A solidariedade é, para mim, muito mais do que uma palavra, uma atitude. A razão de ser de integrarmos esse clube gigantesco que se chama Humanidade.

Redistribuir, por aqueles que mais precisam, o excedente dos demais é, nesse contexto, uma lógica óbvia e coerente, mesmo levando em conta uma imensa diversidade de patamares de práticas e opiniões sobre a matéria.

Mas, no estadio civilizacional a que nos guindamos, somos pródigos em desvirtuar ou distorcer até ao irracional aquilo que partiu de uma intenção salutar nesse dar os braços humanitário que nos enforma.

Lembro-me da caricatura (e do insulto) que eram, nos idos salazarentos, os hipócritas chás de beneficência ou de caridade, onde as «colunáveis» da época estouravam escandalosos milhares de escudos para angariar misérrimos tostões, num suposto favor das mais nobres causas e em prol dos «pobrezinhos».

Do mesmo modo, debato-me, hoje, numa angústia quando assisto a uma imensidão de intrépidos jovens voluntários, que recolhem alimentos nas «grandes superfícies», apelando à dádiva solidária dos cidadãos, dádiva essa que, sem dúvida, contribuirá para minorar a fome que bate já a tantas portas portuguesas…

Mas não posso deixar de atentar na estupidez e desperdício que significa, por exemplo, fazer o apelo a oferta de alimentos adquiridos nessas mesmas «grandes superfícies», a preço de mercado, e cujos milhares de toneladas vão contribuir largamente e antes de mais para os destemperados lucros dessas mesmas «grandes superfícies»!

E pensar, depois e para cúmulo, que tantas dessas «grandes superfícies» são também fomentadores da precariedade ilegal no emprego, uma das grandes geradores do incremento da fome e de todo o tipo de carências sociais a que vimos assistindo, de forma galopante e descontrolada.

Afinal, ao adquirir um quilograma de farinha numa «grande superfície» para destinar ao Banco Alimentar, estou a alimentar quem?

Não é suposto caber ao Estado a redistribuição da riqueza criada, através da recolha de impostos – e são tantos! -, matando a fome a quem a tenha, dando a educação e a saúde aos que mais delas precisam, fomentar o emprego e vigiar pelo cumprimento das leis que a toda a comunidade deviam abranger?

Nesta inconsistência constante de atoardas que a comunicação impinge, quem se lembra, ainda, do ensinamento segundo o qual, mais importante do que dar o peixe, é ensinar a pescar?