Realmente, eu não devia, por imperativos de consciência que sustentam filosofia de vida, passar o tempo a denegrir o que neste cantinho do mundo se faz…

Por outro lado, para dizer bem sem as mais das vezes se saber porquê bem nos bastam os elencos governamentais com que é brindado o bom povo português.
Enfim, assumo então este pendor para a maledicência, como forma de equilíbrio ou para que o mundo, como diz um bom amigo meu, não tombe para um só lado.

Desta vez, falo-vos de Tróia. Não a do cavalo, mas a da nossa burrice. Lá para essas bandas onde os camelos fazem longas travessias no deserto.Tróia foi, desde a minha juventude, um dos meus destinos privilegiados para férias. Do acampamento “selvagem” e aventuroso, de saco-cama e fogueira no areal, dos tempos de estudante “teso”, até ao usufruto de um apartamento, em povoação próxima, já com mais aconchego na carteira. De comum, aquele areal de paraíso na terra, aquele mar que a serra da Arrábida borda, aquela inclemência de sol, aquele recolhimento das distâncias, aquelas intermináveis caminhadas, a coleccionar conchas e poesia… Foi, pois, sempre de olhar enviezado que vim assistindo às hordas de bárbaros da construção e outros vândalos, à mistura de alguns bandalhos e outros melhor instalados na vida, que foram edificando torres e mais torres, casas e mais casas, sem nexo e pouco préstimo, numa zona a que alguém – quiçá por piada – resolveu chamar de “reserva natural”.Felizmente que, com o governo actual, tudo mudou! As torres da Torralta, mortas de paradas durante anos a fio, foram demolidas, com pompa e circuntância circenses.Agora, vejam a imagem acima, obtida hoje, dia 22 do ano da graça de 2007: já com andar-modelo disponível para visita e infraestruturas para uma marina, em plena rota da escassa vintena de roazes-corvineiros que teimam em por ali passar, sobreviventes, vai-se erguendo, magestática, uma belmírica urbe, sem peso, nem medida, nem contenção!E há-de lá ir parar uma berarda exposição ou quejanda, estou certo. Mais acordo, menos facada, que entre gente de negociatas sempre sabem atingir consensos.Pelo caminho, a “reserva natural” deve ter o seu conceito subvertido, pois de reservado terá o acesso aos possidentes e de natural, porventura, o direito divino que a tal dará cobertura.Os roazes terão ido à vida. Mas isso que importa? Importam-se outros, metem-se num aquário e a malta, assim, até os vê e toca e tudo! Pior será se se concretizarem as expectativas dos cientistas do ambiente, segundo as quais a península de Tróia, dentro de cerca de 100 anos, estará a cerca de 20 metros de profundidade. É muita água!Talvez, então, surja uma nova espécie: a dos belmiros-corvineiros. É que a Natureza tem essa extraordinária capacidade regenerativa, muito para além daquilo que possamos imaginar…