Hoje é um daqueles dias em que não se me dá para a Poesia.

Ouvi um ministro a entoar loas aos campos de golfe, espalhados pelo país até raiar o absurdo, como forma de captação dos dinheiros de milionários nórdicos (?!) que, aparentemente, gramam à brava a nossa grama, segundo sapientíssimas e avisadas palavras do dito ministro, cujo atesta o que me parece ser uma visão algo ruminante do futuro lusitano. Posso até imaginar o Portugal do futuro, entalado numa faixa a 500 metros do mar, com os portugas todos já licenciados, enquanto os ricaços nórdicos percorrem o interior, deserto e verde-erva, de lés-a-lés, a tacadas do Minho ao Algarve. Em fundo e ao longe, uma vaquinha por mungir, muge.

Ouvi um outro ministro, de discurso enviesado e – desculpem, mas é o que me soa ao ouvido – labrego, clamar que as mulheres, futuras presuntivas abortivas, se quiserem o anonimato na trágica decisão a que forem compelidas, terão de recorrer a instituições privadas e pagando, assassinando o senhor ministro com tal dislate e de uma assentada os mais elementares conceitos deontológicos e éticos que norteiam os serviços de saúde, ao mesmo tempo que assalta à mão armada o próprio Serviço Nacional de Saúde de que é suposto, vejam lá, ser o presuntivo defensor. Então quando alguém se dirige aos serviços do SNS, o que tem de mais certo é ver o seu nome, no dia seguinte, nas primeiras páginas dos jornais, anunciando ao que foi? “Sua Excelência, Fulano, dirigiu-se ontem ao Centro de Saúde de Sete Rios, onde lhe foi extraído um furúnculo da nádega esquerda. Hoje, já tomou assento no hemiciclo, etc., etc.”.

Eu começo a convencer-me é de que o problema do alcoolismo terá, porventura, uma incidência muito mais gravosa e extensa do que aquela que as estatísticas nos mostram… Com a agravante de que a etilização destas mentes tem o efeito pernicioso de as levar a considerar todos os demais concidadãos como mentecaptos de primeira apanha e irredutível postura.

E, no fundo, toda esta estupidez galopa por causa do malfadado défice, que não há forma de sair das nossas vidas. Défice criado, sustentado e amadurecido pelos sucessivos governos que nos vão saindo das tômbolas partidárias, esses insignes e incontornáveis sustentáculos da democracia.

Outro recorrente e lancinante lamento é o dos licenciados que não arranjam emprego. Pois como haveriam de o arranjar, se tudo quanto é gestor da corda e/ou empresário da treta tem como paradigma laboral o paraíso do mercado de trabalho chinês?

E é um país carenciado de quase tudo que se dá ao luxo de trazer como lastro inútil (ou será reserva estratégica para conduzir carrinhos dos campos de golfe?) cerca de 50.000 licenciados, inscritos em centros de emprego.

Quem emprega (com contrato, entenda-se) um licenciado, com mestrados e pós-graduações e tudo, se ele não for, pelo menos, primo do tio do cunhado de um gestor já instalado, ou ainda, pelo-menos-pelo-menos, afilhado da amásia do genro de um construtor civil, correlegionário de partido e de direcção futebolística?

Nã! Licenciados só a recibo verde! E, depois, queixam-se de que não há dinheiro na Segurança Social, ou de que a população activa não suporta os encargos dos velhadas… Pudera. O “recibo verde”, já de si, tende a descontar o mínimo – o que faz parte da “natureza humana”, tão apoiada pela proverbial falta de controlo fiscal, que é consabida; os sub-sub-sub-contratados, por sua parte, tanta vez nem recebem o que lhes é devido, quanto mais descontarem para o fisco!

Por outro lado, quantas das mordomias auto-atribuídas que por aí pululam nos “gestores de topo” e seus apaniguados, por força de um distorcido conceito de “dignidade da função”, a que os sucessivos governos dão anuência cúmplice e prudente (hoje eles, amanhã nós…), estão “isentas” de incidência tributária? Os carros, os combustíveis, as reparações e manutenções, os seguros, os telemóveis, os cartões de crédito, os incontáveis e intermináveis et coetera que vão sendo conhecidos ou desvendados aqui e ali…

Não se trata de inveja, não. Puro engano. Estou só numa tentativa mal ajambrada de desvairar pensamentos, para análise superficialíssima da coisa pública, invocando quiçá estas discorrências como álibi para o desgoverno e demissão de cidadania de que o bom povo português enferma, naquela lógica abatatada de que “os bons exemplos vêm de cima”. De onde logo decorre o “se não os vences, junta-te a eles”…

Por estas e por outras é que, hoje, sem Poesia a tiracolo, desejo a todos um muito grande, mas grandessíssimo mesmo, 2007.