao seu sempre renovado recomeço.

Não será por acaso que uma das personagens das festas do Solstício de uma aldeia mirandesa se chama Farandulo de Tó…

Falo-vos nele de Miranda do Douro, da minha terra por afecto, na minha passagem por lá, entre 1956 e 1963, acompanhando os meus pais na edificação das três barragens hidro-eléctricas do Douro Internacional (Picote, Miranda e Bemposta).

Falo-vos das pessoas, dos bichos, das coisas, dos lugares que formaram os meus alicerces e que me ensinaram a viver. E trago-vos essas impressões num livro que é, desgraçadamente, um projecto eternamente inacabado… Quantas vezes o encerrei para, logo depois, lhe acrescentar o aprumo de um apontamento, mais corpo a um adjectivo desgarrado, ou uma segunda demão numa pintura menos nítida.

É, então, de algum modo, este o desafio que quero fazer-vos com esta Farândola: sirvam-se, à vontade, usando e abusando do exemplo, entendendo-o como um hino à Vida, lavrando disso testemunho. Recordem e partilhem as vossas histórias de vida. Cada um de nós irá mais seguro para o futuro, ciente do caminho que trilhou.

Do que vos falo no livro, vem de um tempo distante. Usando as palavras do Dr. Eduardo Moura, na sua apresentação da exposição «Rostos da Central Tejo», patente neste Museu, direi que este livro, tal como essa exposição, «sublinha as formas originais de gerar electricidade e acentua o contraste com as novas visões de geração, definindo a distância tecnológica, social e mental que nos separa desse tempo. Mas essa época tecnologicamente distante é, afinal e ainda, o tempo dos nossos pais. É um tempo com rosto encostado ao nosso…» onde o labor e as realizações conseguidas «de uma forma notável melhoraram a vida de todos». (fim de citação)

Vivemos um tempo em que querem alguns cultivar a glória exclusiva do efémero em oposição à busca eterna da Utopia. E caem nesse erro grosseiro de dar a Portugal a cara de um futebolista quando, na melhor das hipóteses – e com o respeito que o ser humano nos mereça – ele representará tão somente os nossos pés (e com chuteiras) ou, até, as nossas pernas… Importante essa parte anatómica. E haja pernas e pés para andar!

Mas nem só de pernas se faz esse andar. Faz-se de vontade, também! E de saberes! E de caminhos!

Arte, cultura, espírito, transcendência, ficam aonde e servem para quê? Assistimos, em doses maiores ou menores de anestesia, à tentativa de formatação dos cérebros por formatados poderes públicos e privados, que cultivam o cêntimo como filosofia de vida e a competição individualista como padrão único de actuação.

Tudo se submete ao mercado e o papão dos tempos modernos passou a ter nome: chama-se o Senhor Défice, que tem uma relação conjugal duvidosa com a Dona Especulação e vive às custas da Tia Indiferença…

Honra, dignidade, partilha, lealdade, ser solidário, a individualidade contra o individualismo, mas ao lado do «outro», essa riqueza que o ser humano detém em si, no culto pela diferença, essa que promove o sonho com o qual «o mundo pula e avança como bola colorida…», nada disso pode ser mensurável em euros.

Mas o mundo é mais e melhor do que isso e assim o devemos entender. É ele feito de todas aquelas minúsculas coisas que dão sentido à Vida: a papoila no meio do verde campestre, a urze que a intempérie fustiga, a cumplicidade empenhada de um amigo, um olhar a perder-se de amores, o riso claro de um pensamento à solta… Vejam lá o que para aqui vai de desperdício e de encargos, a favor do culto da Vida!

Será de um outro tempo e de uma outra lógica das coisas este livro que vos trago. Mas não me falem de saudades nem de passadismos! Falem-me, sim, de testemunho. Falem-me de alternativas, também. Pois nunca nada é opinião definitiva e a História não é um lastro, mas um trampolim para o futuro.

Também por isso, para a realização deste livro, quis contar com a nova gente e dar-lhe prioridade nas minhas opções. Nova gente a quem nós, os mais «antigos», devemos estender o testemunho nesta prova de estafetas em que todos participamos.

