(hoje estou sem vontade de brincar com as palavras… quero, apenas, senti-las passando por mim)
conta-me simplesmente uma pequena história de embalar
como aquelas que me contavam quando eu era criança
mas conta-me essa história agora
quero que o meu riso de lembranças
seja embalado pelo teu sorriso branco
que tanto me evoca as pálidas e translúcidas pétalas das rosas
a sorrirem-me num canteiro de um jardim improvável de Veneza
aonde eu nunca fui
ou vogando tranquilas na superfície lenta de uma lagoa
como barcos impossíveis dos deuses das florestas
conta-me uma história
conta-me aquela história cheia de risos e de sonhos
como as que me contavam quando a juventude ardia em mim
e os dias nasciam na intensidade das paixões
e sempre tão preenchidos de Sol
ou de neblinas feéricas de mistério e encantamento
que nos perdíamos em mares de abismos glaucos
ou de tremendas tempestades
a viver sonhos com olhos acordados de espanto
conta-me uma história
depressa
uma outra história de combate
feita com palavras urgentes de ferir como o ferro duro e frio das adagas
como aquelas palavras segredadas que surgiam
nas madrugadas cinzentas
das afrontas dos medos e das incertezas
a cercarem-nos imperativas de violência
como se estivéssemos sós
e o mundo quase todo à nossa volta nos não soubesse
conta-me uma história
podes contá-la agora
quando a falta que o tempo me faz me torna o tempo maior
a história das histórias contadas
a trança de uma vida que eu faço e da qual vivo
uma história com o sabor de exóticas especiarias
mas que contenha também a doçura indizível dos doces caseiros
as ementas que me trazem o calor da minha mãe
condimentadas com afectos entrelaçados por um cordão de mãos
que alguma vez senti
conta-me uma história
uma história que me diga onde estás
que me ajude a encontrar-me melhor porque te encontro
ou a encontrar-te de cada vez que me procuro.
– Jorge Castro