Nunca tive grande jeito para comemoração de efemérides, mais voltado que estou para fazer «perguntas ao vento que passa»… Daí que as balizas que tanto importam a tanta gente, para mim diluem-se no imperativo dos dias.

Isto para dizer que, no passado dia 09 de corrente, fez anos que nasceu Adriano Correia de Oliveira. Cumpriria ontem, portanto, sessenta e seis anos. Há vinte e seis que partiu para outra aventura.

Não direi muito mais para além do que todos sabem. Direi, apenas, que o ouvi, pela primeira vez, lá por 1967, andava eu pelos meus quinze anos de angústias, indecisões e outras pesquisas.

Antes da leitura dos «grandes clássicos», foi Adriano e a sua cristalina voz que me auxiliaram a perspectivar o mundo que me rodeava… e que me rodeia.

Nunca mais deixei de querer ouvi-lo.

Adriano Correia de Oliveiranão sei cantar para ti como cantaste
numa noite coimbrã de fogo aceso
corações eles foram tantos que tocaste
tal o meu também voando estando preso

vens de um tempo das afrontas sufocadas
de grilhões prendendo mãos e pensamento
nesse tempo em que ao som de guitarradas
descobrimos ser tão livres como o vento

era um tempo de combate e duras pedras
já cantavam na tão velha escadaria
era negra-negra a noite e as capas negras
mas em cada olhar a esperança se fez dia

na denúncia do algoz soltando amarras
como arauto no combate à força bruta
a tua voz na plangência das guitarras
ia unindo a alma e o corpo à mesma luta

era de Maio essa cor que então cantavas
ou de Abril nesse Inverno descontente
e o calor de rubras flores onde voavas
era o azul de um novo céu de nova gente

eram cores e sons de Abril que já trazias
num assombro de poesias perturbadas
e cantavas naus giestas e alegrias
que fazias ser em nós gume de espadas

à razão deste voz que não se guarda
pressentindo um pulsar que se inquieta
foste o canto a arma e a mão que não se atarda
o percurso firme e tenso de uma seta

ao canto deste a vida e foste esperança
conjugaste em tom diverso o verbo dar
e adivinho o Adriano na criança
que ali corre vida fora junto ao mar

porque somos feitos só de terra e barro
já partiste irmão maior mas entretanto
se nas cinzas se amortalha aquele cigarro
fica em nós presente o grito do teu canto.

– poema de Jorge Castro incluído em Poemas de Menagem, 2008