– Os criativos da TunalightZone (Alexandre Castro, Edgar Filipe e Gustavo Maia), responsáveis pela concepção da excelente capa e demais tratamento gráfico do livro,

– a tipografia Tipocasi, na pessoa do José Luís Pinto,

– os bravos Gaiteiros de l’Piara:

André Pires – Gaita de Foles Transmontana
Cláudia Coito – Percussão
Gonçalo Fabião – Percussão
Paulo Marinho – Gaita de Foles Transmontana
Pedro Calado – Percussão

que espantam e fazem reviver, com ancestrais sonoridades, estas antigas estruturas, que, também elas, estão, hoje e aqui, a fazer as vezes das duras e feras penedias transmontanas,

todos eles a darem-se as mãos com o

– CRAMOL, estas entranhadas vozes da terra-mãe que tanto me gratificam pela sua sonoridade, como me honram pela sua companhia; de quem direi, como José Mário Branco, que «não se pode compreender este país sem ouvir o Cramol… Cramol quer dizer “clamor”. Mulheres que, como refere o texto de Domingos Morais, “amam e sofrem sem objecto visível”. Devia ser obrigatório nas escolas. A revolução social de que precisamos também passa por aqui, pela evidência incontornável desta força.»

– com a amiga e editora Fernanda Frazão, da Apenas Livros, dos livrinhos de cordel… e dos outros, de quem conto já com tantas cumplicidades e aventuras, nesse imenso estendal de saberes e exemplo de atitudes que ela tem sido;

– com a minha madrinha de escritas, a Ana Paula Guimarães, cujo constante desassossego intranquiliza o mundo e com quem também aprendi a contrariar aquela quadra popular, começando a pagar, ainda em vida, o meu tributo à terra;

– e com os dois companheiros de caminhadas, Eduardo Mendes e João Pequito, nesta grande jornada que se iniciou na Hidro-Eléctrica do Douro e é prosseguida até às Energias de Portugal, sabendo-se lá onde parará…

– todos juntos, comigo e, agora, com todos vocês, também, viemos para a rua, nesta Farândola sem fim que é a Vida para, assim, cumprirmos dela mais uma etapa que se espera seja do vosso agrado.

Procurando sempre tudo o que nos possa unir nas nossas inevitáveis diferenças e desprezando o ruído de fundo de invejas, desatenções… ou alguma moleza de coluna dorsal.

Termino anunciando-vos que, simbolicamente, entendi que, por cada livro vendido, revertesse um euro a favor da Associação de Reformados da EDP/REN, instituição de solidariedade à qual, como é hábito que a todos transcende, não sobram recursos à sua obra meritória.

Por mim, não fazendo, pela ordem natural das coisas, contas de enriquecer com a literatura, é por ela que tenho, afinal, descoberto os caminhos para tantos tesouros escondidos e esses me vão bastando.

Se o pouco, quase nada, deste gesto – em que, afinal, dependo de vós, também – ajudar a desenhar um sorriso nalguma face lavrada de rugas, direi que mais um objectivo foi cumprido. Se esse gesto contribuir para o despertar de alguma consciência adormecida, com outros meios e poderes… então direi que o objectivo foi plenamente conseguido.

Com a Farândola é oferecido um exemplar do meu mais recente livro, Poemas de Menagem, livro integralmente patrocinado pela Junta de Freguesia de Carcavelos – a minha terra de acolhimento – a quem deixo, uma vez mais os meus agradecimentos, na pessoa da sua Presidente, Drª. Zilda Costa da Silva.

Resta-me sugerir-vos, colhendo as palavras do Presidente da Câmara de Miranda, Engº Manuel Rodrigo Martins que, logo, logo que possam, «Besitem Miranda de l Douro… un cachico de cielo na tierra». Sintam-lhe a dureza das fragas, saboreiem a suculência da posta, ouçam-lhe os sons ancestrais, contemplem o desenho dos lameiros, deixem o olhar perder-se nas lonjuras do planalto…

Bem hajam.