Uma voz que não se deixa amortalhar em mordomias.
Uma voz que teve o condão de ser a voz de muitos.
Uma voz que tem ainda esse condão e integra a matriz do ser português.

por vezes um herói faz-se a cantar
no espanto doce e leve
de iluminar a cidade
e recordar tempo à vida
em acordes de esperança

por vezes ele é a dança
é a razão encantada
de uma balada que abala
o torpor em contradança

por vezes ele é sorriso
ironia que desarma
o medo de arma em riste
sorriso que faz o triste
ser alegre de coragem

é a flauta encantada
é nau de outra viagem
que traz ao povo a alegria
de cantar em romaria
com bandeiras desfraldadas

bandeiras da paz – do pão
e do nome que ele tem
que um povo sem ter nome
pode bem morrer à fome
e há-de chamar-se Ninguém

cântico a Catarina
suor e sangue num grito
menina que o medo mata
e que o vermelho desata
nas papoilas da campina

ou lagos de breu no céu
bairro negro do menino
com olhos de estrela de alva
deixai-o que é pequenino

Zeca amigo está contigo
um povo desperdiçado
que se perde em triste fado
mas colhe em tua voz abrigo

seja a voz de quem trabalha
no som ritmado dos passos
contra vampiros de palha
nascente em vila morena
que entre nós criou laços
de saber quem mais ordena
de saber que vale a pena
entrelaçar nossos braços
fazer da vida um poema
dourado em Maio maduro
dentro de um coração puro
cheio de vida para dar

… que por vezes um herói
também se faz a cantar.

– poema de Jorge Castro