trespassa-nos um pavor tão suburbano
talvez um pouco idiota
mas humano
de temer
aperceber um estrangeiro
eslovénio talvez
talvez busquímano
ou – quem sabe? – se calhar ucraniano
que nos aborda mal saídos do emprego
numa esquina
num semáforo
de passagem
interpretando um longo trecho num piano
que nos furta com sua cauda
até a paisagem
enquanto numa pausa em semifusa
estendida a mão fremente
o olhar acusa
mas – cuidado! – que ao pedir-nos uma esmola
irá talvez sacar do piano uma pistola
a usurpar-nos bem-estar o tal fulano
espoliando magros proventos de um ano
em linguajar de entaramelar nossos medos…
e logo ele
virtuoso e exímio no piano
que tão ágeis nos parecem os seus dedos!…
– Jorge Castro